Escrito por Ives Gandra da Silva Martins
Pessoalmente,
entendo que é uma lei contrária à lógica e à razão
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A religião
católica apostólica romana tem a missa como centro de sua liturgia
Imagens da
Internet Fotoformatação: Pedro da Veiga
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Reza o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal que "é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".
É do conhecimento geral que a religião católica
apostólica romana tem a missa como centro de sua liturgia e, nesta, o momento
mais solene é o da consagração das espécies, em que, pela transubstanciação, o
pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo, sem alteração das
espécies.
O gesto de Cristo, na última Ceia antes do martírio
do julgamento, via crucis, calvário e cruz, é renovado há dois mil anos pelos
sacerdotes ordenados, que ingerem o vinho transubstanciado em pequena
quantidade.
O número reduzido de sacerdotes para o grande
número de fiéis leva muitos deles a "binarem" ou "trinarem"
(oficiam 2 ou 3 missas por dia) em lugares diversos, ingerindo, pois, em cada
consagração, uma pequena quantidade de vinho.
Ora, pela lei "politicamente correta" –
segundo a qual qualquer quantidade afetaria necessariamente as habilidades dos
motoristas – aprovadas com grande estardalhaço midiático, multas elevadíssimas
e até pena de prisão serão aplicadas aos motoristas que tenham consumido até
mesmo um bombom com licor, pois a tolerância é zero.
Ora, como os sacerdotes católicos não podem deixar
de rezar a missa diária e nem de atender os fiéis em diversas igrejas e lugares
para os ofícios – como ministrar extrema unção em hospitais, encomendar corpos
em velórios, além de sua pastoral normal – e não gozam das mordomias oficiais
dos agentes públicos de certo escalão, nos três Poderes (que se utilizam de
motoristas pagos pelo erário público), pois vivem com orçamentos limitados, são
obrigados a dirigir seus próprios carros no exercício de sua atividade
sacerdotal.
Ora, qualquer deles está sujeito, numa
"blitz", a ser multado e, na reincidência, preso, em fantástica
violação ao art. 5º, inciso VI da Constituição Federal, que proíbe qualquer
limitação ao culto das religiões, cujo livre exercício é assegurado, sendo
inviolável a liberdade de crença.
A lei de tolerância zero, que cerceia a liberdade
de culto – culto este que tem 2 mil anos no mundo inteiro e em todos os países,
até mesmo na maioria dos islâmicos – é, neste particular, manifestamente
inconstitucional, pois impede o exercício da atividade pastoral dos sacerdotes
católicos apostólicos romanos, proibindo-os de dirigir os seus próprios carros
para atender os fiéis nos casos em que sua presença se faz necessária, desde o
nascimento até a morte (batismo, casamento, extrema unção e encomenda de
corpo).
Assim, caso algum sacerdote seja multado ou preso
por exercer a sua atividade, poderá ser arguida a inconstitucionalidade
manifesta da lei, que representa o cerceamento de sua ação pastoral.
Em minha opinião, caberia, inclusive, uma ação
direta de inconstitucionalidade pela qual, conforme jurisprudência pacífica no
STF, a inconstitucionalidade seria decretada sem redução do texto legal, que seria
mantido, exceto nessa hipótese.
Pessoalmente, entendo que é uma lei contrária à
lógica e à razão. Deveria ela punir apenas aqueles que tivessem bebido
quantidade de álcool suficiente para afetar suas habilidades de motorista, e
não partir do pressuposto, absolutamente imbecil, de que qualquer gota de
álcool pode afetar tais habilidades. O problema é sempre o mesmo: as
autoridades querem se eximir de fiscalizar. Como dá mais trabalho verificar se
o condutor ingeriu a dosagem mínima que a lei admite, adotam a
"tolerância zero". Com isso, no Brasil, todos os que comerem um
bombom com licor tornam-se inabilitados para dirigir, porque têm, por ficção,
suas faculdades mentais afetadas. Ora, o "politicamente correto" não
pode excluir a razoabilidade, sob pena de se transformar em "estupidez
politicamente correta", que ficará no anedotário da história para as
futuras gerações.>Mídia Sem Máscara<
Ives
Gandra da Silva Martins é jurista e, entre outros títulos, professor emérito das Universidades Mackenzie
e Unip, das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército e Superior de Guerra
e membro nato do Conselho Superior da Associação Comercial de São Paulo.Publicado no Diário do Comércio.
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