quarta-feira, 31 de outubro de 2012

SÃO JOÃO BOSCO E AS ELITES

Leo Daniele – in IPCO

Por que o socialista, o igualitário, o "chinfrim",
odeiam as elites e esbravejam contra elas? Veja o
que diz São João Bosco
“A obra de São João Bosco rompia o antagonismo profundamente arraigado em relação às classes superiores. Esse antagonismo, com agitadores, livros, jornais e representações teatrais, procurava influenciar as multidões.” Assim se exprimia um dos melhores biógrafos do grande santo que foi Fr. Giovanni Battista Lemoyne, S.D.B., mostrando como este homem de origem modesta prezava as elites.[1]
Para esclarecer esse gênero de problemas, impossível imaginar melhor que recorrer aos ditos de alguém como S. João Bosco, o fundador da ordem dos salesianos, insuspeito também porque filho de uma família de camponeses (1815-1888). Prosseguia o biógrafo:
“Os filhos de operário puderam verificar por eles mesmos as mentiras dos revolucionários. Gradativamente, compreenderam a sabedoria de Deus permitindo que os homens nascessem em condições sociais diversas. Ficou claro para os meninos que o rico e o pobre necessitam um do outro e que ambos foram criados por Deus para sua gloria”.
Nos nossos dias, defender as elites é algo que pode oferecer aspectos um tanto incômodos para quem o faz. Ouvindo a palavra “elite”, alguém pode imaginar tais ou quais pessoas viciosas, medíocres ou antipáticas; e assim afasta com rapidez o pensamento que se delineava. Entretanto, não se trata de defender ou atacar pessoas, mas de guardar ensinamentos como o de São João Bosco, resguardando o princípio de que deve haver desigualdades entre os homens.
Essa raiz de desigualdade é tão forte no homem que, salvo exceções, ninguém quer ser comum, ordinário. Ninguém salvo o igualitário quer que todas as coisas sejam comuns, ordinárias.
Ensina Dr. Plinio: “Toda elite desfruta dos privilégios e das vantagens que tem, não principalmente para a vida agradável e suave daqueles que a compõem, mas para o serviço inteiro da sociedade. E esse serviço supõe que a elite esteja disposta aos sacrifícios necessários para cumprir sua missão, que por certo inclui a disposição generosa, em alguma medida, dos bens temporais para ajudar os que necessitam. Não é, porém, somente a generosidade material que se pede das elites. Eu ousaria acrescentar que nem sequer é o principal. O homem de elite seja qual for o tipo ao qual pertence essa elite tem a principal responsabilidade, ou a principal missão, de dar-se a si mesmo ao bem comum”.[2]
Termino com uma pergunta que deixo no ar: por que o socialista, o igualitário, o “chinfrim”, odeiam as elites e esbravejam contra elas? Será só, ou principalmente, pelos aspectos financeiros? Ou há mais algo?
[1] Rev. Fr. Giovanni Battista Lemoyne, S.D. B. The Biographical Memoirs of Saint John Bosco (New Rochelle, N.Y.: Salesiana Publishers, 2005), Vol. V, pp. 26-27.
[2] Conferência pronunciada em 6-5-1968.

PARA REFLETIR COM FERNANDO PESSOA


terça-feira, 30 de outubro de 2012

CARLOS BERBET FALECEU

Nunca se perde sem grande dor o que se possui com muito amor!

Hoje é dia triste que ficará indelevelmente registrado na minha memória. Faleceu nesta madrugada um grande e querido amigo, com quem compartilhamos momentos felizes de convivência fraterna. Faleceu meu sogro Carlos Berbet, complicações pós-operatória para aplicação de cateterismo, ceifou a vida do ente querido.
Lembro-me, durante os mais de 20 anos de convivência, das reuniões familiares que realizávamos em sua residência, para saborearmos um delicioso churrasco regado com cerveja e os mais variados refrigerantes, para as senhoras e crianças.
Era um homem de palavras e gestos simples, ao mesmo tempo profundo. Sempre me visitava em minha casa e a conversa girava sobre os mais variados temas, contava as pitorescas façanhas enfrentadas com colegas de trabalho no DER, onde se aposentou como vigia e dissertava passagens bíblicas com sabedoria e discernimento, pois era temente a Deus.
Hoje em dia os valores como honestidade, fidelidade, integridade, sinceridade, verdade e justiça estão sendo cada vez mais repugnados, ultrapassados, pois vivemos em um mundo onde ser honesto é sinônimo de pessoa tola. O pensamento é que o agir retamente é apenas para os fracos, e que os espertos são aqueles que se utilizam de meios inescrupulosos, praticando a corrupção. Carlos Berbet sempre foi um homem correto e justo, praticava o bem, com palavras carinhosas de compreensão, de consolo e, quando preciso, de repreensão.
Senhor, arrebataste do nosso convívio quem era muito querido pelos familiares e do rol de grandes amigos.

Dê-lhe Senhor o descanso eterno

IDADE MÉDIA FOI NOITE ESCURA?

L. M. (Salvador): “A Idade Média terá sido, em virtude da predominância da religião católica, um período de obscurantismo?

A Idade Média é por vezes considerada qual «noite de mil anos» que se abateu sobre a civilização, constituindo, pela barbárie e ignorância de seus homens, verdadeira mancha no decorrer da história.
É o que, conforme alguns autores, a própria designação «Idade Média» deveria incutir. Esta foi forjada pelos humanistas do séc. XVI, que com tal denominação queriam caracterizar o período da língua latina que vai da idade clássica antiga ao Renascimento da mesma no séc. XVI; entre duas épocas áureas estaria uma fase intermediária ou «média», fase apagada ou decadente na história do idioma latino. Em 1688 o historiador alemão Cristóvão Keller (Cellarius) na sua «História Medii Aevi» (História da Idade Média) adotou pela primeira vez o nome no setor da história da civilização — o que dava a entender que o período decorrente entre a Idade Antiga e a Renascença foi igualmente uma época apagada e decadente.
Nem todos os autores, porém, concordaram com tal modo de ver. O historicismo do século passado tinha a Idade Média na conta de período cheio de realizações construtivas. 
Vejamos o que há de objetivo nestas diversas apreciações. 
1) O período antigo ou greco-romano da civilização termina com a ruína do Império Romano, o qual cedeu aos golpes das invasões bárbaras (Roma caiu em 476). A Europa e a África Setentrional foram ocupadas pelos germanos invasores que, após haver derrubado as instituições antigas, eram incapazes de construir a vida social, pois careciam de valores culturais correspondentes. Ora, tendo desaparecido a figura do Imperador no Ocidente, a única autoridade capaz de tomar as rédeas da situação europeia dos séc. V/VII era a autoridade eclesiástica: o Papa, então, os bispos e os monges se puseram a preservar da perda total os valores da civilização greco-romana, utilizando-os na confecção de nova síntese cultural.
Não há dúvida de que a Religião Católica foi altamente benemérita neste trabalho de reconstrução; criaram-se valores e instituições de vulto no início e no decurso da Idade Média. Detendo-nos apenas na história da educação e da cultura, devemos mencionar que foram os clérigos e monges que asseguraram o ensino primário nas escolas catedrais, monacais e palatinas (isto é, erguidas respectivamente junto a uma igreja catedral, a um mosteiro, a um palácio de rei). 
Eis alguns documentos a propósito:
Teodulfo, bispo de Orléans no séc. VIII, promulgou a seguinte lei: 
«Os sacerdotes mantenham escolas nas aldeias, nos campos; se qualquer dos fiéis lhes quiser confiar os seus filhos para aprender as letras, não os deixem de receber e instruir, mas ensinem-lhes com perfeita caridade”. Nem por isto exijam salário ou recebam recompensa alguma, a não ser por exceção, quando os pais voluntariamente a quiserem oferecer por afeto ou reconhecimento» (Sirmond, Concilia Galliae II 215).
Este decreto passou verbalmente para as legislações eclesiásticas da Inglaterra. Frequentemente os concílios regionais dos séc. VIII/IX repetiram semelhantes normas. O III concilio ecumênico do Latrão em 1179, por sua vez, lavrou o seguinte cânon:
 “A Igreja de Deus, qual mãe piedosa, tem o dever de velar pelos pobres aos quais pela indigência dos pais faltam os meios suficientes para poderem facilmente estudar e progredir nas letras e nas ciências. Ordenamos portanto que em todas as igrejas catedrais se proveja um benefício (rendimento) conveniente a um mestre, encarregado de ensinar gratuitamente aos clérigos dessa igreja e a todos os alunos pobres” (can. 18, Mansi XXII 227s).
Também o ensino superior na Idade Média se ministrava por iniciativa, ou ao menos sob a tutela, de bispos e príncipes cristãos. As primeiras Universidades foram fundadas por volta de 1100. Constituem uma das criações mais originais e valiosas da Idade Média: no período greco-romano cada filósofo e cada mestre de ciências tinham sua escola — o que implicava justamente no contrário de uma Universidade. Esta na Idade Média reunia mestres e discípulos de várias nações, os quais constituíam poderosos focos de erudição. Até 1440 foram erigidas na Europa 55 Universidades e 12 Institutos de ensino superior, onde se ministravam cursos de direito, medicina, línguas, artes, ciências, Filosofia e Teologia. Em 1200 Bolonha contava dez mil estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais, espanhóis, catalães, ingleses, germanos, etc.). O Papa Clemente V, no concílio de Viena em 1311, mandou que se instaurassem nas escolas superiores cursos de línguas orientais (hebreu, caldeu, árabe, armênio, etc.), o que em breve foi executado em Paris, Bolonha, Oxford, Salamanca e Roma.
 Poder-se-iam multiplicar dados deste gênero. Estes, porém, já dão a ver que a Idade Média não foi alheia à cultura, justamente em virtude da influência da Igreja que nela se exerceu.
2. É preciso, porém, reconhecer uma particularidade da ciência medieval: os homens da época careciam do aparato técnico necessário a experiências e investigações precisas; o seu horizonte geográfico e astronômico também era bastante restrito. Sendo assim, a ciência medieval era levada não raro a julgar os fenômenos segundo a sua aparência e pouco habilitada a exercer o senso crítico. Outra consequência da penúria de meios de observação é que os cientistas medievais procediam por dedução mais do que por indução; não podendo formular as leis da natureza na base de experiências exatas físico-químicas, os medievais as formulavam recorrendo a princípios especulativos, abstratos, dos quais julgavam poder deduzir a explicação dos fenômenos da natureza. Este trabalho, porém, era em alta escala sujeito a erro: os medievais não raro julgavam (e nisto se enganavam) que a Bíblia Sagrada podia ser utilizada para elucidar não somente questões teológicas, mas também temas de ciências profanas, de sorte que, na falta de outros critérios, apelavam para a Escritura a fim de resolver problemas de ordem biológica, astronômica, etc. haja vista o que ainda no séc. XVII se deu no caso «Galileu».
 Deve-se sublinhar que tal atitude se devia em grande parte à falta de instrumentos precisos para a investigação da natureza (falta bem compreensível na Idade Média, já que o homem só aos poucos progride na conquista do mundo que o cerca). Não seria justo dizer que os cristãos medievais tinham medo da ciência empírica e que as autoridades eclesiásticas travavam os estudos a fim de evitar conflitos de ciência e fé; entre os pioneiros dos avanços científicos medievais contam-se eclesiásticos, monges e cristãos de valor, como Sto. Alberto Magno O.P., Rogério Bacon O.F.M., João Peckam O.F.M. (arcebispo de Cantuária), Dietrich de Freiberg O.P., Jordão Nemorário, Guilherme de Moerbeke O.P...
Muito significativo é um dos últimos depoimentos sobre o assunto, proferido em 1957 por um grupo de estudiosos que, sem intenção confessional alguma, escreveu a história da ciência antiga e medieval: «Parece-nos impossível aceitar a dupla acusação de estagnação e esterilidade levantada contra a Idade Média latina”. Por certo a herança (cultural) antiga não foi totalmente conhecida nem sempre judiciosamente explorada;... mas não é menos verdade que de um século para outro — mesmo de uma geração a outra dentro do mesmo grupo — há evolução e geralmente progresso”.
 A Igreja... na Idade Média salvou e estimulou muito mais do que freou ou desviou. Por isso, embora só queira apelar para a Antiguidade. “A Renascença é realmente a filha ingrata da Idade Média» (La science antique et médiévale. sous la direction de René Taton, Presses Universitaires de France, Paris 1957, 581s).
Em particular, com referência ao fato de que só a partir de fins do séc. XIII se começaram a fazer dissecações e observações em cadáveres, humanos, dizem os mencionados estudiosos:
«Como quer que seja, não se poderia aceitar a opinião um tanto simplista segundo a qual a Igreja teria sido «a grande responsável da estagnação dos estudos de anatomia» (ibd. 580)
Estes testemunhos tão insuspeitos levam a concluir que as crenças cristãs dos homens medievais não prejudicaram a cultura humana, antes a favoreceram, apesar das consequências errôneas que em matéria de ciências os medievais julgavam por vezes dever deduzir da sua fé. Dê o observador muito maior atenção a outra faceta da cultura medieval: a capacidade humana de especulação filosófica parece ter atingido então o auge de sua clareza e agudez, criando as famosas Sumas de lógica, ontologia, metafísica da Idade Média. Estas obras, continuando as dos grandes pensadores gregos (principalmente de Aristóteles), até hoje são monumentos perenes, não ultrapassados, da cultura humana. É, sem duvida, este aspecto positivo que merece preponderância numa apreciação objetiva da Idade Média.

Dom Estêvão Bettencourt (OSB) in Católicos Online

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DANIEL, COM O REGISTRO DEVIDO

“A imitação perfeita é plágio perfeitamente disfarçado” (Gudé).

Por José Eugênio Maciel
Ponta Grossa, cidade querida
com seus vastos pinheirais
do Paraná é a princesa
Princesa dos Campos Gerais
 (...)
Suas praças sempre floridas
são eternas primaveras
e a cidade, que beleza encerra
é do Brasil, - minha terra!
(...)
Ponta Grossa (Revista O ver o mundo)
             O nome, palavra Daniel, tem origem etimológica do hebraico, é bíblico, a significar “Deus é o meu juiz”, e no sentido de “gostar de ser útil”. Significado e sentido que amoldam o que foi a vida de Daniel Kravchychyn, 83 anos, advogado e cartorário. Sempre pronto, disposto, compenetrado, elegante e galã, também não perdia a oportunidade para contar os seus causos, dar gargalhadas. Tinha prazer em amealhar e cultivar amigos, os enaltecia notadamente na ausência deles, agindo com fraternidade sem que carecesse de estenderem as mãos, tal gesto primeiro partia dele. Daniel conciliava trabalho árduo realizado com esmero cartorial marcado pelo profundo conhecimento das leis, com a confraternização, bastava um sorriso e um abraço para a alegria se expandir, Daniel “bebeu muitos goles da vida”, com intensidade e renovação ímpares.
         Na terça-feira passada Daniel encerrou o ciclo vital. Passou a rumar para o infinito. Nos preparativos dessa viagem ele se despediu atenta e afetuosamente dos filhos, netos, familiares, os saudando como magnânimo paternal, assim como dos seus muitos amigos. Amizades constituídas a partir dos anos 70 quando aqui se estabeleceu como cartorário e logo galgou conceito em vista de ser exemplar servidor, se conduzindo com presteza e fé pública notáveis da sua proba carreira. Afeiçoou-se edificantemente a Campo Mourão, cidade na qual presenciou, apoiou e fez parte positivamente da história.
          É possível supor que ele faça uma parada providencial, Ponta Grossa: lá abraçará a todos com a imensidão dos braços das araucárias repletas de pinhas, altaneiras e imponentes nos vastos Campos Gerais, amor primeiro e inseparável. Lá exerceu quatro mandatos de vereador e presidiu o Legislativo, se tornando desde muito jovem uma liderança política caracterizada pela típica vocação para as funções públicas. A destacada atuação levou o então governador Paulo Pimentel a convidá-lo para ser o chefe de gabinete, tendo aceitado com o objetivo primordial, a causa pública. A amizade entre ambos permaneceu como laço tão forte que, em todas as campanhas eleitorais, em Campo Mourão, sendo o Paulo candidato, lá vinha o doutor Daniel pedir o voto para ele.
         Ponta Grosa e Campo Mourão não dividiram jamais o coração do Daniel. Pelo contrário, foi ele a soma de um sentimento uno, lugares onde ele encontrava os seus amigos, raízes fecundas nutridas por muitas histórias. Lembro-me do Diário dos Campos ou do Jornal da Manhã, jornais ponta-grossenses que assinava para se manter informado e atento aos acontecimentos da sua terra, era rotineiro trazer para os meus saudosos pais (Eloy e Elza) alguma notícia daquele lugar de onde todos vieram.
         No dia da despedida derradeira a chuva caiu intensa em Campo Mourão e Ponta Grossa, primeiramente para arrefecer o calor elevado, águas que caíram para renovar a vida, afofar, encharcar a terra, correram livres pelos campos – Mourão e Gerais – inclusive pelas vias lisas e planas da nossa cidade ou nos aclives com paralelepípedos da Princesa.
         Realizadas as despedidas nas mencionadas paradas, Daniel concluirá o itinerário e aportará seguramente ao lado da inesquecível e generosa Dona Rose, para serem sempre lembrados como seres amados.