Imediatamente no período do pós-guerra, e
efervescência cultural na cidade de São Paulo foi muito grande.
Grupos teatrais, cineclubes e museus abriam e
agitavam a pauliceia, numa profusão muito acentuada onde muitas dessas ações
tinham a generosa participação financeira e do empenho de trabalho de pessoas
como Francisco Matarazzo Filho (o popular "Ciccilo" Matarazzo); o
empresário das comunicações , Assis Chateaubriand e Franco Zampari.
Ciccilo estava empenhado na criação de museus,
principalmente, dando maior ênfase às artes plásticas, sua paixão maior. Mas
era um entusiasta de outros ramos artísticos também.
Tanto foi assim, que auxiliou o seu amigo de
infância, Franco Zampari a fundar o TBC , Teatro Brasileiro de Comédia, onde um
polo de dramaturgia se criou na cidade de São Paulo.
Com a proximidade do advento da televisão no
Brasil, graças aos esforços de Assis Chateaubriand e com apoio de Ciccilo,
Franco Zampari percebeu que era o momento ideal para a realização de um outro
sonho seu.
Franco Zampari sonhava com a criação de uma
companhia cinematográfica super estruturada, nos moldes dos grandes estúdios
norte-americanos e europeus e sentindo esse momento borbulhante na cidade, com
tantos indícios bons na área da cultura e comunicações, lançou a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz.
A base artística para a Vera Cruz, Zampari já
tinha, com o excepcional elenco de atores e diretores do TBC.
Com o apoio de Ciccilo, um importante passo foi
dado na questão logística, com a cessão de um enorme terreno que pertencia à
família Matarazzo, na cidade de São Bernardo do Campo, na região do ABC
paulista.
Ali funcionava uma granja que foi desativada e onde
se construiu então as instalações da Vera Cruz, com os galpões de set de
filmagem, salas de edição, oficinas de cenotécnica etc. etc.
Em novembro de 1949, estava sacramentada a ata
inaugural da Cia. Cinematográfica Vera Cruz e já em 1950, suas primeiras
produções estavam prontas : "Painel" e "Santuário", dois
documentários dirigidos por Lima Barreto.
E no mesmo ano, foi lançado o primeiro
longa-metragem, "Caiçara", dirigido pelo ator/diretor italiano,
Adolfo Celi, que também dirigia peças teatrais no TBC.
Zampari contratou técnicos franceses, italianos e
ingleses. Nos primeiros tempos, teve apoio decisivo de Alberto Cavalcanti,
diretor de documentários com carreira construída na Inglaterra, onde era muito
respeitado.
E todo o equipamento importado, era o que havia de melhor tecnologicamente naquela época.
E todo o equipamento importado, era o que havia de melhor tecnologicamente naquela época.
Logo em "Caiçara", a Vera Cruz mostrou o
que seria a sua marca registrada, com filmes tecnicamente sofisticados, buscando
superar o padrão de estúdios mais antigos como a Cinédia e Atlântida, onde o
rigor técnico não era tão valorizado.
Não economizando na ânsia de ter qualidade no
padrão de 1° mundo, Zampari passou a pagar salário fixo e altíssimo ao elenco
de atores, seguindo a tendência de estúdios norte-americanos e providenciando
também uma estrutura extra-set de filmagens, garantindo o glamour dos artistas
no imaginário do público, certamente seguindo o padrão yankee.
Outros êxitos de público e crítica sucederam-se :
"Angela", "Terra é Sempre Terra", "Apassionata",
"Veneno" ...
E eis que surge "Tico-Tico no Fubá",
cinebiografia do compositor Zequinha de Abreu, compositor da famosa música que
dá título ao filme. Seguindo a cartilha do cinema norte-americano, o filme é
cheio de recursos estilísticos típicos das cinebiografias de artistas da
música, como os americanos costumavam realizar.
Um grande sucesso, sem dúvida, com Anselmo Duarte e
Tônia Carrero como protagonistas.
A seguir, a Vera Cruz lança duas comédias incríveis,
revelando o talento de Amácio Mazzaropi, com "Sai da Frente" e
"Nadando em Dinheiro".
Outro grande sucesso, ambientado no Brasil
colonial, "Sinhá Moça", é lançado em 1953.
Numa produção frenética, em ritmo de produção
industrial (e era isso mesmo), lança no mesmo ano, "A Família
Lero-Lero", outra comédia.
"O Cangaceiro", de Lima Barreto, ganha
prêmios, prestígio entre os críticos e encanta o público.
"Uma Pulga na Balança" e "Esquina da
Ilusão", são mais duas comédias lançadas.
"Luz Apagada" é outro drama e uma curiosa
comédia dirigida por Ugo Lombardi (pai da atriz Bruna Lombardi), chamada
"É Proibido Beijar", causa um certo alvoroço pelo tema, ainda que
fosse uma comédia romântica.
"Na Senda do Crime", um filme policial
veio a seguir.
Então, mais uma comédia sensacional de Mazzaropi, chamada "Candinho" (particularmente, a minha predileta dessa fase dele na Vera Cruz).
Então, mais uma comédia sensacional de Mazzaropi, chamada "Candinho" (particularmente, a minha predileta dessa fase dele na Vera Cruz).
"Floradas na Serra" foi o único filme da
carreira de Cacilda Becker. Inacreditável que uma atriz daquele quilate não
tenha sido melhor aproveitada pelo cinema. Um grande filme, ambientado em
Campos do Jordão, com a estória girando em torno de pessoas internadas numa
clínica de recuperação para tuberculosos.
"São Paulo em Festa", foi o último
documentário, dirigido por Lima Barreto.
E os últimos longas, "Ravina", um
thriller psicológico e "Macumba na Alta", uma comédia.
Entrando num processo de profunda crise, a Vera
Cruz encerrou atividades em 1958.
Qual a razão de um estúdio desse porte, que
produzia um material de qualidade artística indiscutível e sucesso de público e
crítica, ter terminado dessa forma?
Segundo pessoas ligadas à Vera Cruz, o que a
prejudicou tremendamente foi o caótico acordo de distribuição, onde era refém
desse elo da corrente que não tinha autonomia, ganhava apenas 40% da renda das
bilheterias.
Zampari havia pensado em todos os detalhes, menos
nesse que era crucial para a continuidade financeira do estúdio, infelizmente.
Outro fator muito duro para a Vera Cruz, eram as
regras comerciais da época, pois o governo brasileiro pagava a diferença
cambial da defasagem entre o dólar oficial e o paralelo, para os estúdios
internacionais, fazendo com que os distribuidores/exibidores se desonerassem
desse resíduo, portanto preferindo sempre exibir filmes estrangeiros,
americanos sobretudo, em detrimento da produção nacional.
Sendo assim, não houve meio de continuar,
lamentavelmente para o cinema brasileiro.
Ficou o legado de grandes obras, com a parte
técnica de muita qualidade, grandes atores, técnicos, diretores e boas estórias.
* Luiz Antonio Domingues
(músico das bandas PEDRA,Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, Kim Kelh
e os Kurandeiros).
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