segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
EIRUNEPÉ - ITAMARATI
Antes de iniciar este artigo queremos direcionar
nossas preces a todos familiares e amigos dos envolvidos direta ou
indiretamente no trágico incêndio de uma boate em Santa Maria, RS, e, em
especial, pelo pronto restabelecimento de nossos diletos ex-alunos do Colégio
Militar de Porto Alegre Guilherme e Emanuel. Que o Grande Arquiteto do Universo
fortaleça, ilumine e guarde a querida família de nosso grande amigo, parceiro
de épicas jornadas pela Laguna dos Patos, Comandante Coronel PM Pastl e sua
dileta esposa Dona Ana Claci.
Eirunepé - Comunidade Aquidabã, 72 km (21.01.2013)
Antes das 5h30, eu e o Marçal nos deslocamos até o
Posto da Polícia Militar para preparar os caiaques para a nova jornada enquanto
o Mário aguardava, no Hotel Líder, a viatura da PM para carregar o material
para a lancha de apoio. Os policiais só estavam aguardando a hora combinada
para iniciar a operação e avisar o Tenente Ricardo que foi pessoalmente se
despedir dos expedicionários. Levamos os caiaques para a escadaria da orla,
enquanto o Mario foi conduzido na camionete da PM até onde estava aportada a
lancha. O Mário, depois de deixar pronta a embarcação para a nova jornada
aportou a “Mirandinha” na orla e concluímos os preparativos. Antes de
partirmos o Tenente PM Ricardo recomendou que, em Itamarati, procurássemos o
Sargento PM Barbosa. Despedimo-nos dos prestativos amigos da Polícia Militar,
sempre prontos a nos auxiliar nestas amazônicas missões.
Uma chuvinha fina nos acompanhou durante todo o
percurso arrefecendo salutarmente nossos corpos. Passamos pela Foz do Tarauacá
e sentimos nossos caiaques melhorarem seu desempenho graças à energia adicional
deste magnífico tributário do Juruá. A navegação continuou sem grandes
novidades exceto pela passagem das barulhentas araras, das magníficas garças
surfistas equilibrando-se graciosamente nos troncos levados pela torrente e do
coral de guaribas que nos acompanhou durante todo o dia. Pena que a caça
indiscriminada destes macacos cantores os tenha afastado das margens do Juruá
em todo o Acre e, no Norte do Amazonas, nos municípios de Guajará e Ipixúna.
Confirmamos, na Comunidade Pau D’alho a localização
de Aquidabã, nosso destino, e, novamente, na Comunidade Morada Nova. Nesta
última uma das moradoras alertou-nos que o casarão era mal-assombrado e
recomendou que procurássemos abrigo em outro local. Por volta das 12h40,
avistamos, no alto de um morro, o grande e majestoso casarão de madeira. A
dificuldade consistia em carregar nossas tralhas até ele pela trilha íngreme e
escorregadia, mas resolvemos acantonar por ali mesmo já que nestes “ermos
sem fim” as opções de encontrarmos abrigo noutro local antes de escurecer
eram pequenas. Ajudei os guerreiros Mário e Marçal a carregar a primeira leva
do material e permaneci no casarão para fazer uma limpeza sumária varrendo a
casa com uma vassoura improvisada de cacho de açaí.
A quantidade de grandes aranhas, morcegos e penas
de urubu cuidadosamente unidas com uma fibra negra espalhadas pelos quatro
cantos da morada emprestavam um sinistro ar ao abrigo. O Mário não se abalou e
foi para um canto da varanda pedir autorização para o guardião espiritual do
local, se o procedimento foi necessário e se surtiu o efeito desejado ou não
jamais o saberemos o fato é que passamos uma noite bastante agradável neste
belo casarão abandonado que possui de seu avarandado uma belíssima vista para o
Rio.
A construção de madeira de lei, os detalhes das
amplas aberturas (janelas e portas) sextavadas e a perfeição da construção das
tesouras que suportam o telhado de telhas de barro mostravam a qualidade
técnica e material de uma residência que foi construída com muito esmero. Nos
mapas do DNIT a Comunidade consta como ativa embora esteja abandonada há anos.
Colhemos, para a viagem, no variado pomar algumas goiabas, açaís, limas e
graviolas.
Comunidade Aquidabã – Jacaré, 83 km (22.01.2013)
Quando acordei, por volta das seis horas, meus
fiéis parceiros já estavam ultimando os preparativos da “Mirandinha”. A
chuva que se iniciara na véspera de nossa partida só havia dado uma pequena
trégua quando já havíamos carregado todas as tralhas para o casarão e eu me
preparava para colher a água numa calha improvisada para um banho restaurador
sem ter de escalar a íngreme e enlameada encosta até o Rio – artimanhas de São
Pedro. A chuva parece servir de estimulo aos macacos cantores e o coral de
guaribas ecoava de uma e de outra margem, como se grupos rivais estivessem
disputando o prêmio de um melhor arranjo e harmonia. O mapa do DNIT nos
indicava a Comunidade Jacaré como a melhor alternativa para nossa próxima
progressão em relação à distância e ao fato de a mesma possuir uma escolinha
onde poderíamos acampar sem incomodar os amigos ribeirinhos, opção que foi
confirmada em mais de uma oportunidade nas Comunidades pelas quais passamos.
Na Comunidade Jacaré o Sr. Antônio Francisco Santos
Guimarães prontamente autorizou acantonarmos na escolinha. Descarregamos a
tralha e o Mário, imediatamente, iniciou a montagem da barraca. Após um
revigorante banho de Rio eu fui atualizar os dados obtidos no trajeto, dentro
da barraca protegido dos terríveis piuns, o Marçal foi preparar nosso “almojanta”
e o Mário, nosso homem da Comunicação Social, parlamentar com nossos
anfitriões. Depois da refeição fomos até a casa do Sr. Antônio Francisco
conversar um pouco, nesta ocasião ele disse que nós não devíamos nos preocupar
tanto com o fato da Comunidade selecionada ter ou não escola porque ninguém nas
barrancas do Juruá deixaria de oferecer abrigo aos navegantes. Verificaríamos,
mais tarde, no decorrer de nossa viagem que o hospitaleiro ribeirinho estava
com toda a razão.
Comunidade Jacaré – Praia Alta, 56 km (23.01.2013)
A chuva persistia e só parou quando nos aproximamos
de nosso destino. Os botos continuavam nos acompanhando como de costume. Os
tucuxis realizavam audaciosas acrobacias enquanto os vermelhos pareciam se
divertir soltando seus bufos ou emergindo muito próximos aos caiaques. Pena que
o ruído irritante das rabetas, que de tempos em tempos passavam, interrompesse
repentinamente estes idílicos momentos. Pretendíamos estacionar na Comunidade
Soledade, mas fomos informados na Comunidade “Praia Alta” localizada a
500 metros a montante dela que a mesma não mais existia. O Mário estabeleceu os
contatos necessários e imediatamente os ribeirinhos se mobilizaram para deixar
a escolinha em condições de nos receber.
A Comunidade está localizada, praticamente, na
fronteira do Município de Eirunepé e Itamarati. A passarela de madeira precisa
de reparos imediatos, pois as tábuas soltas já provocaram alguns acidentes.
Tomamos banho no Igarapé Preto, pois as águas contaminadas do entorno não eram,
absolutamente próprias para o banho, depois seguimos nossa espartana rotina.
Comunidade Praia Alta – Gaviãozinho, 95 km
(24.01.2013)
O dia amanheceu claro e sem nuvens prenunciando uma
canícula que incrementaria uma maior dificuldade a um trajeto bastante longo
(120 km). Os moradores haviam nos avisado da existência de um furo à pequena
distância da Comunidade. Resolvemos aproveitar o atalho enquanto o Mário
percorreria o caminho normal para georeferenciar a Comunidade que ali existia.
Percorremos com cautela a margem direita tentando vislumbrar o Furo do
Gaviãozinho. Embora tivéssemos confirmado com um ribeirinho, que navegava nas
proximidades, a localização do Furo mesmo assim passamos por ele sem notá-lo. O
amável ribeirinho verificando que ultrapassáramos a entrada do Furo foi até nós
e nos rebocou com sua canoa até a boca do atalho. Havia uma grande quantidade
de toras de madeira bloqueando e camuflando seu acesso, por isso ele passara
despercebido. Acelerei o caiaque e investi sobre a entrada, acabei ficando
preso sobre as toras, mas com algum esforço me liberei e entrei no furo, o
Marçal procedeu de maneira idêntica. As Comunidades de Veneza e Gaviãozinho
fazem a manutenção do furo que mais parece um jardim de tão bem cuidado, livre
de qualquer tipo de entulho e roçado em ambas as margens, dentro em breve será
mais um Arrombado a encurtar distâncias para todo tipo de embarcação neste
tumultuário Juruá, que se modifica constantemente pela ação de suas próprias
águas, mas que tem, sem sombra de dúvida como agente catalisador os ribeirinhos.
Mais adiante encontramos o Arrombado Cubiu
(06º27’31,0”S / 68º34’54,9”O), moldado pela cheia de 2005, e o Arrombado Valter
Buri (06º28’06,5”S / 68º28’34,3”O), criado pela cheia de 2009. Graças a esses
providenciais atalhos conseguimos chegar, com tranquilidade, à Comunidade
Cantagalo, uma Comunidade bem instalada na Terra-firme. O Mário estava
realizando os devidos contatos quando lá chegamos de maneira que estacionamos
os caiaques junto a uma embarcação da Fundação Nacional da Saúde (FNS).
Após o Mário ter confirmado onde ficaríamos
acantonados puxamos os caiaques para terra. Como de rotina cuidamos, antes de
tudo, de nossos caiaques, limpando e retirando a água e depois começamos a
levar a tralha para a casa dos professores. Entrei na casa coloquei o material
em um dos quartos e quando voltei para ajudar a carregar o resto do material
verifiquei, surpreso, que o Sr. Antônio Cavalcanti de Souza e seus filhos
Elisson, Dione, Nunes e Cláudio já o haviam trazido, inclusive os pesados
corotes de 50 litros de combustível. Desde que iniciei minhas descidas pelos
imensos caudais amazônicos eu só presenciara tamanha solicitude em uma
comunidade indígena chamada Prosperidade, da etnia Kokama, quando lá aportei em
14 de dezembro de 2008.
O pessoal da FNS estava presente na Comunidade
coletando sangue e fazendo sua análise já que três membros da comunidade tinham
sido contaminados com o vírus da malária. À noite, toda a área foi pulverizada
com o conhecido “fumacê” para combater o vetor da doença, o mosquito
anófeles.
Um dos membros da equipe da FNS apontou a falta de equipamentos e
pessoal como um dos grandes empecilhos para que se combata com mais efetividade
as endemias. Nas áreas indígenas este combate se torna ainda mais difícil, pois
os mesmos raramente seguem o tratamento até o fim, além do que sua alta
mobilidade dificulta ou até mesmo impossibilita o acompanhamento dos nativos
infectados pelos vírus que acabam servindo de vetores da doença transportando-a
para outras Comunidades.
A região do Cantagalo é bem agradável e se pode
percorrer a Comunidade sem ficar pisando na mistura de lama e dejetos como nas
Comunidades dos Municípios de Guajará, Ipixúna e Eirunepé. A maioria das
Comunidades do Município de Itamarati está assentada em terra firme o que
contribui para uma maior salubridade e consequentemente melhor estado de saúde
e humor de seus concidadãos.
Esperando um sono reparador deitei-me cedo. Na
noite anterior os porcos não permitiram isso, desta feita foram os galos,
talvez venha daí o nome da Comunidade Cantagalo. Os galináceos assíncronos
passaram a noite inteira cantando como se o dia já estivesse raiando. Foi mais
uma noite difícil e nada reparadora.
Comunidade Canta-galo – Itamarati, 63 km
(26.01.2013)
Acordamos mais tarde (6h30), o curto percurso de
sessenta e poucos quilômetros poderia ser vencido em seis horas sem grande
esforço e precisávamos descansar. O dia amanheceu claro e com muitas nuvens,
marcamos as poucas Comunidades que nos separavam de Itamarati, todas em terra
firme. Nas proximidades de Itamarati avistamos os grandes morros que a
caracterizam e aportamos nas instalações portuárias construídas pelo DNIT por
volta das treze horas. Contatamos o Sgt PM Barbosa e este com a cortesia que
caracteriza nossos amigos das Polícias Militares encaminhou-nos até a Pousada
Itamarati de propriedade da Sra. Francisca Cristina Pinheiro de França e do Sr.
Manuel Raimundo Medeiros Campelo, irmão do Prefeito da cidade.
Expedição Belarmino Mendonça
Mais uma vez apelamos a nossos investidores para
que continuem colaborando, cada um dentro de suas posses, para que possamos
cumprir a meta de chegar a Manaus. Aqueles que ainda não conhecem nosso projeto
peço que visitem o Blog: http://www.desafiandooriomar.blogspot.com
Investimento em Soberania
Conta Bancária de Hiram Reis e Silva
Banco do Brasil (001) - Agência: 4848 - 8
Conta Corrente: 117 889 - X
CPF: 415 408 917-04
Endereço: Rua Dona Eugênia, 1227
CEP 90630-150 - Porto Alegre - RS
Telefone: (51) 9234 2378
E-mail: hiramrs@terra.com.br
Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS
– PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para
visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS); Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional.
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