sábado, 12 de novembro de 2011

BOLINHA DE GUDE

O gude é um jogo feito com bolinhas de vidro que devem ser embocadas em três ou quatro buracos, ou caçapas. Conhecido no país com búrica, búlica buraca, bolita, firo e outros nomes, esse tipo de jogo tem origem antiga, não se podendo determinar com exatidão em qual época apareceu. Mas mesmo não sendo conhecido nada comprovadamente correto sobre seu surgimento, ele constitui, juntamente com o estilingue e a pipa, um dos símbolos máximos da liberdade e da rebeldia infantil masculina.

O que se sabe é que arqueólogos encontraram no túmulo de uma criança egípcia, datado de 3.000 a.C., bolinhas de gude feitas com pedras semipreciosas. Também se verificou que os gregos antigos praticavam diversos tipos de jogos utilizando pequenas esferas; que em 1435 a.C. as crianças cretenses brincavam com pedrinhas redondas de ágata ou jaspe; e que nos tempos da Roma imperial essa brincadeira, conhecida por eles como “esbothyn”, era tão popular que o imperador César Augusto costumava parar na rua, para assistir as partidas. E segundo se assevera, foram os legionários romanos que levaram esse divertimento até o ponto mais distante das fronteiras de seu império Mais à frente, as bolinhas de gude também aparecem na tela denominada “Os Jogos das Crianças”, de Pedro Brueghel (1526-1569), pintor flamengo, e citadas em algumas obras do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616).

No início, as bolinhas de gude eram pedrinhas redondas e lisas, retiradas dos leitos dos rios ou preparadas com argila e até mesmo mármore, e só passaram a ser feitas de vidro a partir do século 15. Duzentos anos depois bolinhas multicoloridas começaram a encantar as crianças e concorrer com as de uma única cor, surgindo também nessa época as fabricadas em louça, em porcelana, e posteriormente as de aço, mas estas nunca agradaram os jogadores porque danificavam as demais.

Se esse jogo sempre interessou as crianças e adultos é porque envolve perícia e conquista, sentimentos comuns aos humanos. Mas ao mesmo tempo suas regras são simples, como o da burica e outras modalidades assemelhadas, entre as quais estão o triângulo, a barca ou zepelim e jogo do papão, onde o objetivo final sempre é o de acertar a bolinha do companheiro e ficar com ela.

O jornalista esportivo Orlando Duarte, em seu livro “História dos Esportes”, SENAC Editora, diz que objetivo dessa obra é transmitir a informação, a história e, inevitavelmente, a 'estória' dos esportes, e por isso apresenta tudo aquilo que se quer saber sobre os esportes conhecidos e as curiosidades daqueles sobre os quais temos pouca ou nenhuma informação. Sobre a bolinha de gude, são descritas duas formas de jogo:

BIROCA - são feitos quatro buracos - as birocas - na terra. Os jogadores, de 2 a 4, jogam suas bolinhas até a primeira biroca, e quem ficar mais perto dela iniciará o jogo. A partir daí, deverá percorrer todo o circuito, ou seja, colocar sua bolinha em cada um dos buracos, podendo “matar”, depois disso, a bolinha dos adversários, atingindo-a com a sua e a eliminando do jogo. Se errar a biroca ou a bolinha de outro jogador, perde a vez, e assim por diante.

TRIÂNGULO - Nesta modalidade, risca-se um triângulo na terra, colocando-se em seu interior as bolinhas dos jogadores. A partir daí os participantes se revezam “matando” as bolinhas no interior do triângulo, até que não reste mais nenhuma delas

Em crônica muito interessante, publicada há algum tempo, Carlos Rios conta como esse jogo é, ou era, praticado do Rio:

(...) No Rio existem três tipos de bolas de gude: bola de gude, propriamente dito, que são as de tamanho normal e de vidro comum; os olhinhos, feitas de um vidro leitoso e mais elaboradas, que, aliás, não são as melhores; e o bolão, ou olhão, que seriam os dois modelos em tamanho maior, mas pouco utilizadas. O jogo mais usado aqui é chamado de búlica, três buracos equidistantes em linha reta, no chão de terra, onde começa quem lança sua bola mais perto do terceiro, tanto faz se é daqui para lá ou de lá para cá que começa a disputa. Se por acaso no início do jogo um dos participantes consegue fazer de cara uma búlica, ou seja, lançar a bolinha direta no terceiro buraco, já está com a chance de começar a “matar” as bolas dos outros adversários cujas bolinhas estejam por perto da búlica que ele acertou, mas se acontecer que algum outro competidor também acerte nesta mesma bulica na primeira jogada, aí a partida estará cancelada e se começará uma outra. (...) No Sul joga-se às brinca ou às ganha, nós cariocas também jogamos assim, à brinca ou à vera. Existiam também as bilhas. (...) manja aquelas esferas de aço, de rolamentos de automóvel, quando não aparecia um esperto com bilhas de caminhão... ai era covardia, porque uma boa tacada com uma bola de gude convencional já poderia partir ao meio a bola do adversário. Quanto às bilhas, seu uso estava fora de questão.

Quem jogava à vera poderia pagar aos adversários com bolas cacarecadas ou partidas, ninguém era doido de pagar com seu melhor olhinho, campeão, sempre na cena do jogo, e eles a passavam para frente em seus momentos de perda. Todas as regras eram cumpridas. Eram meninos sérios. Quando desconfiavam que pudessem errar uma bola perto da búlica, gritavam para não perderem a vez: - ou bola ou búlica! (...) Carambolou, termo usado quando o jogador tinha que acertar na bola de um adversário, mas acertava também a de um outro jogador, partida encerrada sem vencedores. A melhor estratégia do jogo era ficar por último no início da partida, e para isso o jogador tão logo era anunciado o jogo, gritava a palavra, - marráio! Outra era quando muitas bolas ficavam juntas, e um jogador, querendo se aproveitar do erro do adversário da vez, dizia: ferido sou rei, mas ferido tinha uma pronúncia especial, então ficava assim: feridô sou rei. Ô coisa organizada!...

FERNANDO KITZINGER DANNEMANN - Imagens do Google - fotoformatação PVeiga

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