domingo, 6 de janeiro de 2013

SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA


"Cinquenta anos em cinco", era o que Juscelino Kubitschek costumava afirmar ao se referir sobre o seu mandato, fazendo alusão ao impulso desenvolvimentista que o Brasil ganharia com a introdução da indústria automobilística no Brasil. Sem dúvida que essa iniciativa trouxe progresso em muitos aspectos, mas trouxe a reboque, diversos malefícios também, fora o fato de que sim, o Brasil cresceu, mas muito aquém do exagerado slogan de seu governo.
E foi dentro dessa perspectiva socioeconômica, que o jovem cineasta Luiz Sérgio Person construiu o seu primeiro longa-metragem, denominado São Paulo S/A. Logo na primeira cena, Person já nos arrebata. Do lado de fora de um prédio de classe-média no centro de São Paulo, vemos um casal discutindo dentro de um apartamento residencial.
Ecos Hitchcockianos óbvios logo de cara, embora na biografia de Person, isso não seja citado com ênfase. Ele era entusiasta do cinema italiano principalmente e talvez o mestre do suspense, não tivesse lhe influenciado fortemente, mas convenhamos, essa primeira cena evoca tal suspeita. O sujeito transtornado é Carlos, interpretado por Walmor Chagas, num de seus melhores (senão o melhor), papéis no cinema.
A sua jovem esposa é Luciana, interpretada por Eva Wilma e a briga era mais uma entre tantas que o casal travava, pela insatisfação dela perante o comportamento de seu marido, fugindo ao padrão tradicional da família classe média daquele período.
Carlos tem amantes, mas não é nem pela vida dupla (no caso tripla), que leva, mas pelo fato de que não se trata de um hedonista pura e simplesmente. O personagem vive sob pressão o tempo todo e nem o prazer carnal dividido com várias mulheres, lhe satisfaz. Sua inquietude é profunda e reflete o massacre da sociedade que deixa o homem mediano acuado, sem perspectivas e pior que tudo, derrotado diante dessa engrenagem.
Carlos é recém-formado em desenho industrial e acaba de ser admitido na Volkswagen. Casou-se com Luciana (Eva Wilma), apenas para cumprir o roteiro esperado de um jovem classe média que se forma na faculdade e constituiu uma família.
E ela, idem (apesar de "trabalhar fora", algo incomum para a época, como professora de inglês), seguindo o padrão da típica "menina de família", mas sua frustração é diferente em relação à Carlos, pois não apresenta a mesma inquietude que atormenta Carlos em relação à sua crise existencial.
Isso se intensifica, com as cenas onde aparecem as amantes de Carlos (Ana - Darlene Glória e Hilda - Ana Esmeralda). Como já disse anteriormente, nem o prazer sexual lhe satisfaz inteiramente e a sensação de vazio o consome.
Conhece então o empresário italiano, Arturo (interpretado por Otello Zeloni), que prospera vertiginosamente no ramo das autopeças, sinal de que a indústria automobilística girava a economia paulista naquele momento de grande euforia. Carlos larga o emprego na Volkswagen e vai trabalhar como gerente de Arturo, na loja de autopeças. Só que Arturo é um tremendo sonegador de impostos e muito da sua prosperidade acintosa vem dessa falcatrua contábil...
Luciana é ambiciosa e ingênua ao mesmo tempo. Acha Arturo um exemplo de homem bem sucedido a quem Carlos deveria imitar, o que o deixa ainda mais deprimido. Carlos entra numa crise e nada mais lhe dá esperanças. O massacre da grande cidade, via sociedade de consumo desenfreado o atormenta.
São incríveis as cenas dele andando atordoadamente por ruas do centro de São Paulo, extravasando essa angústia indissolúvel. Sim, Person estudou cinema na Itália (Centro Sperimentale de Cinematografia de Roma) e é claro que absorveu muito do neorrealismo italiano e do estilo introspectivo de cineastas do pós-realismo. Visconti, Antonioni e Zurlini, sem dúvida o impressionavam.
Em São Paulo S/A, Person soube trabalhar essas influências múltiplas de uma forma muito convincente. A dor existencial do personagem Carlos se refletia no estômago, consumindo-o. A força motriz do filme se baseou nessa emoção angustiante e convenhamos, Walmor Chagas contribuiu muito com o sucesso do filme, através de sua interpretação notável.
Acho São Paulo S/A, um filme extraordinário, por todos esses elementos que descrevi, no campo da estética cinematográfica, mas é também um filme de virtudes técnicas. A fotografia PB é muito bonita (assinada por Ricardo Aronovitch), trilha sonora muito boa de Cláudio Petráglia e edição de Glauco Mirko Laurelli.
 Uma curiosidade anacrônica merece ser mencionada : Há uma cena onde o casal Carlos e Luciana vai ao cinema e vê-se um pôster do filme "Seven Days in May", do diretor norte-americano, John Frankenheimer. Ora, se o filme de Person dizia estar situado nos anos JK, entre 1957 e 1961, como poderiam estar indo ver um filme que só seria lançado em 1964? Certamente a moça da continuidade distraiu-se e esqueceu de anotar esse "pequeno detalhe" no seu caderninho...
Contei isso apenas como um fato engraçado, sem a menor intenção de desabonar a obra, deixo bem claro. Mesmo porque, eu o recomendo, sem reservas. Se não o viu, procure assisti-lo; se já o viu, cabe revê-lo!
Para nossa sorte, Luiz Sérgio Person não parou por aí e realizou mais filmes de grande qualidade. Todavia, para o nosso azar, Person faleceu num acidente automobilístico nos anos setenta, com apenas 40 anos de idade e deixando a certeza de que nos brindaria com muitos outros filmes de intensidade, como São Paulo S/A. C'est La Vie, como dizia o Greg Lake...
Abertura de São Paulo, Sociedade Anônima
 

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