quarta-feira, 10 de outubro de 2012

ECOS DA FAMIGERADA PLACA NA AMAN

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 10 de outubro de 2012

Senhor, umas casas existem, no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta, se levantam para obedecer. De noite, a outro toque de corneta, se deitam obedecendo. Da vontade fizeram renúncia como da vida. Seu nome é sacrifício. Por ofício desprezam a morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmo são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de a celebrar. Quando eles passam juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por militares... Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem; como se os cobres do pré pudessem pagar a liberdade e a vida. Publicistas de vista curta acham-nos caros demais, como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam guardando a Nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço de sua sujeição, eles compram a liberdade para todos e os defendem da invasão estranha e do jugo das paixões. Se a força das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram, algum dia o farão. E, desde hoje, é como se o fizessem. Porque, por definição, o homem da guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai coragem, e à sua direita a disciplina. 
(MONIZ BARRETO - Carta a El-Rei de Portugal, 1893).
Mensagem do Coronel Jorge Alberto Forrer Garcia
Prezados amigos, saudações. 
O pior é que vai ficar tudo por isso mesmo. Houve um pedido de desculpas? “Santa Subserviência”, como diria o Robin do Batman. 
Estou pensando em entrar com uma ação judicial, dessas indenizatórias, pelos “esporros” que levei no Curso Básico (mudaram a minha personalidade, deixando-me mais ágil e atento às coisas... mas não deixam de configurar, como se fala hoje em dia, verdadeiro “assédio moral”). Quantas vezes fizeram-me descer as escadas das alas ao pátio ainda vestindo minha roupa? Foi ali que me ensinaram que “um cadete calçado é um cadete vestido”, pois, estando com os sapatos já amarrados, eu vestia o que faltava a cada lance escadas. Verdadeiro tratamento degradante. 
Ainda antes do Curso Básico, na Escola Preparatória, levei uma prisão de 10 (dez) dias por chegar atrasado na volta de um licenciamento. O capitão comandante da companhia não quis saber que o ônibus, um “Cometão”, havia sido parado numa barreira fiscalizatória do próprio Exército, nas imediações da cidade paulista de Registro. Era o ano de 1973. Perdemos cerca de três horas na barreira... e eu perdi o horário de chegada na Prep. O capitão, numa clara atitude antidemocrática, não considerou meus argumentos e nem me concedeu o direito do contraditório. Foram 10 (dez) dias na cela. Uma verdadeira tortura, embora assim me tenha sido mostrado o valor fazer um quadro-horário considerando a pior hipótese. Quero indenização por esses dez dias preso, afinal fui punido por causa de uma ação de fiscalização feita por tropas da Ditadura Militar. 
Lembro-me da piscina da AMAN, onde oficiais verdadeiramente sádicos insistiam em fazer nadar um não nadador (NN) como eu. Afinal, queriam aqueles oficiais – numa atitude puramente não democrática – influenciar em minha decisão pessoal de não querer aprender a nadar (como se fosse possível para um aspirante do Exército receber sua espada sem saber nadar...). Alguns instrutores, ainda mais sádicos, obrigavam eu saltar da plataforma de 10 (dez) metros, enquanto, como motivação, acenavam com a espada de oficial. Eu, que tinha medo de altura (nem sei como saí paraquedista) era submetido a esse degradante tratamento. Saltei, mas a contragosto. Quero indenização. Fui torturado. 
Certa vez, oficiais instrutores – sem imaginação – obrigaram-me a participar de uma semana de exercícios físicos alucinantes – principalmente pela privação do sono – chamados de Operação FIT. Choveu bastante e eu ali, vestido com aquele ineficiente poncho, marchando, marchando, marchando... com os pés pesando 3 (três) quilos cada um, por conta da lama grudada. Era nesse tipo de exercício que eu perdia minha identidade, era desprovido de minha alma, negando o meu próprio “eu” e obrigando-me a aprender a trabalhar em equipe. Sem contar que precisei amparar-me em um companheiro na hora de nadar atravessando uma represa. Sinceramente?  Eu preferia ter ficado na sede, talvez participando de um seminário não presencial de reflexão sobre direitos humanos. 
Pelas verdadeiras agressões físicas por parte de oficiais da SIEsp (que, não tendo atingido seu intento de eliminar-me, do exercício, é claro, mostraram que eu podia suportar sofrimento para além do que eu conhecia sobre mim mesmo...). Lembro-me bem de uma surra que levei com um rolo de cartas dentro de um caminhão REO. Foi muito deprimente para a minha condição de cidadão brasileiro. Isso não é a tal “periclitação da vida”? 
Depois, no Curso de Cavalaria, fui obrigado a limpar estrume da cavalhada; montar cavalos “psicóticos” que deixavam minha “mantissa” machucada, quando não me mordiam nas costelas ou me levavam – a comando – para lugares ignotos, fazendo-me sofrer depois o “bullyng” por parte dos coleguinhas. Os muitos sustos que levei na instrução de explosivos e nos tiros de morteiro. Tudo isso deformou minha personalidade para sempre.
Outros sofrimentos deploráveis pelos quais passei foram as repetidas vezes em que me fizeram dirigir ou ser conduzido naqueles indefesos “jipinhos”, que nem cinto de segurança tinham. E quando “me jogavam” dentro daqueles carros blindados, ora para pilotá-los, ora para dar tiros ensurdecedores... Tudo isso prejudicou-me fisicamente, pois, até hoje, tenho a audição diminuída... e não me digam que é pela idade avançada. Acho que, pelo tratamento desumano, mereço uma indenização, já que vivemos a época do “eu mereço”.
Foi na AMAN que me ensinaram uma História do Exército Brasileiro com a qual convivi cerca de quarenta anos. Faziam-nos estudar, e, pior ainda, nos cobravam em provas. Embora os professores fossem oficias de elevado gabarito, acho que me ensinaram uma história falsa, haja vista que o Exército de hoje recentemente a renegou.
Foi na AMAN que eu fui forçado a cultuar um letreiro onde estava escrito “Cadetes! Ides comandar. Aprendei a obedecer”. Acho que certo estava um colega que discordava desse texto. Ele dizia: “Cadetes! Ides comandar? Aprendei a comandar”. Infelizmente, esse companheiro não terminou os 4 (quatro) anos de tortura. Saiu antes do fim.
Resumindo, sofri muito na AMAN devido ao seu arcaico sistema de ensino. Hoje, sou um subcidadão, de personalidade deformada, rejeitado por minhas opiniões, e, como demonstra muito bem o recente aumento salarial que me foi concedido, sou um pária, com uma sensação crescente de “despertencimento” à Instituição.
Mas com a indenização que vou pedir... vou me dar bem.
Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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