domingo, 21 de setembro de 2008

Caminho do Peabiru

História

Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Caminho nos dias atuais está modernizado e perdeu o formato “escavado”
Antropologia

A verdadeira autoria do Peabiru

Há muito tempo se fala do caminho e de seus ramais, que foram usados por índios, exploradores espanhóis, tropeiros e bandeirantes. Mas apenas estudos recentes têm demonstrado o real traçado do Peabiru e quem, de fato, foi o seu criador

Publicado em 20/09/2008 | Pollianna Milan

O caminho do Peabiru, representado nos mapas como sendo aquele que começa no litoral de São Paulo e atravessa o estado do Paraná, até chegar ao Paraguai, é apenas uma demonstração hipotética. Nunca foi efetivamente comprovado que a estrada original seria esta, assim como outro ponto bastante polêmico sobre o assunto: a quem pertence a autoria do Peabiru? Aos índios tupi-guaranis, aos incas ou a um terceiro grupo? O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Igor Chmyz, da área de pós-graduação em Antropologia Social, estuda o Peabiru desde a década de 70 e, neste ano, tem apresentado algumas conclusões a que chegou durante os quase 40 anos de pesquisa.
A primeira resposta é a de que muitos autores têm defendido, erroneamente, que o caminho foi criado pelos índios tupi-guaranis. Na verdade, a autoria deve ser dada aos índios do tronco Macro-Jê, que são conhecidos por Jê.
Influência dos espanhóis, tropeiros e bandeirantes
Não há dúvidas sobre a existência do Peabiru – o caminho que foi criado e usado pelos índios. O traçado original, entretanto, ainda é uma incógnita. Sabe-se que os caminhos ligavam uma tribo a outra, mas que sofreram modificações ao longo dos anos com a chegada dos dominadores espanhóis, dos tropeiros e dos bandeirantes. Todos eles podem ter usado o trajeto, entretanto, também podem ter aberto outros ramais que até então não existiam, deturpando o que originalmente é o Peabiru. O Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na Comunidade dos Municípios de Campo Mourão (Necapecam) tem trabalhado para conseguir levantar mais informações sobre o caminho e ainda sobre como viveram esses índios.
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A antropologia, ciência que estuda não apenas as evidências encontradas em sítios arqueológicos, mas o contexto deles no tempo, já conseguiu comprovar que os índios Jê começaram a aparecer no Paraná há 4 mil anos; já os tupi-guaranis apareceram dois mil anos depois. Esse fato comprova um dado interessante. Jê e guaranis eram inimigos, mas os primeiros conseguiram se espalhar por todo o interior do Paraná, por meio dos caminhos porque, ao chegar antes, não encontraram empecilhos (inimigos) para dominar as terras. Somente mais tarde tiveram de entrar em confronto com os guaranis que por aqui chegavam.
Ao estudar as características de cada tribo indígena, Chmyz encontrou uma outra relação dos sítios arqueológicos com o Peabiru. Os índios Jê tinham como prática se comunicar entre aldeias por caminhos. Ao passo que o tupi-guarani utiliza o percurso fluvial, porque são essencialmente navegadores. “Esses últimos chegaram a usar os caminhos em busca da lendária Terra Sem Mal, mas não foram os criadores dele”, explica.
A confusão sobre a autoria do caminho ainda ocorre porque ambos os grupos indígenas eram ceramistas e produtores de alimentos agrícolas. O detalhe é que as cerâmicas dos Jê são semelhantes a um jarro afinado e as do guarani são mais arredondadas. As cerâmicas produzidas pelos Jê foram encontradas em tribos que eram ligadas pelos caminhos, assim como as cabanas que eram produzidas por eles. Os Jê construíam casas cavando o chão, com buracos circulares de até 12 metros de diâmetro e três metros de profundidade para se proteger do rigor do inverno. “Importante notar que o caminho, na sua versão original, era valado. Tinha uma fundura de 40 centímetros e 1,4 metro de largura. Os Jê tinham o costume de cavar”, comenta Chmyz.
A hipótese de que o Peabiru pode ter sido criado pelos incas é totalmente descartada pelo pesquisador. Igor Chmyz explica que os incas aparecem por volta do século 12 nas imediações do lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia. Porém, apenas no apogeu, isto é, no século 14, é que eles expandem o Império que chega a atingir o norte da Argentina, Chile e sobe até a Colômbia – quando foi implantado o sistema de caminho deles. “Isso quer dizer que os nossos, nesta época, já existiam.” As peças encontradas no Peabiru, que são associadas aos incas, provavelmente foram trazidas pelos viajantes do século 16, que também usaram o Peabiru. “Essas peças devem ter se perdido no caminho, porque o retorno dos viajantes era tumultuado. Eles eram perseguidos pelos índios e alguns acabaram morrendo a flechadas.”
Início
A datação histórica do Peabiru é imprecisa, mas sabe-se que o trajeto foi muito usado pelo espanhóis que estavam dominando o interior do Paraná. Nessa época, o caminho passou a ser usado como opção para os exploradores chegarem ao Paraguai. Documentos como os deixados pelo espanhol Álvar Nuñez Cabeza de Vaca mostram que o colonizador usou o Peabiru com a ajuda dos tupi-guaranis. Cabeza de Vaca chegou à costa do Oceano Atlântico e encontrou os guaranis que lhe auxiliaram na missão de chegar até Assunção, no Paraguai. O documento mostra que Cabeza de Vaca entrou por Santa Catarina, chegou ao Paraná, passou pelos campos de Curitiba, seguiu por Castro mas, ao chegar perto de Cascavel abandonou o tronco principal do caminho e pegou um secundário. “Por que ele abandonou o ramal? Justamente porque aquele trecho era dominado pelos índios Jê. Como Cabeza de Vaca era guiado pelos guaranis (os inimigos), ele pode não ter se sentido seguro para seguir adiante. Então muda o percurso. Eis mais uma prova de que os Jê estavam na região”, comenta o professor.
A criação do Peabiru deve ter acontecido antes de 1480, pelos cálculos de Chmyz. Ele chegou a esse resultado quando fez escavações nos túmulos dos índios Jê e encontrou fragmentos de escória mineral, isto é, ferro fundido. “Sabemos que os índios não fundiam ferro, mas devem ter incorporado isto ao ritual de cremação deles pelo significado que aquilo tinha com o europeu”, diz. O curioso é que perto das tribos Jê, na região conhecida como Guairá, mais especificamente na Vila Rica e Ciudad Real – onde estavam os dominadores espanhóis – havia a fundição de ferro para a fabricação de instrumentos agrícolas usados nas reduções jesuítas. “A data de 1480 não bate com a presença do ferro fundido ali, mas se somarmos a datação do carbono 14, que tem uma margem de erro de mais ou menos 95 anos depois de Cristo, chegamos à data de 1575. A Vila Rica do Espírito Santo foi fundada em 1570 e a Ciudad Real em 1554.”
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Serviço
Informações contidas no texto também foram coletadas no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na Comunidade dos Municípios de Campo Mourão (Necapecam).
Fonte: Gazeta do Povo

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