Hiram Reis e Silva, Manaus, AM, 18 de janeiro de 2012.
Em suma, podemos afirmar que, para o ruinoso fracasso da citada empresa, influíram os fatores seguintes: crise, má administração, excessivos gastos, inconcebíveis e imperdoáveis caprichos comerciais, além de um profundo desconhecimento das características psicológicas do meio em que se exerciam as suas atividades.
(J. de Mendonça Lima – Cônsul do Brasil em Guaiara Mirim, Bolívia)
- Administração da Madeira-Mamoré Railway
Os dois primeiros anos de operação (1912 e 1913) foram os de maior receita e maior saldo da Madeira-Mamoré Railway, a partir destes anos, porém, as receitas acompanharam a queda do preço da borracha. Os anos de 1914 e 1918, o período de 1921 a 1924 foram igualmente deficitários para a empresa. Acompanhando o “crack” da Bolsa de Nova York, de 1929, a empresa entrou em sérias dificuldades que a levaram a solicitar à União a interrupção do tráfego.
| Receita | Saldo | Déficit |
Ano | (Contos de Réis) | ||
1912 | 4.656 | 3.188 |
|
1913 | 4.995 | 5.562 |
|
1914 | 2.724 |
| 209 |
1915 | 2.767 | 732 |
|
... | ... | ... | ... |
1922 | 1.443 |
| 821 |
... | ... | ... | ... |
1925 | 4.373 | 1.557 |
|
... | ... | ... | ... |
1929 | 1.990 |
| 156 |
1930 | 1.556 |
| 541 |
O advogado e representante da empresa, Dr. Ricardo Xavier da Silveira, no dia 25.06.1931, entrou com uma petição declarando que a empresa estava disposta a interromper o tráfego e solicitava que a Justiça citasse a União para receber o acervo da ferrovia. À meia-noite, do dia 30.06.1931, a Madeira Mamoré Railway suspendeu o tráfego da Ferrovia.
No dia 03.07.1931, o Procurador Geral da República Dr. Carlos Olyntho Braga comparece em juízo, e apresenta a contestação do Governo Federal afirmando que este se opunha à entrega da Estrada.
- Administração do Governo Federal
No dia 10.07.1931, o Chefe do Governo Provisório, através do Decreto n° 20.200, determinou o restabelecimento do tráfego da Ferrovia. O Decreto afirmava que o tráfego seria restabelecido por conta da empresa arrendatária, com recursos provenientes da própria receita e caso estes não fossem suficientes seriam computados como débito da Railway. É interessante ressaltar que o decreto não menciona que conforme o estabelecido no contrato de arrendamento, de 1909, o Governo teria “o direito de impor uma multa por dia de interrupção igual à renda líquida do mesmo dia no ano anterior ao da interrupção”. Esta omissão era proposital já que no ano anterior, 1930, a receita tinha sido de 1.556 com um déficit de 541 contos de réis, não havendo, portanto, nenhuma multa a cobrar da companhia.
| Receita | Saldo | Déficit |
Ano | (Contos de Réis) | ||
1932 | 1.008 |
| 257 |
... | ... | ... | ... |
1936 | 2.138 | 155 |
|
1937 | 2.615 | 245 |
|
... | ... | ... | ... |
1939 | 2.496 |
| 803 |
... | ... | ... | ... |
1944 | 5.755 |
| 1.188 |
... | ... | ... | ... |
1951 | 5.358 |
| 15.147 |
1952 | 7.261 |
| 21.780 |
1953 | 6.849 |
| 29.779 |
1954 | 7.087 |
| 40.845 |
1955 | 6.772 |
| 52.887 |
1956 | 8.778 |
| 83.341 |
No dia 06.07.1934, o Governo Federal assinou o Decreto n° 24.596 autorizando a rescisão amigável do contrato de arrendamento com a Railway. No dia 05.04.1937, o Decreto n° 1.547 declarou rescindido o contrato de 1909.
- Decreto n° 1.547
Condições a que se refere o Decreto n° 1.547, de 5 de abril de 1937.
I - Como indenização pela rescisão do contrato aprovado pelo Decreto n° 7.344, de 25 de fevereiro de 1909, o Governo Federal pagará à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. a quantia de 17.514:198$000.
II - O Governo Federal restituirá à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. a caução, no valor nominal de 500:000$000 depositada no Tesouro nacional.
III - Para efeitos do recebimento do acervo da Estrada, que estava arrendada à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd., a rescisão do contrato será tida por verificada em 10 de julho de 1931, considerando-se iniciada na mesma data a administração da Estrada por conta do Governo Federal.
IV - (...) A Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. desiste de toda e qualquer reclamação, por fatos ou atos praticados pelo Governo Federal em relação aos contratos de construção, arrendamento e outros, bem como da reclamação para se cobrar de prejuízos sofridos com o afundamento do pontão Guaporé. Por sua vez, o Governo Federal desiste de qualquer penalidade imposta à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, com fundamento no contrato.
O Governo Federal tomava posse, definitivamente, de uma Ferrovia que na verdade era de sua propriedade.
- Relatório do Superintendente da Ferrovia (1946)
No final do ano de 1946, o engenheiro Joaquim de Araújo Lima, superintendente da Ferrovia envia ao Governo Federal um relatório no qual ele aponta uma série de problemas enfrentados pela sua administração e apresenta um Programa, orçado em Cr$ 42.000.000,00, que visava modernizar e melhorar a eficiência da Estrada, as condições de trabalho e assistência aos trabalhadores:
A Madeira-Mamoré, não obteve recursos especiais, em 1946, para melhorar os seus serviços, em virtude da compressão geral de despesas adotadas pelo Governo da União. (...) É angustiosa a falta de braços ao longo da linha férrea, e a instabilidade dos trabalhadores que são admitidos ao serviço da ferrovia deve-se, em grande parte, ao estado sanitário da região agravado pela deficiência alimentar, e pelo desconforto absoluto existente nas precárias e anti-higiênicas barracas de palha onde moram os ferroviários.
Tendo reunido, com enorme sacrifício, cerca de 50 homens para a extração de dormentes, intensificando assim a produção dos mesmos na expectativa de receber numerário suficiente para atender ao pagamento correspondente, teve a Superintendência da Estrada que suspender, constrangida, a produção de dormentes sem os quais não poderá atender à sua linha que se encontra em deplorável estado. Sem uma linha firme e correta, não há material rodante que resista.
A omissão e a péssima administração do Governo Federal, os déficits sucessivos, a insalubridade, as intempéries e o processo inflacionário culminaram, por fim, com a inviabilização econômica da Ferrovia. A função da ferrovia deve ser, hoje, reavaliada, se, por um lado, ela não foi viável economicamente, sob o ponto de vista da nacionalidade ela teve influência capital. O desenvolvimento e o progresso acompanharam o lançamento de cada dormentes, o Estado começou a se fazer presente em regiões antes esquecidas e os brasileiros de todas as querências volveram os olhos para esta terra da promissão, prenhe de desafios e seara de tantos heróis.
A Amazônia ainda requer atenção especial das autoridades, não devem eles, em nome de preceitos ambientalistas radicais, estancar o progresso, inviabilizando ou dificultando a permanência humana na região. O Governo Federal, finalmente, reconhece a necessidade da construção das hidrelétricas, mas, infelizmente, adia a construção das eclusas que viabilizariam o transporte fluvial nessa imensa terra das águas. O último capítulo da história da Ferrovia do Diabo só será escrito no momento em que as eclusas das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estiverem funcionando. Um sonho de mais de século e meio que um dia se concretizará.
- Livro
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.
Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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