segunda-feira, 29 de setembro de 2008

OS POMBOS DE JESUS

Um pombo tinto de sangue

Vem pousar no meu jardim

Eu pergunto ao pombo em

sangue

..Por que sangras assim?

''''

..Vi pisando um chão de brasas

Um homem sob uma cruz

Cobri-o com minhas asas

Este sangue é de Jesus

''''

Uma andorinha na trave

Vem pousar no meu beiral

E eu lhe pergunto; porque ave

Trazes no bico um coral?

''''

Não é coral, o rosado

Que no meu bico reluz

É um triste espinho arrancado

Da coroa de Jesus

''''

E os homens almas daninhas

Vivem matando que horror

Os pombos e as andorinhas

De Jesus Nosso Senhor

Autor: desconhecido

100 anos sem MACHADO DE ASSIS

1908 - Publica o Memorial de Aires (romance). Entra, a 1 de junho, em licença para tratamento de saúde. Na madrugada de 29 de setembro, as 3 h. 20 m, morre em sua casa, a Rua Cosme Velho, 18; é enterrado, segundo determinação sua, na sepultura de Carolina, jazigo perpétuo 1359, Cemitério de São João Batista.

domingo, 28 de setembro de 2008

A CARTA DA TERRA

A CARTA DA TERRA

A terra é o nosso lar e o lar de todos os seres vivos. A própria Terra está viva, fazemos parte de um universo em evolução. Os seres vivos são membros de uma comunidade de vida interdependente dotada de uma diversidade magnífica de formas de vida e de culturas. Sentimo-nos humildes ante a beleza da Terra e compartilhamos da reverência à vida e às fontes do nosso ser. Damos graças pela herança que recebemos das gerações passadas e abraçamos nossas responsabilidades para com as gerações presentes e futuras.

A comunidade da Terra vive um momento de definição. A biosfera é governada por leis que desprezamos a nosso risco. Os seres humanos adquiriram a capacidade de alterar radicalmente o meio ambiente e os processos de evolução. O tecido da vida e os alicerces da segurança local e global são ameaçados pela falta de visão e pelo mau uso do conhecimento e do poder. Há muita violência, pobreza e sofrimento em nosso mundo. Uma mudança fundamental em nossa rota se faz necessária.

A escolha está diante de nós: cuidar da Terra ou participar de nossa auto-destruição e da destruição da diversidade da vida. É preciso reinventar a civilização industrial tecnológica e encontrar novas formas de equilíbrio entre o indivíduo e a comunidade, o ter e o ser, a diversidade e a unidade, o curto prazo e o longo prazo, o gastar e o nutrir.

Em meio a toda nossa diversidade, somos uma humanidade e uma família Terra com um destino comum. Os desafios que defrontamos impõem uma visão ética abrangente. É imperioso forjar parcerias e promover a cooperação nos níveis local, bioregional, nacional e internacional.

De forma solidária entre todos e com a comunidade de vida, nós, os povos do mundo, ao abraçarmos os valores desta Carta, poderemos formar uma família de culturas que permita o pleno desenvolvimento do potencial de todas as pessoas em harmonia com a comunidade da Terra. Temos de manter viva a fé nas possibilidades do espírito humano e um profundo senso de pertencimento ao Universo. Nossas melhores ações hão de concretizar a integração do conhecimento com a bondade.

Princípios

RESPEITAR a Terra e toda vida. A Terra, toda formada de vida e todos os seres vivos possuem um valor intrínseco e têm direito ao respeito, sem levar em conta seu valor utilitário para a humanidade.

CUIDAR da Terra, protegendo e restaurando a diversidade, a integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta. Onde houver risco de dano grave ou irreversível ao meio ambiente, uma ação preventiva deve ser adotada a fim de evitar prejuízo.

VIVER de modo sustentável, promovendo e adotando formas de consumo, produção e reprodução que respeitem e salvaguardem os direitos humanos e a capacidade regeneradora da Terra.

INSTITUIR justiça e defender, sem discriminação, o direito de todas as pessoas à vida, à liberdade e à segurança pessoal, dentro de um meio ambiente adequado para a saúde e bem-estar espiritual. As pessoas têm direito à água potável, ar puro, solo não contaminado e à segurança alimentar.

COMPARTILHAR eqüitativamente os benefícios do uso dos recursos naturais e de um meio ambiente saudável entre as nações, entre ricos e pobres, homens e mulheres, e gerações presentes e futuras, internalizando todos os custos ambientais, sociais e econômicos.

PROMOVER o desenvolvimento social e sistemas financeiros que criem e mantenham meios sustentáveis de subsistência, erradiquem a pobreza e fortaleçam as comunidades locais.

PRATICAR a não-violência, reconhecendo que a paz é o todo criado por relações harmônicas e equilibradas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras formas de vida e com a Terra.

FORTALECER processos que capacitem as pessoas a participar efetivamente no processo decisório e que assegurem a transparência e o dever da prestação de contas no exercício do governo e na administração de todos os setores da sociedade.

REAFIRMAR que, às populações nativas e tribais, cabe um papel vital no cuidado e proteção da Mãe Terra. Elas têm direito a preservar sua espiritualidade, seus conhecimentos, terras, territórios e recursos.

AFIRMAR que a igualdade de gênero é um requisito do desenvolvimento sustentável.

ASSEGURAR o direito à saúde sexual e reprodutiva, com preocupação especial para com as mulheres adultas e jovens.

PROMOVER a participação dos jovens, na qualidade de agentes responsáveis de mudança, visando à sustentabilidade local, biorregional e global.

FAZER avançar e aplicar o conhecimento científico e de outras naturezas, bem como tecnologias, que promovam meios de vida sustentáveis e protejam o meio ambiente.

ASSEGURAR que todas as pessoas tenham, ao longo de sua existência, oportunidades de adquirir o conhecimento, os valores e as habilidades práticas necessárias para criar comunidades sustentáveis.

TRATAR todas as criaturas com bondade e protegê-las da crueldade e do aniquilamento arbitrário.

NÃO fazer ao ambiente dos outros o que não queremos que façam ao nosso.

PROTEGER e restaurar áreas de extraordinário valor ecológico, cultural, estético, espiritual e científico.

CULTIVAR e praticar um sentimento de responsabilidade compartilhada pelo bem-estar da comunidade da Terra. Toda pessoa, instituição e governo tem o dever de promover metas indivisíveis de justiça para todos, sustentabilidade, paz mundial, respeito e cuidado para com a comunidade de vida mais ampla.

* Texto extraído do Jornal Estado Ecológico, Edição: Toda Lua Cheia, número 48, de 24/03/98.

sábado, 27 de setembro de 2008

MACHADO DE ASSIS


Para quem gosta de ler e é fã do Machado de Assis, segue o endereço de uma página com todas as obras e fotos, além de alguma fortuna crítica. Resultado de um projeto patrocinado pelo CNPq, a UFSC digitalizou todo o material disponível, de modo que a página é mais completa até mesmo do que a "obra completa" impressa disponível no mercado. E o acesso é inteiramente livre e gratuito.
Boa leitura!
O professor João Hernesto Weber esclarece que a página original criada pelo NUPIL encontra-se no endereço abaixo. Gostaríamos que divulgassem para colegas e instituições. Cordialmente, A Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Literatura da UFSC.

www.machadodeassis.ufsc.br

Essa eu peguei lá no cartunistasolda.blogspot.com

RUBEM ALVES - por ele mesmo

Nasci no dia 15 de setembro de 1933. Sobre o meu nascimento veja a crônica Que bom que eles se casaram. Faça as contas para saber quantos anos não tenho. Que "não tenho", sim; porque o número que você vai encontrar se refere aos anos que não tenho mais, para sempre perdidos no passado. Os que ainda tenho, não sei, ninguém sabe. Nasci no sul de Minas, em Boa Esperança que, naquele tempo, se chamava Dores da Boa Esperança. Depois tiraram o "Dores". Pena, porque dores de boa esperança são dores de parto: há dores que anunciam o futuro. Boa Esperança é conhecida mais pela serra que o Lamartine Babo, ferido por um amor impossível, transformou em canção: "Serra da Boa Esperança", que você ouviu logo que entrou na minha casa.

Meu pai era rico, quebrou, ficou pobre. Tivemos de nos mudar. Dos tempos de pobreza só tenho memórias de felicidade. Albert Camus dizia que, para ele, a pobreza (não a miserabilidade) era o ideal de vida. Pobre, foi feliz. Conheceu a infelicidade quando entrou para o Liceu e começou a fazer comparações. A comparação é o início da inveja que faz tudo apodrecer. Aconteceu o mesmo comigo. Conheci o sofrimento quando melhoramos de vida e nos mudamos para o Rio de Janeiro. Meu pai, com boas intenções, me matriculou num dos colégios mais famosos do Rio. Foi então que me descobri caipira. Meus colegas cariocas não perdoaram meu sotaque mineiro e me fizeram motivo de chacota. Grande solidão, sem amigos. Encontrei acolhimento na religião. Religião é um bom refúgio para os marginalizados. Admirei Albert Schweitzer, teólogo protestante, organista, médico, prêmio Nobel da Paz. Quis seguir o seu caminho.

Tentei ser pianista. Fracassei. Sobrava-me disciplina e vontade. Faltava-me talento. Há um salmo que diz: "Inútil te será levantar de madrugada e trabalhar o dia todo porque Deus, àqueles a quem ama, ele dá enquanto estão dormindo." Deus não me deu talento. Deu todo para o Nelson Freire, que também nasceu em Boa Esperança. Estudei teologia. Fui pastor no interior de Minas. Convivi com gente simples e pobre. Lá um pastor é uma espécie de "despachante" para resolver todos os problemas. Mas já naquele tempo minhas idéias eram diferentes. Eu achava que religião não era para garantir o céu, depois da morte, mas para tornar esse mundo melhor, enquanto estamos vivos. Claro que minhas idéias foram recebidas com desconfiança... Em 1959 me casei e vieram os filhos Sérgio (XII.59) e Marcos (VII.62). Em 1975 nasceu minha filha Raquel. Inventando estórias para ela descobri que eu podia escrever estórias para crianças (A lista dos livros infantis que escrevi estão na Biblioteca). Fui estudar em New York (1963), voltei um mês depois do golpe militar. Fui denunciado pelas autoridades da Igreja Presbiteriana, à qual pertencia, como subversivo. Experimentei o medo e fiquei conhecendo melhor o espírito dos ministros de Deus... Minha família e eu tivemos de sair do Brasil. Fui estudar em Princeton, USA, onde escrevi minha tese de doutoramento, Towards a Theology of Liberation, publicada em 1969 pela editora católica Corpus Books com o título A Theology of Human Hope. Era um dos primeiros brotos daquilo que posteriormente recebeu o nome de Teologia da Libertação. Se você quiser saber um pouco sobre o que aconteceu comigo nesses anos, leia o ensaio Sobre deuses e caquis (O quarto do mistério, p 137). O tempo passou, mudou meu jeito de pensar, voltei ao Brasil em 1968, demiti-me da Igreja Presbiteriana. Com um Ph.D. debaixo do braço e sem emprego. Foi o economista Paulo Singer, que fiquei conhecendo numa venda de móveis usados em Princeton, que me abriu a porta do ensino superior, indicando-me para uma vaga para professor de filosofia na FAFI de Rio Claro, SP. Em 1974 transferi-me para a UNICAMP, onde fiquei até me aposentar.

Golpes duros na vida me fizeram descobrir a literatura e a poesia. Ciência dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão para corpo e alegria para a alma. Ciência é fogo e panela: coisas indispensáveis na cozinha. Mas poesia é o frango com quiabo, deleite para quem gosta... Quando jovem, Albert Camus disse que sonhava com um dia em que escreveria simplesmente o que lhe desse na cabeça. Estou tentando me aperfeiçoar nessa arte, embora ainda me sinta amarrado por antigas mortalhas acadêmicas. Sinto-me como Nietzsche, que dizia haver abandonado todas as ilusões de verdade. Ele nada mais era que um palhaço e um poeta. O primeiro nos salva pelo riso. O segundo pela beleza.

Com a literatura e a poesia comecei a realizar meu sonho fracassado de ser músico: comecei a fazer música com palavras. Leituras de prazer especial: Nietzsche, T. S. Eliot, Kierkegaard, Camus, Lutero, Agostinho, Angelus Silésius, Guimarães Rosa, Saramago, Tao Te Ching, o livro de Eclesiastes, Bachelard, Octávio Paz, Borges, Barthes, Michael Ende, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Manoel de Barros. Pintura: Bosch, Brueghel, Grünnenwald, Monet, Dali, Larsson. Música: canto gregoriano, Bach, Beethoven, Brahms, Chopin, César Franck, Keith Jarret, Milton, Chico, Tom Jobim.

Sou psicanalista, embora heterodoxo. Minha heterodoxia está no fato de que acredito que no mais profundo do inconsciente mora a beleza. Com o que concordam Sócrates, Nietzsche e Fernando Pessoa. Exerço a arte com prazer. Minhas conversas com meus pacientes são a maior fonte de inspiração que tenho para minhas crônicas.

Já tive medo de morrer. Não tenho mais. Tenho tristeza. A vida é muito boa. Mas a Morte é minha companheira. Sempre conversamos e aprendo com ela. Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

A morte em oito tempos

Hoje faz dois anos do falecimento de minha querida mãe e, 17 anos e alguns dias do meu saudoso pai.
Quantas saudades!
Lendo o 4º tempo - Alento - do belo poema abaixo, sinto que eles estão em casa e que jamais partiram.
A morte em oito tempos
Sônia Maria Carriel Brandão

1
Prenúncio

Pálido pássaro pousado
na tênue luz da manhã.

2
Vôo noturno

Agora sabemos o que nenhum anjo sabe.
Agora somos o tempo.
De nossos corpos outras noites nascerão
e juntos voaremos nosso vôo noturno
nas asas do desejo.

3
Os anjos

É inútil matar os anjos.
Onde jogar as asas?
Onde enterrar os corpos?

Anjos não têm asas.
Anjos não têm corpos.

Os anjos são eternos.
Cada vez mais fortes,
após cada morte
renascem dentro de nós.

4
Alento

Os mortos não estão mortos.
Os mortos não estão sob a terra.
Estão na árvore que treme.
Estão na chuva que cai.
Estão na água que corre.
Estão na casa, estão entre nós.
Os que morreram jamais partiram.

5
Antes da aurora

Busco a morte
como quem busca o sono.
Morrerei antes da aurora.
Tenho anjos sobre meus ombros.

6
Meninos de pedra

Na estrada da morte
meninos de pedra
quebram seus sonhos.

7
Réquiem

Arranquem meus olhos.
A flor está morta.

8
O cão da morte

Já não há luz
nem som
nem movimento.

Apenas o cão da morte
me faz companhia.

Espera impaciente
o momento de irmos juntos
para lugar nenhum.



segunda-feira, 22 de setembro de 2008

D I C A S

COMO BAIXAR VÍDEOS DO YOUTUBE:

No link do youtube, no lugar de youtube coloque:

voobys

e ao final do link, adicione:

.avi

salvo o vídeo substitua get_video, criando um nome, colocando ao final:

.avi

Perdeu o manual do seu aparelho?

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domingo, 21 de setembro de 2008

PENSADORES BRASILEIROS-Olavo de Carvalho

Viva o fascismo!

Olavo de Carvalho

No Brasil de hoje, há três e não mais de três blocos ideológicos.

O primeiro é o neoliberalismo globalista. Ele proclama que a liberdade econômica é a condição necessária e suficiente de todas as outras liberdades, que toda interferência de valores extra-econômicos na vida econômica é uma ameaça ao progresso, que o enriquecimento de todas as pessoas é o objetivo moral supremo e que portanto as leis, os Estados, as religiões, as artes e os costumes devem ser julgados segundo sua maior ou menor capacidade de fomentar a prosperidade geral num ambiente de livre mercado.

Daí ele conclui que todas as barreiras nacionais, religiosas e culturais que se opõem à mundialização do mercado são obstáculos ao progresso humano. Para derrubá-los, ele cria a técnica da engenharia social que permite destruir os valores tradicionais, abolir as diferenças de culturas nacionais e religiosas por meio da educação em massa, da propaganda e das leis. Todos os atos, sentimentos e reações humanas, mesmo os mais íntimos, tornam-se então objeto de planejamento estatal – e, quando finalmente a liberdade econômica impera sobre o mundo, todas as demais liberdades desapareceram para sempre.

O segundo bloco é socialista. Ele proclama que a igualdade é o supremo valor. Não existe pior mal no mundo do que um homem ser rico e o outro pobre. Quando todos estiverem economicamente nivelados, um não poderá mais oprimir o outro pela ameaça da fome e do desemprego.

Para instituir a igualdade, é preciso quebrar a espinha dorsal do poder econômico, e o instrumento para fazer isso é o Estado. Mas como quem tem o poder econômico não o cede de mão beijada, o Estado, para tomá-lo, tem de ser forte, muito mais forte do que o ralo Estado liberal que se contentava em ser um árbitro entre mercadores. Os funcionários do Estado socialista investem-se então de poderes especiais. O poder não somente se centraliza, mas se eleva. Abolido o poder econômico, resta apenas o poder político. As diferenças entre os homens não desapareceram, mas agora só há uma diferença essencial: a diferença entre quem tem e quem não tem poder político, entre quem está dentro e quem está fora da Nomenklatura. Antigamente, o homem alijado do poder político podia usar do poder econômico, seu ou emprestado, para fazer face à autoridade do Estado. O poder econômico fazia a mediação entre os de cima e os de baixo. Agora não há mais mediação. Quem sobe, sobe dentro do Estado. Quem cai, cai pelo cano do esgoto do Estado. E como não há poder fora do Estado, é compreensível que quem está dentro não queira sair nunca, e quem está fora não tenha como entrar senão por especial concessão dos de cima. Quando finalmente se estabelece a perfeita igualdade econômica, a desigualdade de poder político é tamanha, que torna o governante socialista uma divindade inacessível aos clamores de baixo.

O terceiro bloco é o fascismo. Hoje ele não encanta senão a uma minoria, mas é uma minoria profética. Ele proclama que o liberalismo é a ditadura do poder econômico, o socialismo a ditadura do poder político. Quem tem de mandar, diz ele, não é este nem aquele: é a nação.

Para fortalecer a nação, ele propõe uma aliança do poder econômico com o poder político, do capital com o Estado. A nação é a unidade, a conciliação dos contrários, a superação de todas as divergências. Com os dois poderes irmanados e cantando em uníssono na harmonia do Estado-síntese, a nação ergue a cabeça entre as nações e, se alguém reclamar, pau nele. Se o neoliberalismo realizava a liberdade mediante a supressão das liberdades, se o socialismo realizava a igualdade mediante a absolutização da desigualdade, o fascismo encarna o terceiro ideal da modernidade. Ele realiza a fraternidade: no fascismo todos os que têm poder são irmãozinhos, e não gostam que a gente se meta nos assuntos de família deles.

Donde concluo fatalmente que só o fascismo, embora aparentemente minoritário, tem futuro, porque só ele pode tornar felizes, ao mesmo tempo, os neoliberais e os socialistas. E nós? Ora, eles vão estar tão felizes que não vão querer saber a nossa opinião. E, a essa altura, se vocês querem meu conselho, será melhor mesmo não ter nenhuma.

Olavo de Carvalho é autor de “O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras” http://www.z80.com.br/usr/sapientia.

OLAVO LUÍS PIMENTEL DE CARVALHO

Olavo de Carvalho, nascido em Campinas, Estado de São Paulo, em 29 de abril de 1947, tem sido saudado pela crítica como um dos mais originais e audaciosos pensadores brasileiros.

O filósofo e professor Olavo de Carvalho é o mais importante pensador brasileiro da atualidade. Olavo conquista o leitor por suas idéias vigorosas, expressas numa eloqüência franca e contundente que alia o rigor lógico e a erudição ao mais temível senso de humor. Nas palavras do poeta Bruno Tolentino, "a capacidade de desenterrar do pensamento antigo novas idéias aptas a lançar luz sobre o presente é a marca do verdadeiro erudito; a capacidade de encarar os problemas do presente com aquela coragem radical apta a trazer à luz os fundamentos últimos do conhecimento é a marca de algo mais que o mero filósofo-padrão de hoje em dia."
Olavo de Carvalho é um iconoclasta de incontornável honestidade intelectual que tomou para si a tarefa ingrata de pôr a nu os falsos prestígios acadêmicos e expôr as falácias do discurso político e intelectual vigente.
A tônica de sua obra é a defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia "científica". Para Olavo de carvalho existe um vínculo indissolúvel entre a objetividade do conhecimento e a autonomia da consciência individual.

Caminho do Peabiru

História

Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Caminho nos dias atuais está modernizado e perdeu o formato “escavado”
Antropologia

A verdadeira autoria do Peabiru

Há muito tempo se fala do caminho e de seus ramais, que foram usados por índios, exploradores espanhóis, tropeiros e bandeirantes. Mas apenas estudos recentes têm demonstrado o real traçado do Peabiru e quem, de fato, foi o seu criador

Publicado em 20/09/2008 | Pollianna Milan

O caminho do Peabiru, representado nos mapas como sendo aquele que começa no litoral de São Paulo e atravessa o estado do Paraná, até chegar ao Paraguai, é apenas uma demonstração hipotética. Nunca foi efetivamente comprovado que a estrada original seria esta, assim como outro ponto bastante polêmico sobre o assunto: a quem pertence a autoria do Peabiru? Aos índios tupi-guaranis, aos incas ou a um terceiro grupo? O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Igor Chmyz, da área de pós-graduação em Antropologia Social, estuda o Peabiru desde a década de 70 e, neste ano, tem apresentado algumas conclusões a que chegou durante os quase 40 anos de pesquisa.
A primeira resposta é a de que muitos autores têm defendido, erroneamente, que o caminho foi criado pelos índios tupi-guaranis. Na verdade, a autoria deve ser dada aos índios do tronco Macro-Jê, que são conhecidos por Jê.
Influência dos espanhóis, tropeiros e bandeirantes
Não há dúvidas sobre a existência do Peabiru – o caminho que foi criado e usado pelos índios. O traçado original, entretanto, ainda é uma incógnita. Sabe-se que os caminhos ligavam uma tribo a outra, mas que sofreram modificações ao longo dos anos com a chegada dos dominadores espanhóis, dos tropeiros e dos bandeirantes. Todos eles podem ter usado o trajeto, entretanto, também podem ter aberto outros ramais que até então não existiam, deturpando o que originalmente é o Peabiru. O Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na Comunidade dos Municípios de Campo Mourão (Necapecam) tem trabalhado para conseguir levantar mais informações sobre o caminho e ainda sobre como viveram esses índios.
Leia a matéria completa
A antropologia, ciência que estuda não apenas as evidências encontradas em sítios arqueológicos, mas o contexto deles no tempo, já conseguiu comprovar que os índios Jê começaram a aparecer no Paraná há 4 mil anos; já os tupi-guaranis apareceram dois mil anos depois. Esse fato comprova um dado interessante. Jê e guaranis eram inimigos, mas os primeiros conseguiram se espalhar por todo o interior do Paraná, por meio dos caminhos porque, ao chegar antes, não encontraram empecilhos (inimigos) para dominar as terras. Somente mais tarde tiveram de entrar em confronto com os guaranis que por aqui chegavam.
Ao estudar as características de cada tribo indígena, Chmyz encontrou uma outra relação dos sítios arqueológicos com o Peabiru. Os índios Jê tinham como prática se comunicar entre aldeias por caminhos. Ao passo que o tupi-guarani utiliza o percurso fluvial, porque são essencialmente navegadores. “Esses últimos chegaram a usar os caminhos em busca da lendária Terra Sem Mal, mas não foram os criadores dele”, explica.
A confusão sobre a autoria do caminho ainda ocorre porque ambos os grupos indígenas eram ceramistas e produtores de alimentos agrícolas. O detalhe é que as cerâmicas dos Jê são semelhantes a um jarro afinado e as do guarani são mais arredondadas. As cerâmicas produzidas pelos Jê foram encontradas em tribos que eram ligadas pelos caminhos, assim como as cabanas que eram produzidas por eles. Os Jê construíam casas cavando o chão, com buracos circulares de até 12 metros de diâmetro e três metros de profundidade para se proteger do rigor do inverno. “Importante notar que o caminho, na sua versão original, era valado. Tinha uma fundura de 40 centímetros e 1,4 metro de largura. Os Jê tinham o costume de cavar”, comenta Chmyz.
A hipótese de que o Peabiru pode ter sido criado pelos incas é totalmente descartada pelo pesquisador. Igor Chmyz explica que os incas aparecem por volta do século 12 nas imediações do lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia. Porém, apenas no apogeu, isto é, no século 14, é que eles expandem o Império que chega a atingir o norte da Argentina, Chile e sobe até a Colômbia – quando foi implantado o sistema de caminho deles. “Isso quer dizer que os nossos, nesta época, já existiam.” As peças encontradas no Peabiru, que são associadas aos incas, provavelmente foram trazidas pelos viajantes do século 16, que também usaram o Peabiru. “Essas peças devem ter se perdido no caminho, porque o retorno dos viajantes era tumultuado. Eles eram perseguidos pelos índios e alguns acabaram morrendo a flechadas.”
Início
A datação histórica do Peabiru é imprecisa, mas sabe-se que o trajeto foi muito usado pelo espanhóis que estavam dominando o interior do Paraná. Nessa época, o caminho passou a ser usado como opção para os exploradores chegarem ao Paraguai. Documentos como os deixados pelo espanhol Álvar Nuñez Cabeza de Vaca mostram que o colonizador usou o Peabiru com a ajuda dos tupi-guaranis. Cabeza de Vaca chegou à costa do Oceano Atlântico e encontrou os guaranis que lhe auxiliaram na missão de chegar até Assunção, no Paraguai. O documento mostra que Cabeza de Vaca entrou por Santa Catarina, chegou ao Paraná, passou pelos campos de Curitiba, seguiu por Castro mas, ao chegar perto de Cascavel abandonou o tronco principal do caminho e pegou um secundário. “Por que ele abandonou o ramal? Justamente porque aquele trecho era dominado pelos índios Jê. Como Cabeza de Vaca era guiado pelos guaranis (os inimigos), ele pode não ter se sentido seguro para seguir adiante. Então muda o percurso. Eis mais uma prova de que os Jê estavam na região”, comenta o professor.
A criação do Peabiru deve ter acontecido antes de 1480, pelos cálculos de Chmyz. Ele chegou a esse resultado quando fez escavações nos túmulos dos índios Jê e encontrou fragmentos de escória mineral, isto é, ferro fundido. “Sabemos que os índios não fundiam ferro, mas devem ter incorporado isto ao ritual de cremação deles pelo significado que aquilo tinha com o europeu”, diz. O curioso é que perto das tribos Jê, na região conhecida como Guairá, mais especificamente na Vila Rica e Ciudad Real – onde estavam os dominadores espanhóis – havia a fundição de ferro para a fabricação de instrumentos agrícolas usados nas reduções jesuítas. “A data de 1480 não bate com a presença do ferro fundido ali, mas se somarmos a datação do carbono 14, que tem uma margem de erro de mais ou menos 95 anos depois de Cristo, chegamos à data de 1575. A Vila Rica do Espírito Santo foi fundada em 1570 e a Ciudad Real em 1554.”
* * * * *
Serviço
Informações contidas no texto também foram coletadas no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na Comunidade dos Municípios de Campo Mourão (Necapecam).
Fonte: Gazeta do Povo

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Ministro de Lula quer punir jornalistas

Inversão de valores: Jobim quer punir jornalistas que divulgam grampos e deseja a quebra do sigilo da fonte

Jorge Serrão

O ministro da Defesa praticou ontem seu maior ataque à liberdade de expressão. Durante o depoimento à CPI dos Grampos, Nelson Jobim defendeu mudanças na legislação para punir pessoas responsáveis por vazar informações obtidas em escutas telefônicas, inclusive jornalistas. Jobim também sugeriu que a imprensa possa ser obrigada a revelar suas fontes em alguns casos. “Os senhores terão que prestar atenção não só no interceptador ilícito, mas também no vazador de informações. Se os senhores não fecharem as duas pontas, vai continuar a acontecer o que está acontecendo”.

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e que sonha ser candidato à sucessão presidencial de 2010, com o apoio dos banqueiros nacionais e internacionais, Nelson Jobim sugeriu aos integrantes da CPI que façam propostas para alterar a legislação sobre o sigilo da informação jornalística. No debate com parlamentares, Jobim insinuou que os jornalistas podem utilizar o preceito da liberdade de expressão para agir com irresponsabilidade e sugeriu que os deputados considerem se "a liberdade é a mesma coisa que a irresponsabilidade": “Temos que discutir se o sigilo da fonte é ou não absoluto, ou se pode ser relativizado em casos constitucionais. Já há alguns casos em que o Supremo Tribunal Federal relativizou os direitos constitucionais”.

Questionado sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitou o acesso a dados sobre escutas legais registradas nas empresas de telefonia, Jobim reclamou que as CPIs são conhecidas fontes de vazamento de dados. Segundo ele, isso ocorre devido à "relação perniciosa que se estabelece entre jornalistas, deputados, ministério público e polícia". Mais uma vez, Nelson Jobim comprovou seu total desapreço pela democracia, que é a segurança do direito individual natural.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que é jornalista profissional, confrontou Jobim e lembrou o ministro dos prejuízos à democracia que resultariam do cerceamento da liberdade de imprensa. Miro citou o ex-presidente americano Thomas Jefferson, defensor da liberdade de imprensa como garantia de uma sociedade livre e segura. Depois pediu que o ministro Jobim se recordasse que só foi possível descobrir que o presidente do STF, Gilmar Mendes, teria sido grampeado por descoberta da imprensa.

Como ministro aposentado do STF, Jobim teria a obrigação de saber que, no Brasil, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. Está escrito na Constituição Federal de 1988. Ou não vale mais o que está escrito lá? No Art. 5º está anotado: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

O mesmo artigo se lê: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Nosso texto constitucional (ainda em vigor, até prova em contrário), em seu Capítulo V (Da Comunicação Social) deixa claro em seu Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

No § 1º, está escrito: Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. No § 2º: É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. No § 5º: Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. E no § 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

Releia o artigo: Defenda já sua Liberdade de Expressão!

© Jorge Serrão. Edição do Blog Alerta Total de 17 de Setembro de 2008.

O alfabeto truck

Já imaginou ficar à cata de traseiras de caminhões com letras para formar um alfabeto completo? Trabalhão do Eric Tabuchi que levou quatro anos e milhares de quilômetros percorridos para chegar a esse resultado fantástico e criativo.

via: antenaparanoica

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Rubem Alves - Desfiz 75 anos...

DESFIZ 75 ANOS...
Rubem Alves
MINHA FORMAÇÃO filosófica impõe-me o uso preciso das palavras porque as palavras devem revelar o ser. E é assim, usando de forma precisa as palavras, comunico aos meus leitores que ontem, dia 15 de setembro, eu desfiz 75 anos...
Haverá leitores que se apressarão a corrigir meu uso estranho, nunca visto, da palavra "desfazer", atribuindo-o, quem sabe, a um início do mal de Alzheimer. Todo mundo sabe que, para se anunciar um aniversário, o certo é dizer "fiz" tantos anos. No meu caso, "fiz" 75 anos...
Mas o verbo "fazer" sugere algo que aumenta, um crescimento do ser, o artista e o artesão "fazem"...
Mas, que ser aumenta com a passagem do tempo, esse monstro que devora os seus filhos? O que aumenta é o vazio. Esses anos que o aniversariante distraído anuncia como anos que ele fez são, precisamente, os anos que ele desfez, o tempo que já passou, que deixou de ser, os anos que o tempo devorou.
Por isso acho um equívoco filosófico perguntar a alguém: "Quantos anos você tem?". O certo seria perguntar "quantos anos você não tem?". E ela responderia "não tenho 42 anos", "não tenho 28 anos". Porque esse número de anos indica precisamente os anos que ela não tem mais. Nos aniversários, então, a maneira correta de se dirigir ao aniversariante é perguntando-lhe "quantos anos você está desfazendo hoje?".
Com base nessas reflexões filosóficas acho extremamente estranho e mesmo de mau gosto esse costume de o aniversariante soprar as velinhas acessas para que elas se reduzam a um pavio negro retorcido. Aí, nesse momento, todos gritam e riem de alegria e cantam o "Parabéns pra você", em louvor a essa "data querida..."
Bachelard, no seu delicadíssimo livro "A Chama de uma Vela", que nunca será best-seller, nos lembra que uma vela que queima é uma metáfora da existência humana. Há alguma coisa de trágico na vela que queima: para iluminar, ela tem que morrer um pouco. Por isso ela chora, e suas lágrimas escorrem sobre o seu corpo sob a forma de estrias de cera.
Uma vela que se apaga é uma vela que morre. Algumas velas se consomem todas, morrem de pé, têm de morrer porque a cera já se chorou toda. Outras morrem antes da hora - elas não queriam morrer -, mas veio o vento e a chama se foi.
As velinhas acesas fincadas no bolo não querem morrer. Elas vão ser assassinadas por um sopro. O sopro que apaga as velas é o sopro que apaga a vida...
Por isso não entendo os risos, as palmas e a alegria que se segue ao sopro que apaga as velas. Uma vela que se apaga é um sol que se põe, disse Bachelard. E todo pôr-do-sol é triste... Uma vela que se apaga anuncia um crepúsculo.
Por isso eu prefiro um ritual diferente, ritual que é uma invocação. Eu acendo uma vela pedindo aos deuses que me dêem muitos anos a mais de vida, esses anos que se seguirão, que são o único tempo que realmente possuo...
Assim fiz, acendi uma vela, meus amigos à minha volta. Que coisa boa é ter amigos, especialmente quando o crepúsculo e a noite se anunciam!
Acho que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a esperança da alegria. Desfeita a esperança da alegria, a vela se apaga e a vida perde o sentido.

Recebi, via e-mail de minha amiga Bete Maciel, de Fortaleza-Ceará, a mensagem acima, de Rubem Alves, confesso que ainda não o conhecia, procurei em pesquisa via Google, saber quem é essa personalidade e fiquei simplesmente maravilhado pelas obras desse brilhante autor, abaixo sintetizado:
Rubem Alves nasceu no dia 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais, naquele tempo chamada de Dores da Boa Esperança. A cidade é conhecida pela serra imortalizada por Lamartine Babo e Francisco Alves na música "Serra da Boa Esperança". É um psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro, é autor de livros e artigos abordando temas religiosos, educacionais e existenciais, além de uma série de livros infantis.

"Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos
fragmentos de futuro em que a alegria é servida como
sacramento, para que as crianças aprendam que o
mundo pode ser diferente. Que a escola,
ela mesma, seja um fragmento do
futuro..."
Rubem Alves

domingo, 14 de setembro de 2008

Gramscismo

DEVASTAÇÃO GRAMSCISTA
Ipojuca Pontes

Prosseguindo no exame do panorama político-ideológico predominantemente esquerdista que se abate sobre a vida cultural brasileira, há que se destacar a presença do pensamento de Antonio Gramsci, seguramente mais eficiente do que as ações do Djanovismo soviético e da Escola de Frankfurt na criação das “condições objetivas” para se chegar a um “outro mundo possível” - vale dizer, estabelecer por aqui uma sociedade comunista. Para quem não sabe, Gramsci foi o secretário-geral do PC italiano que Benito Mussolini, em 1926, instituindo o “tribunal especial para a defesa do Estado”, condenou a 24 anos de prisão, depois de considerá-lo um “cérebro perigoso”. Confinado na penitenciária de Turi (na província de Bari, Puglia) Gramsci - cujo pai, Francesco, foi condenado a 5 anos de prisão por peculato e extorsão - arquitetou, em 33 cadernos escritos no cárcere, o mais diabólico esquema estratégico para a tomada do poder pelos socialistas em geral e os marxistas em particular. Com efeito, embora fugindo à estratégia de assalto direto ao poder preconizado por Lenin, cujo cerne é a violência revolucionária, os objetivos gramscistas sãos os mesmos de Marx, Engels, Lênin e Fidel Castro, qual seja, destruir o capitalismo para firmar o “Estado Regulado”.

De fato, com Antonio Gramsci - “Il Gobbo” (“O Corcunda”) - a “transição para o socialismo” ganharia novos contornos estratégicos: ao invés da “guerra de movimento” instituída por Lenin, os socialistas ocidentais, em face do fracasso da revolução bolchevique fora da Rússia, apelariam para a “guerra de posição”, metódica e segura, a ser conduzida pelo “intelectual orgânico” com o respaldo da “sociedade civil organizada”. O objetivo, a longo prazo, seria a defenestração da burguesia e suas instituições de poder, mas, agora, pela via da “revolução passiva”. Em vez do Estado burguês, a hegemonia do Estado passaria às “classes subalternas”.

Para administrar as sucessivas crises fomentadas no Estado democrático tradicional - uma condicionante fundamental na estratégia da “transição para o socialismo”-, Gramsci aponta como obrigatória a organização das “classes subalternas” a partir da mobilização de “aparelhos privados de hegemonia” - estes, considerados alicerces básicos para a formação da nova Sociedade Civil. Por “mobilização de aparelhos privados de hegemonia”, o teórico comunista compreende as distintas ações subversivas do partido-classe, sindicatos, associações, organizações não-governamentais (Ongs), etc., todos atuando para minar as “trincheiras” e os núcleos de “defesa” da sociedade capitalista.

Caberia ao intelectual “orgânico” o papel de buscar a adesão da sociedade civil pela penetração cultural e a detonação da guerra psicológica contra as instituições representativas do parelho hegemônico do Estado democrático tradicional. Na sua lógica “transformadora”, Gramsci considera todo mundo como intelectual, deste o sapateiro até o escriturário, passando pela enfermeira, etc., a formar, no fundo, a massa de manobra para servir de pasto à manipulação ideológica esquerdista.

O intelectual “orgânico”, na nova estratégia revolucionária, deve conquistar, entre os demais integrantes da sociedade, a adesão do “intelectual tradicional” (burguês), desde que este aceite o papel preponderante do partido-classe - o “príncipe moderno”, na linguagem cifrada de Gramsci - como dirigente e formador do novo “consenso”, objeto final da “guerra de posição”, a etapa avançada de mobilização na “transição para o socialismo”.

(O que venha ser partido-classe, o próprio Gramsci, nas suas “Notas sobre Maquiavel”, assim o define: “O moderno Príncipe desenvolve-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que o seu desenvolvimento significa, de fato, que todo o ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio príncipe moderno e serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”).

Para estabelecer o “consenso”, o gramscismo labora dia e noite na imposição de um novo senso comum, o conjunto de valores, crenças, costumes, tradições e o modo de pensar prevalecente no seio da sociedade tradicional. A concepção monstruosa do corcunda pretende nulificar o ser humano para, em seguida, por “dentro”, dar-lhe nova formatação, gerando assim uma espécie de Frankstein coletivo.

Hoje, não há como negar, a sociedade brasileira já sofre os efeitos deletérios da estratégia gramsciana para chegar ao governo hegemônico das “classes subalternas”. Facções de organizações não-governamentais, partidos políticos, setores universitários, meios de comunicação em geral, as artes, produção editorial, a igreja, a justiça, o governo, etc. - juntos na tarefa ingente de formar o “consenso” antes do bote final -, desmontam os valores culturais do Brasil tradicional, rearticulando novos conceitos de sociedade nacional (“sociedade civil”), de cidadão (“cidadania”), de opinião individual (opinião coletiva “politicamente correta”), de legalidade (“legitimidade”), etc., numa lavagem cerebral sem precedentes na história da nação.

A “guerra de posição” de Gramsci, claro, não subestima a alternativa de, no momento oportuno, se associar à “guerra de movimento” preconizada por Lênin, que envolve a violência das armas. Mas prefere, em vez disso, ter como arma a incessante manipulação de aulas, discursos, palestras, livros, noticiário da imprensa, filmes, novelas, shows musicais, peças teatrais, para chegar, afinal, por outros caminhos, ao velho, totalitário e criminoso regime comunista.


(-Veja: postado em 26/08/08 - O QUE É GRAMSCISMO)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Importância das Virtudes

O retorno da bondade

Edward Skidelsky

As tradições éticas do mundo pré-moderno concentravam-se nas qualidades do caráter responsáveis por uma vida boa e feliz - as virtudes. A natureza exata dessas virtudes era uma questão aberta à discussão. Os antigos gregos identificaram a coragem, a temperança, a prudência e a justiça. Os cristãos acrescentaram a fé, a esperança e a caridade à lista, e rebaixaram o orgulho (que para os pagãos era uma virtude) a um vício. Outras virtudes foram exaltadas em caráter mais temporário. A Renascença enaltecia a intrepidez, os puritanos a parcimônia e a labuta. O Oriente tem as suas próprias tradições. Confúcio enfatizava a devoção filial, Lao-Tsé a espontaneidade. Mas todos concordavam que as virtudes - algumas virtudes - devem ser o cerne da vida moral.

As virtudes, para essas tradições pré-modernas, são as excelências naturais da espécie. Elas são para nós aquilo que a velocidade é para o leopardo ou a força para o leão; elas não são uma questão de escolha ou auto-expressão. Isso não quer dizer que elas desenvolvam-se sem auxílio. As virtudes exigem anos de treinamento - não é possível possuir a virtude da gratidão, a menos que se aprenda outras virtudes básicas. E este treinamento não termina após a infância. Durante toda a vida, as virtudes podem ser encorajadas, ou mesmo exigidas, por meio de arranjos legais criados para minimizar a tentação.

A lei é parte da moralidade, e não um conjunto de leis de trânsito criadas para evitar colisões. O Estado é uma associação de pessoas reunidas para liderarem a vida correta, e não um vigia noturno ou um patrulheiro de fronteira. Estas várias tradições pré-modernas, orientais e ocidentais, representam um estilo de pensamento sobre a ética que tornou-se quase ininteligível para nós. Passamos a pensar na moralidade como sendo um sistema de direitos e obrigações, e no problema filosófico como a questão de definir estes direitos e obrigações. Mas onde não existe direito ou obrigação, a moralidade silencia. Um homem que, tendo cumprido as suas obrigações para com os outros, senta-se com uma caixa de latas de cerveja para assistir a pornografia o dia inteiro na televisão pode ser tolo, repugnante, vulgar e assim por diante, mas, rigorosamente falando, ele não é imoral. Isto porque, conforme se diz, ele está "dentro dos seus direitos".

Na verdade, dentre as quatro virtudes gregas clássicas mencionadas anteriormente, apenas a justiça é, para a visão moderna, uma qualidade indiscutivelmente moral, já que apenas a justiça diz repeito essencialmente a direitos e obrigações. Assim, a tendência caracteristicamente moderna é reduzir a totalidade da moralidade à justiça, relegando o resto a uma questão de sensibilidade e gosto.

Mas, abaixo da superfície, as tradições pré-modernas continuam vivas. Só podemos sentir admiração pelos episódios de coragem e de contenção de desejos e interesses próprios. E só podemos sentir repugnância pela avareza e pela indolência. E tais reações não são meramente esnobes ou estéticas; elas estão fortemente vinculadas às reações mais estritamente morais de respeito e indignação. Mas a nossa linguagem pública nos proíbe de reconhecer essa conexão, obrigando-nos a disfarçar aquilo que está na raiz das respostas éticas, como se fosse algo totalmente diferente.

Por exemplo, a hostilidade ao fumo - o que no fundo é uma aversão moral à intemperança - tem que ser disfarçada de preocupação com a saúde pública ou com os direitos dos não fumantes inocentes que são obrigados a inalar a fumaça. É por isso que se enfatiza tanto o conceito (espúrio) de fumante passivo.

A ética das virtudes injetou uma vida nova na filosofia da moral. Ela salvou esta filosofia da aridez e colocou-a em contato com a teologia, a literatura e a história. Mas a influência da ética das virtudes no chamado "mundo real" tem sido nula. Nesta área, se houve movimento, foi na direção oposta, com diretrizes e metas engolindo aquilo que no passado era o reino da decência e do senso comum.

A ética das virtudes transformou-se, assim, em mais um jogo acadêmico, sutil e irrelevante. Sem disposição para apresentar energicamente as suas conclusões até um ponto em que estas conflitem com a ordem política vigente, ela retirou-se para o seu próprio jardinzinho. Uma figura destaca-se como exceção. Alasdair MacIntyre sempre insistiu que a linguagem das virtudes só faz sentido no contexto de um estilo de vida comunitário, e, portanto, em estado de tensão com o liberalismo - um sistema político que subverte todos os estilos de vida comunitários. O diagnóstico que MacIntyre fez do problema continua sendo essencialmente o mesmo após 50 anos: o que mudou foi a sua solução.

O seu trabalho inicial, escrito sob a influência do marxismo, procura a política como canal de ação. Mas, no seu clássico de 1981, "After Virtue" ("Após a Virtude"), ele aceita a tese de Max Weber de que todas as revoluções acabam prisioneiras da burocracia. A nossa única esperança reside em uma retirada do cenário político, em um novo monasticismo. "Neste estágio, o que importa", conclui MacIntyre com uma veia profética, "é a construção de formas locais de comunidade dentro das quais a civilidade e a vida intelectual e moral possam ser sustentadas no decorrer das idades das trevas que já caem sobre nós... Não estamos esperando por Godot, mas por um outro - sem dúvida bem diferente - São Benedito".

MacIntyre não entra em detalhes. Temos que adivinhar que forma um novo São Benedito assumiria. Não há dúvida de que ele não seria um cristão ortodoxo. A velha fé foi elaborada para um mundo de pobreza; ela não fala dos dilemas decorrentes da afluência. Mas uma nova fé que está emergindo poderá falar sobre esses dilemas.

Um pequeno exemplo pode ser encontrado na Bolha de Tinker, uma pequena comunidade residencial localizada em Somerset, na Inglaterra. Lá, um grupo de ambientalistas cuida de uma área de 13 hectares de floresta, pomares e pastagens. A propriedade da terra é coletiva. Não há eletricidade proveniente da rede elétrica e nem combustíveis fósseis. A energia elétrica é produzida por painéis solares e por um motor a vapor movido a lenha. O objetivo da comunidade é "viver suavemente sobre a terra" - a fim de contribuir o mínimo possível para a futura catástrofe ambiental. A Bolha de Tinker faz parte de um universo crescente de comunidades do gênero, todas elas vinculadas por uma disciplina digna do São Benedito histórico.

É fácil zombar do ambientalismo radical. As suas projeções climatológicas são muitas vezes duvidosas e, ainda quando são acuradas, não está claro como um punhado de entusiastas poderia evitar o apocalipse vindouro. Mas fazer isso é perder de vista aquilo que tem importância. O movimento verde pode falar a linguagem da ciência, mas o que realmente o impulsiona é um imperativo ético. Ele é uma tentativa de criar uma sociedade na qual algumas escolhas sejam reconhecidas como melhores do que outras, e em que a natureza seja vista como fator de contenção do desejo incontrolado.

Em suma, é uma religião - uma religião sem Deus. É para tais iniciativas espontâneas dos fiéis, e não para os estalos da maquinaria do Estado, que devemos nos voltar a fim de restaurarmos a vida da linguagem das virtudes.

Edward Skidelsky é professor de filosofia na Universidade de Exeter. O seu livro "Ernst Cassirer: The Last Philosopher of Culture" ("Ernst Cassirer: O Último Filósofo da Cultura") será lançado em breve pela editora Princeton University Press.

Tradução: UOL

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Pensadores Brasileiros - Roberto Campos

Em berço esplêndido
Roberto Campos
Domingo 16 de janeiro de 2000

A recente republicação pela Editora TopBooks, do livro do embaixador Meira Penna 'Em Berço Esplêndido' constituiu para mim uma festa cultural de fim de ano, pela espantosa erudição do autor, um corajoso defensor do liberalismo.

Dizia o filósofo Schopenhauer que os primeiros 40 anos da vida humana são 'o texto'; os 30 subsequentes são 'comentários''. Nada diz sobre o resto, pois morreu aos 72 anos. Presume-se que a partir dos 70 a gente vire nota de rodapé.

Orgulho-me de que na minha geração do Itamaraty sobrevivem setentões e oitentões que são campeões de erudição, como Oscar Lorenzo Fernandes (economista, matemático, filósofo e historiador), Mario Vieira de Mello (filósofo e cientista político) e José Oswaldo de Meira Penna, proprietário de cultura ecumênica, que vai da filosofia à sociologia, à psicologia e à literatura.

Felizmente, nenhum deles virou nota de rodapé. Infelizmente, nenhum deles atingiu posições de comando na máquina burocrática de nossa política externa. Zelosos de sua independência crítica, nunca se filiaram às 'igrejinhas' que confundiam deformações ideológicas com 'Realpolitik'.

Durante certo tempo, inclusive em fases do período militar, um diplomata 'progressista'' tinha que demonstrar capacidade de saborear um coquetel maldito, com os seguintes ingredientes: uma pitada de anti-americanismo (como uma espécie de machismo residual); uma dose de esquerdismo (suficiente para provar imunidade ao capitalismo liberal); um toque de paranóia desenvolvimentista (apoio à política de informática e ao acordo nuclear com a Alemanha, que gerou mais dívidas que kilowats); um verniz de terceiromundismo custoso e ingênuo (como se a liderança na gafieira compensasse a bola preta recebida no Country Clube).

Esse coquetel seria impalatável para alguém como Meira Penna, que sempre preferiu Adam Smith a Karl Marx, Hayek a Keynes, Yung a Freud, o liberalismo ao socialismo. Em vez de paparicar mitos e preconceitos, dedicou-se ele à tarefa de Eutzauberung (desencantamento ou desmistificação), que Weber considerava prelúdio indispensável da racionalidade econômica.

Foi o que fez em vários livros como os de minha trilogia preferida 'A psicologia do subdesenvolvimento' (1972), 'O espírito das Revoluções' (1997) e o 'Em berço esplêndido', agora revisto em função das grandes transformações trazidas pelo colapso do socialismo.

Solidários na angústia, Meira Penna e eu nos temos preocupado ao longo dos anos com a pergunta irrespondida: por que o Brasil continua pobre e subdesenvolvido? A pergunta é sobretudo vexatória agora que o país completa 500 anos, 107 anos a mais que a primeira colonização inglesa na Virginia, da qual resultou a maior superpotência que o mundo já conheceu.

Com minha deformação profissional de economista, limito-me a explicar nosso atraso em função da 'doença dos ismos': o nacionalismo (temperamental), o populismo (perdulário), o estruturalismo (inflacionário), o estatismo (intervencionista) e o protecionismo (anticompetitivo).

Há inúmeras explicações sociológicas, que enfatizam fatores culturais, como a herança ibérica, ora com pessimismo racial (Oliveira Vianna), ora com uma visão condescendente da miscegenação (Gilberto Freire). Não faltam os reducionistas que recorrem a determinismos raciais ou climáticos, supostamente limitativos das civilizações tropicais.

Meira Penna é bastante original em usar o instrumental de Carl Gustav Yung para submeter nossa história a um exame de psicologia coletiva. Como é sabido, das três grandes vertentes da psicoanálise, Freud enfatiza a libido pansexual, Adler o instinto do poder e Yung o dualismo entre a atitude extrovertida, voltada para o mundo exterior e a atitude introvertida concentrada sobre imagens e sensações interiores.

Meira Penna sublinha com razão a básica polarização da cultura ocidental entre um setor nórdico e um setor mediterrâneo, tendo o primeiro contribuído maciçamente para a expansão técnico/científica, e o segundo para as artes e o humanismo.

Prometeu e Fausto seriam protótipos do primeiro, Epimeteu é Dom Juan, do segundo. Neste continente, os Estados Unidos e os ex-domínios britânicos seriam parte da cultura nórdica, enquanto o Brasil com sua 'civilização morena'' carrega a herança mediterrânea do patrimonialismo afetivo. Contrapõem-se assim a civilização lógico-pragmática com a civilização erótico-intuicionista.

Meira Penna faz uma crítica impiedosa mas salutar dos nossos vícios do familismo paternalista, da dependência do Estado como se fossemos infantes perpétuos, e de nossa inconfiabilidade na execução contratual, em contraste com o pragmatismo racional de nossos irmãos do norte. Este 'sustenta a responsabilidade abstrata do cidadão', facilitando tanto a implantação da democracia como a competição no mercado.

No afã de exemplificar arquétipos junguianos, Meira Penna produziu belas passagens literárias sobre a introversão quase desumana dos personagens de Machado de Assis, capazes de paixões pessoais porém insensíveis a pessoas abstratas, sobre a energia primordial da libido descrita no 'Gabriela, cravo e canela' de Jorge Amado, assim como em dissertações eruditas sobre a simbologia do segundo Fausto de Goethe e do drama shakespereano de Otelo, que simboliza a construção racional por sua sombra Iago, de um ciúme irracional e autodestrutivo.

A desconstrução por Meira Penna de mitos e tabus de nossa cultura morena é uma contribuição importante para nossa transformação 'liberal' tanto em política como em economia.

Mas fica sempre a dúvida cruel: haverá salvação para um país que em seu hino nacional se declara 'deitado eternamente em berço esplêndido' e cujo maior exemplo de dinâmica associativa espontânea é o Carnaval?

ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS
Nascimento: 17/04/1917, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil
Filiação: Waldomiro Campos (professor) e Honorina de Campos
Falecimento: 09/10/2001, Rio de Janeiro, Brasil
Político, economista, diplomata (1939), professor e escritor; Embaixador em Washington e Londres, participa da criação do Banco Mundial e do FMI; Ministro do Planejamento e Coordenação Econômica de Castelo Branco; criador do FGTS; da Caderneta de Poupança e do BNDE; eleito para a ABL, Cadeira 21.

domingo, 7 de setembro de 2008

Folclore de Deus-Paulo Mendes Campos

FOLCLORE DE DEUS
Paulo Mendes Campos

Para Deus, tudo dos homens é o mesmo folclore: o cego Deraldo e Goethe, o inventor da roda e Einstein, Vitalino, de Caruaru, e Rodin, a Saudade de Ouro Preto e a Heróica; Lampião e Napoleão são rimas aos ouvidos de Deus.

O sabugo de milho vira foguete nas mãos do menino, mas o foguete vira sabugo nas mãos transespaciais de Deus.

Para Deus, tudo dos homens é a mesma simplicidade:

Paulo corre atrás da bola; Eva Curie viu a ave; vovô Freud viu o ovo.

Deus acha graça em todos os elementos.

Há doenças dispendiosas que se tratam anos a fio em hospitais suntuosos; há homens fortes que (só) carregam nos estádios o secreto câncer de viver; mas para Deus todas as doenças são dores de cabeça.

Para Deus, todos os homens são pobres: mendigos das esquinas de Wall Street, indigentes dos cartéis de aço, flagelados dos subterrâneos petrolíferos; mas Deus prefere os pobres sinceros, e os faz invisíveis.

Deus é o único hipnotizador: crescei e multiplicai-vos.

E os homens inventam passagens sobre e sob o rio, semânticas, paixões assassinas; de mãos cruzadas o olhos estarrecidos, a gente acorda.

Deus é a moeda clandestina em um país estrangeiro: pobres de nós se confundimos a sua efígie de ouro de lei com o perfil niquelado de César.

Para Deus, todos nós somos loucos metidos em camisas de onze varas: sobre os ombros do paciente ele corteja os graus da certeza neurótica do analista.

O que seguras em tua mão é aquilo que te prende; o que possuis é aquilo que te priva; mas Deus diz: bebe a água sem bebê-la; anda por toda a parte sem ir a parte alguma.

Na semente, Deus é a árvore; na árvore, Deus é a semente.

Onde a palavra começa, a palavra acaba, e aí está Deus.

Para Deus, todos os homens levam nos bolsos objetos escondidos: selos antigos, uma esfera de aço, um anzol enferrujado, um canivete sem folha; por isso é preciso, de pena de nós mesmos, fazer força para não chorar.

Pois todo menino enterra seu tesouro.

Deus é a luz, e assim a energia é a matéria multiplicada pelo quadrado da velocidade de Deus.

Deus dá nozes a quem tem dentes: ao funâmbulo estende as cordas; o sofrimento, Deus dá a quem tem alma; a alegria, essa Deus a reservou a quem não tem nada.

Deus é o grande madrugador: ele estava de pé entre folhagens portentosas na aurora do mundo; e ele andava em ti enquanto dormias.

Mas Deus é também o grande boêmio: ele passou por tua noite quando bebias teu penúltimo copo de vinho; talvez não o viste, mas todos os teus sentidos se alertaram, e bebeste um gole inquieto e enxugaste o teus lábios com o dorso da mão e sentiste saudade de tua casa.

Deus é a chave de ouro do poema; mas as outras 13 chaves pendem de teu chaveiro; e os metais de tuas chaves abrem aposentos de frustração, onde não te encontras.

Deus é o guardião, a zaga, o meio apoiador, o ponta-de-lança e o entendimento misterioso entre as linhas; o ferrolho não prevalecerá contra ele; por isso as multidões vibram com seu virtuosismo.

Para ele, o homem primitivo será o último homem, e o primeiro homem foi o único sábio.

Sendo o centro do círculo, todos os pontos que formam o tempo são eqüidistantes de Deus.


PAULO MENDES CAMPOS

Nascimento: 28/02/1922, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Falecimento: 01/07/1991, Rio de Janeiro, Brasil

O jornalista, poeta e tradutor Paulo Mendes Campos (1922- 1991) nasceu em Belo Horizonte e ficou conhecido como um dos "Quatro Cavaleiros de um íntimo Apocalipse", ao lado de Fernando Sabino, Hélio Pellegrino e Otto Lara Resende. No passado, os quatro escritores e amigos se reuniam para trocar informações e, depois, percorriam juntos as ruas da capital mineira, fato que deu origem ao apelido do grupo.