Por Fortuna
Assim
que entro num táxi acendo um cigarro. Acho que é pra me desforrar de quando
entro num elevador e fico a viagem toda sem fumar. Antes de tirar um cigarro
estendi o maço aberto para o motorista. Ele fez que não com a cabeça e vi um
cigarro no outro canto da boca.
— Não reparei que já estava fumando.
— O cigarro está apagado.
Estendi o isqueiro.
— Obrigado. Deixei de fumar.
Quase guardei o isqueiro aceso no
bolso.
— Fumar cigarro apagado não prejudica
a saúde — ele explicou.
— Rê rê — eu ri com toda a
naturalidade. E quantos cigarros apagados o sr. fuma por dia?
— Três ou quatro.
— Poucos, não?
—Quando eu fumava cigarro aceso eram
dois três maços.
— É preciso muita força de vontade pra jogar fora um cigarro apagado.
— É preciso muita força de vontade pra jogar fora um cigarro apagado.
— Isso é verdade.
— E quando é que um cigarro apagado
acaba?
— Quando molha.
— Igual um cigarro aceso.
— Não, é quando molha a ponta que tá
na boca. Aí eu jogo o cigarro apagado molhado fora e pego um cigarro apagado
seco.
Acendi o meu cigarro e depois é que me
lembrei de perguntar:
— A fumaça não incomoda?
— Pelo contrário, até me dá vontade de
experimentar dessa marca. Agora aceito um cigarro apagado dos seus.
— Cigarro apagado com filtro deve
prejudicar ainda menos a saúde, não?
Ele pegou um cigarro do maço e botou
na boca, sem tirar o outro. Dois cigarros apagados com filtro devem fazer menos
mal ainda.
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Reginaldo José de Azevedo Fortuna, maranhense
de 1931, foi jornalista, desenhista, humorista e artista gráfico. Colaborou
como cartunista e diretor de arte na revista "Pif-Paf", no
"Correio da Manhã" criou "O Manequinho", página de charges
políticas, no "Pasquim" fez direção de arte e colaborou com textos e
caricaturas, além de sua participação em "O Bicho",
"Folhetim", da Folha de São Paulo, e da "Careta". Segundo
Millôr Fernandes em "Retratos em 3 x 4 de alguns amigos 6 x 9"
(1969), "tem trinta e poucos anos de altura, a personalidade dele mesmo,
riso hipotético, traço desconfiado e é tarado por coisas que detesta.
Perfeccionista nato, entre suas descobertas estão o furo da rosca, o oco
exterior e a moeda sem coroa. Profundo humorista, fica triste sempre que o
levam a sério; acha que nunca foi tratado com a hilaridade que merece."
Participou das antologias “Seis desenhistas brasileiros
de humor" (Ed. Massao Ohno, 1962), "Hay gobierno?"
(Ed.Civilização Brasileira, 1964), "Dez em humor" (Ed. Expressão e
Cultura, 1969). É autor dos livros "Aberto para balanço" (Ed.
Codecri, 1980), "Diz, logotipo" (Kraft/Studioma, 1990) e "Acho
tudo muito estranho (já o prof. Reginaldo, não" (Ed. Anita Garibaldi,
1992).
O autor faleceu precocemente no dia 05/09/1994. No 22º. Salão de Humor de
Piracicaba, realizado em 1995, foi criada e concedida a Medalha "Reginaldo
Fortuna" aos maiores destaques do humor da cultura do país, entre eles os
cartunistas Jaguar, Claudius, Ziraldo e Millôr Fernandes; o palhaço Arrelia e a
comediante Dercy Gonçalves.
Texto
extraído do livro “Acho tudo muito estranho (já o prof. Reginaldo, não)",
Editora Anita Garibaldi – São Paulo, 1992, pág. 27.Foto cedida por Anna Fortuna.
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