* - José Augusto Carvalho
Ora, a redundância é ditada pelo contexto. Uma expressão pode ser redundante num contexto e não o ser em outro. “Ver com os olhos” , por exemplo, é expressão redundante numa conversa informal entre amigos, mas não o é no contexto do conto O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, para quem “é preciso ver com o coração e não com os olhos”.
Cada um dos pretensos exemplos de redundância condenados pelo “gramático” pode ser considerado não-redundante e altamente informativo em contextos específicos.
Com relação à pretensa redundância “planos ou projetos para o futuro”, o gramático ironiza: “Você conhece alguém que faz planos para o passado?” Dizer “fazer projetos para o futuro” pode ser uma forma de indeterminar os projetos. Há projetos para um próximo livro, para o casamento, para a compra da casa própria. Indeterminam-se esses projetos dizendo-se “projetos para o futuro”. Também é possível fazer planos para o presente. Um professor que prepara exemplos para uma aula que vai dar dentro de alguns minutos está fazendo planos para o presente.
Com relação a “criar novos empregos”, o “gramático” ironiza: “Ora bolas, alguém consegue criar algo velho?” O que o “gramático” esqueceu é que “novo emprego” não é o mesmo que “emprego novo”. A informática também produz novos empregos a cada dia. Novo, aí, está não no sentido de oposto a velho, mas no sentido de “outro” (um novo livro de um autor é apenas outro livro e não um livro novo).
Com relação a “habitat natural”, nenhum dicionário registra a obrigatoriedade de um habitat ser natural, como afirma o “gramático”. Recentemente, um urso panda, rejeitado pela mãe, teve seu hábitat criado artificialmente para que ele pudesse sobreviver.
Quanto à prefeitura municipal, o gramático afirma: “No Brasil, só existem prefeituras nos municípios. Aliás, ainda bem!” Mas, se existe prefeitura universitária (como a que temos na Universidade Federal do ES), então “prefeitura municipal” não é redundância.
Se posso dizer “minha autobiografia”, isto é, a biografia que eu escrevo sobre mim, por que não posso dizer “sua autobiografia”, referindo-me a, por exemplo, Solo de clarineta, que é a autobiografia de Érico Veríssimo?
Mona Lisa não sorri com os lábios: ela sorri com o olhar.
Uma goteira pode ser na parede, não precisa ser necessariamente no teto. O Houaiss registra, entre as significações de goteira: “a água que pinga (...) dentro de casa”. E estrelas podem brilhar não apenas no céu, mas no universo artístico do cinema e da televisão (no sentido figurado). Quanto a “países do mundo”, pergunta o “gramático”: “E de onde mais podem ser os países?” Ora, imaginemos um diálogo
Assim, é o contexto que dita se uma expressão é ou não redundante, e não a vontade de um “gramático” de cutiliquê de pouca escolaridade ou sem titulação acadêmica.
* - José Augusto Carvalho, escritor, jonalista, tradutor, mestre em Lingüística pela UNICAMP, doutor em Língua Portuguesa pela USP, professor de pós-graduação na UFES, é mineiro de Governador Valadares e capixaba por opção. - copiei do contraovento.blogger.com.br
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