Por João Bosco Leal
Entrei no elevador vazio, apertei a tecla oito e comecei a pensar na vida. Repentinamente teve inicio um filme, com duração provável de segundos, mas parecendo durar décadas, pois foi o que mostrou. Desde a infância feliz, com a vida bastante regrada, cheia de horários, obrigações, mas muitas diversões, até os dias atuais, já com vários e queridos netos.
Na época do grupo, depois chamado de primário e atualmente educação fundamental, todos meus irmãos corriam para se arrumar e tomar o café antes de irmos caminhando para a escola, próxima da casa. Nos intervalos das aulas ou no caminho de volta após seu término, era comum pararmos para, com nossas raras moedas, comprarmos um sorvete de gelo, conhecido como raspadinha, que nada mais era do que uma barra de gelo raspada com uma plaina de carpinteiro e o resultado – um farelo de gelo -, colocado em um copinho e coberto por líquidos com os mais diversos sabores artificiais.
O material escolar era organizadamente guardado logo que chegávamos em casa e após um rápido banho almoçávamos. Depois de um curto período de descanso já vinha o horário de estudos, quando fazíamos as tarefas de casa determinadas pelos professores. Mais um curto período de descanso e já nos dirigíamos, a pé, para outras atividades escolares ou de esportes que, de acordo com a idade e o sexo da criança, variavam entre as aulas de inglês, balé, violão, piano, judô e natação.
Só após novas aulas e a prática de algum esporte é que tínhamos nosso período livre para brincadeiras com os amigos e amigas, mas aqueles que por qualquer motivo estavam indo mal na escola, eram proibidos de brincar e enquanto os outros brincavam, eles frequentavam as aulas particulares de reforço escolar. Ir para o clube só era permitido depois das lições de casa concluídas e se aquele não fosse dia de outras aulas ou de alguma atividade esportiva.
As brincadeiras eram de bolinhas de gude, pega-pega, esconde-esconde, pular amarelinha, e quando já um pouco maiores, vinham os carrinhos re rolimã. Logo vieram os tradicionais bailes de debutantes, quando as famílias apresentavam para a sociedade local suas filhas que estavam completando quinze anos de idade. Virávamos escoteiros, bandeirantes ou lobinhos, quando nos ensinavam a vida em sociedade e atitudes básicas de sobrevivência em situações adversas. Desfilávamos nas fanfarras dos colégios e alguns davam início aí ao aprendizado para tocar um instrumento musical.
Nos fins de semana corríamos para sermos os primeiros a entrar nos cinemas, para assim podermos guardar lugares para os amigos, amigas ou paqueras. Em casa ligávamos a vitrola e treinávamos a dança dois pra lá e dois pra cá, o twist e o rock’n roll, para depois dançarmos nas brincadeiras dançantes dos clubes. Os pontos de encontro dos jovens nos fins de semana eram em alguma lanchonete, panificadora ou sorveteria, que as meninas frequentavam com os vestidos mais curtinhos e meias arrastão. Quando alguém conseguia, dali acompanhava uma delas até a porta de sua casa onde ficava conversando na calçada, até no máximo às dez horas da noite, quando sua mãe a mandava entrar.
As músicas da época eram lindíssimas e ainda são as que mais fazem sucesso. Os primeiros veículos que dirigíamos eram logo levados a uma rua que possuía uma queda repentina de altitude e quando por lá se passava um pouco mais aceleradamente, o carro literalmente voava, caindo mais adiante com seus passageiros sentindo um enorme frio na barriga. Muito magro e alto, usava cabelos longos e calças justas com boca de sino, o máximo para a época.
Vieram as dificuldades de todos na escolha das profissões futuras, as faculdades – onde as aulas eram assistidas de paletó e gravata -, os melhores e os piores cursos e aproveitamentos, as formaturas e as buscas por empregos ou algum tipo de remuneração profissional. Alguns fizeram melhores escolhas e começam a ser recompensados por isso. Outros não escolheram tão bem ou não se esforçaram nos aprendizados e logo percebem que pagarão caro por isso.
Começaram a ser traçados os futuros de sucesso e de fracasso, principalmente financeiros, mas independentemente das posições alcançadas ou não, hoje com poucos e já brancos cabelos, com muitas rugas e cicatrizes, estou mais livre, leve, solto para perceber que o dinheiro não pode ser nossa única busca e não é o responsável pela felicidade de muitas pessoas, mas só a maturidade me mostrou isso.
O elevador parou, a porta se abriu, o sonho acabou e a realidade voltou.
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