segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O ARQUITETO DA MENTIRA

"Os mais nocivos mentirosos
são os que resvalam na orla da verdade.”
J. L. Hare, Guesses at Truth

Waldo Luís Viana (*)

A mentira, sem dúvida, possui uma estética, um ritual. A palavra “estética” vem do grego e significa “eu sinto”. Por conseguinte, a estética da mentira, o seu sentido, tem como propósito afetar diretamente nossa sensibilidade e nos convidar a não resistir...Um cultor da mentira como estética era Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler, que aconselhava: "uma mentira, repetida mil vezes, acaba se tornando verdade", no que relembrava Voltaire, que, no século XVIII afirmava: "caluniai, caluniai, alguma coisa fica."


Contra essa estética viciosa, insurgiu-se, por sua vez, Sir Bertrand Russell, quando assinalou: “uma mentira, repetida por 50 milhões de pessoas, continua sendo uma mentira.”

No Brasil, temos hoje um povo que só deseja acreditar, sem reservas, em Lula. É atraído profundamente pela figura carismática do presidente, que entra pelos sentidos, participa do dia-a-dia de todos e procura afirmar-se como um pai, como Getúlio Vargas desejou ser no passado.

O presidente fala sem intermediários ao povo, que, sem nenhum exagero, procura se ajoelhar diante dele, como se fosse um mito, mesmo que aquele lhe ofereça apenas promessas, mentiras e migalhas.


As elites, por seu turno, também adoram Lula, lavando as mãos diante dele, porque “nunca na história deste país” ganharam tanto dinheiro, beneficiando-se com as políticas do governo, que jamais remexeram nos juros altos, capitais voláteis, superávits primários e no poder dos bancos. Já se disse, inclusive, que o governo Lula não passa de um governo Fernando Henrique com cesta básica...

Somos testemunhas de que quem já mentiu antes (“eu não sabia de nada!”), mentirá com muito mais convicção depois, tentando inclusive se convencer da própria mentira. Lembram-se da frase já clássica de José Dirceu: “estou quase convencido de minha inocência”? Nem Goebbels, em pleno regime nazista, faria melhor...

O povo, porém, embora soberano e pretensamente sabedor do que quer, percebe por intuição que tudo o que começa errado pode, um dia, terminar errado.

Afinal, existe cura para as patologias de nosso Congresso e de nossas elites?

Certamente que não.

Do mesmo modo, se aplicarmos as leis da entropia ao mundo social, sabemos que tudo muda preferencialmente para pior, quando as condições permanecem como estão.

E a situação real do povo, a desesperança e o desalento, acabarão por predominar a longo prazo, apesar da propaganda.

A mentira não sobrevive aos enormes períodos!

Mesmo que venham por aí – como sempre – o Natal, o Carnaval e a Copa do Mundo (e as eleições gerais no país coincidem de propósito com o certame mundial!), as eleições de 2010 repetirão o mesmo modelo viciado e alienante que manterá tudo como está: serão eleitos deputados e senadores que têm muito dinheiro, domínio da mídia (o que é a mesma coisa) e representem os interesses das elites que neles investem.

A estrutura de corrupção permanecerá intacta, montadinha e sem fissuras, apesar da Polícia Federal, do Ministério Público e da Receita, que são instituições beneméritas do Estado, mas não têm força para combater o que está estabelecido e estabilizado no país.

Após as eleições, os corruptos ficarão em paz, cortando a carne do povo para se ressarcirem do que gastaram com os seus candidatos, completamente convencidos de que os homens bons foram extintos e que eles poderão dialogar, novamente, entre iguais.

O governo planeja construir uma eleição plebiscitária, na base do sim ou do não, que é melhor para os negócios. Lula pretende manter com o sucessor a política de externalização de capitais, que entram no país atraídos por juros altíssimos (ainda os maiores do planeta) e retornam gordos e remunerados para alentar o jogo especulativo do cassino mundial.

Todo esse dinheiro, que enriquece os rentistas externos, sustenta por sua vez a estabilidade política do governo no plano interno. Esta é a fórmula mágica da governança lulista para se manter indefinidamente no poder através de um preposto.

E o povo apenas deve ser chamado a legitimar esse quadro, só alcançando o jogo através da lógica de mocinho (o governo) e bandido (a oposição), como se a situação do país se resumisse a isso.

Lula sustentará a mentira de que não existe alternativa a não ser a continuação do seu governo através do candidato que ele escolher. Nem importa o nome, porque o projeto é o mesmo. A mentira repetida à farta torna-se verdade, basta ser dilatada por gigantesca máquina de convencimento com recursos internos e externos.

Para alcançar tal intento, Lula, contudo, precisa de um dócil adversário, que faça exatamente o que ele deseja. A provocação do governo está montada em torno de José Serra, o candidato mais fácil de derrotar, caso prevaleça a estética de falsa polarização.

Facilmente o candidato será confundido com o passado nebuloso dos tempos de Fernando Henrique, com crises, privatizações e apagões, deixando-se para perto do pleito as tradicionais mentiras de que o povo irá perder o bolsa-família, os direitos trabalhistas, garantidos desde Vargas, e as conquistas de inclusão pelas quais tanto lutou o governo Lula.

É talvez por isso que o governador de São Paulo exiba tanta indecisão em se fazer candidato: avalia os horizontes para não ser simplesmente usado, porque é muito difícil enfrentar a gigantesca máquina de propaganda e de mentiras do governo federal!

Os marqueteiros, devidamente azeitados por dinheiro vindo do exterior, ao estilo de empresas como Dusseldorf Company, Trade Link Bank, BAC Florida Bank e outras sediadas nas ilhas Cayman e Madeira, que já serviram como biombo em 2002 e 2006, farão a festa com caixa 2 e 3 ilimitados e impossíveis de rastrear em 2010, repetindo os padrões de corrupção a que todos estão acostumados.

Assim, os nossos tempos de mentira e corrupção institucionalizados com certeza predominarão, porque não existem forças no país capazes de se contrapor ao atual estado de coisas. Seria preciso um grande cataclismo, algum sofrimento brutal que despertasse ou aglutinasse o povo contra o governo, fenômeno muito difícil de ocorrer.

O brasileiro gosta desse clima de banho-maria, de otimismo injustificável, esperando um bem-estar que nunca vem, mas é posto sempre no futuro.

Nosso povo adora mentiras e ser sempre enganado para depois, reclamar dos impostos, das filas dos bancos e dos hospitais, do estado precário das estradas e dos transportes, da falta de saneamento e de habitações, sem falar nos salários de fome, na violência nas cidades e no desemprego dos jovens.

Quando vota, não se lembra que ficará à mercê dos mesmos políticos por quatro anos, num casamento indissolúvel renovado no período posterior, com os mesmos argumentos e mentiras. Afinal, a luta continua...

E Lula condensa em sua figura tudo isso: é o arquétipo dos sonhos do brasileiro comum que com ele se identifica. É adorado também pelas elites que precisam mentir para sobreviver. É o arquiteto da mentira e tem serviços prestados aos rentistas nacionais e internacionais. Tornou-se, portanto, um ser invulnerável como fiador de qualquer eleição.

É por isso que ninguém deseja enfrentá-lo.

Quem resistirá à mentira antecipada e esteticamente vitoriosa?

(*) Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e gosta de admirar o panorama, de seu exílio distante...
Resistência Democrática.

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