sexta-feira, 13 de março de 2009

O curitibano feliz

Dizem que toda família curitibana tem um maluco escondido no sótão. Eu diria diferente: toda família curitibana tem um maluco que guarda a história da cidade no sótão. Esse é o “maluco beleza”. Exemplo disso é um conhecido que me procurou com uma coleção de originais do cartunista Alceu Chichorro: “Escolha dois, são seus”.

Eram 80 desenhos em nanquim (14cm x 19cm), originais em papel do personagem Chico Fumaça, que Alceu Chichorro (1896-1977) criava diariamente para o jornal O Dia. São apenas os desenhos. O texto da piada era composto em linotipo e anexado abaixo do clichê. Das preciosidades, escolhi o original acima. E, como se não fosse pouco, o portador da fortuna histórica tem mais de 500 deles em casa. Guardados no sótão, por suposto.

No envelope que protege o maço de desenhos a mim confiados para reproduzir, está datilografada a origem do colecionador: “Ilmo dr. Saul L. Quadros, DD. Diretor do jornal O Dia, em mãos”.

Cartunista e cronista com vários livros publicados, Alceu Chichorro assinava seus desenhos do Chico Fumaça com o pseudônimo Eloy. E, como a maioria dos artistas da imprensa, tinha a “cabeça fresca”. Não conservava as obras, não numerava e muito menos datava no verso. Entregava o desenho ao editor, pedia um vale e sumia na noite para cumprir o expediente boêmio. Sobrinho de Moysés Lupion e também procurador do Estado, o diretor Raul Quadros era disciplinado: diariamente pegava os originais na oficina do jornal e os guardava carinhosamente na gaveta. Assim, graças aos descendentes de Raul Quadros, restou intacta essa rara coleção da obra de Alceu Chichorro, preciosidade que nem mesmo a Casa da Memória possui.

Na metade do século passado, o personagem Chico Fumaça era a grande celebridade de Curitiba. Só perdia para o próprio autor.

Certo dia, Chichorro paquerava na Rua XV quando o galante fez uma gracinha atrevida para uma formosa senhorinha. Ela respondeu:

- Seu cachorro!

A resposta do cartunista famoso:

- Cachorro, não! Chichorro!

Esse Chichorro morreu solteiro em seu apartamento na Rua Mateus Leme, quase esquina com a Rua 13 de Maio, onde o conheci pessoalmente. Com dois quartos e uma cozinha, a sala era quase que vazia, com uma mesa, uma pequena poltrona com os jornais do dia e duas cadeiras Móveis Cimo. Mas as paredes eram forradas de livros. Durante nossas conversas para aprovar a decoração do Carnaval de 1976 com os seus personagens, o “cabeça fresca” não servia café: apenas Fanta, já que era viciado neste refrigerante.

Durante seus últimos anos de vida, solitário, passava as tardes na Rua das Flores apreciando a paisagem feminina. Aliás, uma paisagem que só trocava pela paisagem de Guaratuba. Onde ele não passava o verão, passava o inverno.

Se hoje fosse feita uma eleição para escolher o mais legítimo curitibano destes 316 anos da cidade, Alceu Chichorro seria forte candidato. Depois de Alceu, outro curitibano da gema só mesmo o Chico Fumaça. Eram dois curitibanos felizes.

Fonte: Dante Mendonça (13/3/2009) O Estado do Paraná.

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