Luiz Sérgio Person havia lançado o excepcional
"São Paulo S/A", que chamou a atenção da crítica e público cinéfilo
brasileiro de uma forma muito positiva.

Com "O Caso dos Irmãos Naves", Person conseguiu não só manter a excelente impressão causada com o trabalho anterior, como sedimentar a sua condição de cineasta de grande porte no panorama do cinema brasileiro. A história é chocante e o grande desafio de Person foi mostrar essa arbitrariedade, sem no entanto recorrer aos efeitos apelativos de um melodrama, tampouco fazer da obra, um panfleto meramente ideológico.

A história dos irmãos Naves é considerada como o
maior erro judiciário do Brasil. Portanto, uma história forte, com direito a um
festival de arbitrariedades cometidas . Sebastião e Joaquim Naves, eram dois
irmãos de uma família humilde de Araguari, Minas Gerais. Pequenos agricultores,
ganhavam a vida com muito trabalho árduo e poucos recursos.
Por volta de 1937, fizeram sociedade com um primo
de ambos, chamado Benedito Pereira Caetano. Infelizmente, Benedito não tinha
uma conduta reta como a de seus primos e graças à má administração do
investimento, envolveu-os numa dívida além de suas possibilidades de honrá-la.
Numa noite, sorrateiramente fugiu levando todo o dinheiro que os primos
dispunham e que serviria para amortizar a dívida.

Esse tenente, chamado Chico Vieira, era um homem truculento, arbitrário, sem nenhum pudor de abusar de seu poder e dando um novo rumo ao caso, cismou que os irmãos Naves mentiam e que haviam na verdade matado o primo deles, Benedito, para se apoderarem do dinheiro, sem pagar a dívida, num crime premeditado.
Com o poder nas mãos, prendeu os irmãos e passou a
torturá-los barbaramente, a fim de obter uma confissão mentirosa de ambos.
Sádico ao extremo, usou todo o seu repertório abjeto, tornando a vida dos irmãos, um inferno.
Sádico ao extremo, usou todo o seu repertório abjeto, tornando a vida dos irmãos, um inferno.

Mas era tarde demais para o tenente Chico, pois sabia que nesse processo que havia iniciado, não cabia reconhecer o erro e pedir desculpas depois de tantas torturas. Sendo assim, resolveu ir até o fim, levando-os ao estado de verdadeiros farrapos humanos, a fim de que assinassem e sua tese fosse comprovada, dando-lhe a moral, perante a sociedade local.


Não
satisfeito, prende as esposas de ambos e as estupra, agride e humilha-as.

É marcado um julgamento para 1938, onde o tenente passa por cima da Lei e fala mais que o promotor público, intimidando a todos no tribunal.
Com muito esforço, a família recorre ao advogado João Alamy Filho, que usa todas as provas e testemunhos possíveis, mesmo sendo também ameaçado.
Contudo, vivia-se um estado de exceção com a
ditadura Vargas e numa nova resolução, o veredicto é anulado, alegando-se que
inocência só poderia ser aceita sob unanimidade. Sendo assim, os irmãos Naves
são condenados a 25 anos e meio de prisão, cada um.

Sebastião todavia, passou a procurar indícios do
primo desaparecido, a fim de provar a sua inocência e de seu falecido irmão,
porém só em 1953, descobriu Benedito em Nova Ponte, também interior de Minas.
Alegando nunca ter sabido desse imbróglio todo, Benedito não esboçou vontade de
esclarecer nada, mas Sebastião levou a polícia até ele.
Num golpe fortuito do
destino, um acidente automobilístico ceifou a vida de Benedito quando se dirigia
à delegacia para esclarecimentos, mas estava caracterizada toda a farsa que
destruiu a vida dos irmãos Naves.


João Alamy Filho escreveu um livro revelando ao Brasil essa história aviltante e Person o adaptou ao cinema em 1967.
Juca de Oliveira interpretou Sebastião Naves e Raul Cortez interpretou Joaquim Naves. Lélia Abramo, fez Ana Naves, a mãe de ambos. E John Herbert, foi o advogado João Alamy Filho. O tenente Chico foi interpretado por Anselmo Duarte, com uma contundência impressionante.

Vivendo um período difícil, o Brasil também estava
sendo amordaçado e dessa forma, o filme de Person acaba ganhando essa conotação
metafórica com a situação política à época de seu lançamento. Isso remete à uma
questão : Como esse filme, com esse teor, passou pela ferrenha censura da época?
E indo além: De forma inacreditável, houve um
lançamento na TV ainda em 1967, num exemplo raríssimo de simultaneidade com as
salas de cinema, para os padrões dessa época. Portanto, cabe a estupefação,
pois como pode ter passado na TV, com aquelas cenas de tortura horríveis, perpetradas
arbitrariamente por uma autoridade policial? Bem, eu tinha apenas sete anos de
idade, assisti o filme na íntegra e mesmo diante de minha ingenuidade infantil,
fiquei fortemente impressionado. Com o estômago revirado, mas arrebatado pelo
filme, tornei-me fã do Person.
"O Caso dos Irmãos Naves" é um filme que
causa desconforto, não vou negar, mas trata-se de uma obra de uma contundência
tremenda.
Não dá para assistir na "sessão da tarde", comendo pipocas,
mas sim, precisando de clima e de um estado de espírito propício. Todavia,
recomendo-o com entusiasmo.
Person",
de Marina Person - trailer
"Person" é um
documentário sobre a vida e a obra do cineasta Luiz Sérgio Person. O
documentário traz a reconstituição da história do cineasta paulista através da
viagem pessoal de sua filha, Marina. Através de entrevistas com amigos,
familiares e pessoas que trabalharam com Person, ela busca descobrir algo mais
do que datas e dados biográficos.
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