domingo, 13 de janeiro de 2013
CRUZEIRO DO SUL/IPIXUNA
Hiram Reis e
Silva, Ipixuna, AM, 08 de janeiro de 2013.
- Partida para o Extremo da Boa Fé (05.01.2012)
Nossa partida de Cruzeiro do Sul foi adiada tendo
em vista o feriadão da passagem do ano que retardou as medidas administrativas
necessárias a enfrentar os 2.745 km que nos separavam da 16º Brigada de
Infantaria de Selva – a Brigada das Missões, comandada pelo General Paulo
Sérgio, onde poderíamos contar, novamente, com o apoio do Exército
Brasileiro.
Partimos às 06h30 (hora oficial do Acre) com a
ideia de percorrer os 260 km que nos separavam de Ipixuna em quatro dias, uma
média de 65 km/dia que poderia ser alcançada, confortavelmente, com sete horas
de remo diárias. Aqui no Amazonas, como no Acre, os ribeirinhos ainda não
adotaram a mudança de horário decretada pelo governo, e ainda consideram uma
hora a menos que o horário oficial como pudemos verificar na Comunidade de
Porungaba/AC. Como impor um horário oficial a um povo cujo trabalho está ligado
diretamente às leis da natureza?
Quando ultrapassamos o limite entre o Estado do
Acre e do Amazonas o relógio do celular, automaticamente, alterou o horário e
mais uma vez verificamos a incoerência de se adotar o mesmo fuso horário para
um Estado Continental como este. Aqui os ribeirinhos, também, continuavam com o
chamado “horário velho”.
O dia transcorreu sem grandes alterações, continuei
marcando a localização e o número de famílias das Comunidades e não avistamos,
neste dia, nenhum afluente do Juruá. Os pequenos e graciosos botos tucuxis
apareceram diversas vezes e pareciam mais preocupados em demonstrar suas
habilidades acrobáticas do que realmente pescar. Por volta das doze horas
solicitei ao Soldado Mário que nos ultrapassasse e procurasse alguma comunidade
que possuísse uma escolinha onde pudéssemos acampar com certo conforto. Eu e o
Marçal estávamos preparados para remar por mais umas duas horas, mas o Mário
aportou em uma pequena Comunidade à frente onde conseguiu autorização da esposa
do Sr. Expedito Braz da Conceição para que acantonássemos na escolinha da
pequena Comunidade Extremo da Boa Fé. Havíamos remado 80 km neste dia.
A quantidade de piuns era impressionante, depois de
tomar banho no Rio, entrei para barraca, montada na sala de aula da Comunidade
e dei início à digitação dos dados coletados. Os piuns, para os quais não
existe qualquer tipo de repelente nativo ou industrializado, me atormentavam.
Os pequeninos insetos passavam pela tela da barraca como se ela não existisse.
A noite foi relativamente tranquila, exceto pelos
grunhidos dos porcos que tinham se abrigado da chuva sob o piso da escolinha e
passaram a noite inteira grunhindo e por vezes brigando.
- Partida para a Comunidade Boca do Campina (06.01.2012)
Remamos pouco menos de 20 km e chegamos ao chamado
por alguns ribeirinhos de “Paraná Boa Fé”, que na verdade é um Rio, pois
suas águas não ligam o Juruá a qualquer outro Rio como seria o destino de um
verdadeiro Paraná.
Continuando nossa expedição abordamos o Estirão do
Ipixuna, que se inicia desde a foz de um pequeno Igarapé que leva o mesmo nome
do Estirão e que é conhecido por alguns ribeirinhos como Igarapé do Cagão
(coordenadas da foz –07º14’03,7”S / 72º18’14,3”O). É, sem dúvida, até então, o
trecho em que o Juruá é menos sinuoso, apenas nove curvas importantes, se
estendendo por uns 30 km até as coordenadas 07º12’44,2”S / 72º07’03,2”O. Eu
havia solicitado que o Mário marcasse algumas Comunidades para que pudesse
confrontar os dados mais tarde com os meus e, graças a isso, ele só conseguiu
nos alcançar nas proximidades da Comunidade da Boca do Campina, à margem
direita do Juruá e do Igarapé Campina que faz a divisa dos municípios de
Guajará e de Ipixuna. Havíamos remado 85 km neste dia.
Após contato com o professor Raimundo Nonato
Andriola, da Escolinha Sólon Melo, conseguimos autorização para acantonar na
mesma. Antes de ocuparmos a escolinha o professor determinou às filhas e
sobrinha que fizessem uma faxina na mesma. A esposa do professor, Maria Gesilda
Saturnino da Costa, agente de saúde da Comunidade, permitiu que o Marçal
preparasse o nosso almoço na sua cozinha e mais tarde fizeram uma festa
surpresa, em comemoração ao meu aniversário, com direito a bolo e refrigerante.
O professor e sua família foram por demais prestativos e nos proporcionaram
toda atenção possível.
Passeamos eu e o professor, pela Comunidade e, mais
de uma vez ouvi as reclamações dos ribeirinhos em relação às restrições do
pessoal ligado ao meio-ambiente que acabam provocando a evasão dos mesmos em
direção aos grandes centros. Como se já não bastassem as precárias condições de
vida que lhes inflige o meio extremamente hostil, lhes são impostas restrições
de toda a ordem que impedem as comunidades de alcançar uma vida mais digna e
com mais segurança. Nesta Comunidade existe um enorme Jacaré-açu que volta e
meia lhes subtrai animais domésticos criados com tanta dificuldade. Na época da
alagação, as águas permitem que este animal transite com liberdade pela
Comunidade e sob as casas criando um clima de terror entre seus membros. O
trânsito entre as residências é feito através de um terreno encharcado que
poderia ser melhorado através de passarelas, mas seria necessário usar a
madeira da mata vizinha e aí entram os talibãs verdes impedindo ou dificultando
providências desta espécie. O professor estava de prontidão na hora de nossa
despedida e partimos guardando em nossos corações, mais uma vez, o carinho e a
consideração do povo das águas.
- Partida para a Ipixuna (07.01.2012)
Partimos logo ao alvorecer tendo como objetivo
aportar em Ipixuna, a 95 km de distância. Graças ao bom Deus a chuva intensa
que caiu durante a noite arrefeceu a canícula amazônica e depois de pouco mais
de hora de remo experimentamos uma chuvinha fina e agradável que refrescava
nossos corpos atenuando em muito nosso esforço.
Demarcamos a Foz principal do Riozinho da Liberdade
(07º10’51”S / 71º48’42”) e uma Foz mais a montante (07º11’21”S / 71º50’04,2”),
que na época da alagação gera uma segunda Boca. Confirmamos essa nossa
interpretação, baseada na fotografia aérea do Google Earth, de 31.12.1969, e de
nossa observação do terreno, baseada no relevo e vegetação e confirmamos nossas
expectativas com moradores locais.
Há pouco mais de 30 km de Ipixuna, nas proximidades
da Comunidade Nova Esperança, identificamos um Furo (07º08’32,5”S /
71º47’30,8”O). O tumultuário Rio eliminara, mais uma vez, um de seus inúmeros
laços abreviando seu traçado. Na chegada a Ipixuna tentamos, sem sucesso, pedir
apoio à expedição contatando com as autoridades Policiais Militares através da
central de Manaus. Esta é minha quinta incursão pelos amazônicos caudais de
modo que, lembrando de minha primeira expedição, pelo Solimões, pedi ao Sd
Mário que solicitasse a um moto-táxi que avisasse de nossa presença no porto da
cidade.
Mais uma vez, nossos amigos da Polícia Militar,
desta feita representados pelo 1º Tenente Rodney Barros Ferreira, nos apoiaram
incansavelmente. O Tenente nos colocou em contato com o representante do
empresário Abraão Cândido, que conhecêramos em Manaus, com a finalidade de
aportar as embarcações e guardar nossos pertences.
Depois de descarregarmos o material da lancha o
Tenente nos levou até o restaurante da simpática acreana, Sra. Consuelo, que
havia preparado uma saborosa refeição para os exaustos navegantes. O prestativo
policial providenciou acomodações em um hotel e nos indicou aonde fazer as
refeições. Graças ao novo amigo da PM do Estado do Amazonas conseguimos
fortalecer nossos corpos antes de partirmos para uma jornada maior de 570 km
até Eirunepé.
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS –
PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para
visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de
Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS); Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
Blog: http://www.desafiandooriomar.blogspot.com
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