(*) Olavo de Carvalho
Para orientar um leitor, é preciso, no mínimo, saber ler. D. Marisa Lajolo, biógrafa-apologista de Antonio Gramsci e autora de A Formação da Leitura no Brasil (Ática, 1997), pretende orientar algo mais que um leitor. Pretende inaugurar uma "política nacional de leitura", orientar todos os leitores brasileiros. Ela deve ser portanto uma superleitora, capaz de compreender por si e por nós.
Como exemplo de seu método hermenêutico, ela nos dá uma interpretação do romance de Graciliano Ramos, São Bernardo. Em contraste com Manuel Antônio de Almeida, que do alto de sua pretensa sabedoria de literato se fazia de narrador onisciente, dando autoritariamente ao leitor as informações necessárias para que compreendesse a história, Graciliano, igualitarista e progressista, teria feito de seu Paulo Honório um narrador-aprendiz, com que o leitor pode se identificar sem o risco de humilhações. Das Memórias de Um Sargento de Milícias até São Bernardo, conclui d. Marisa, mudou muito, para melhor, o perfil do leitor brasileiro: à medida que baixava a crista dos autores, o leitor subia de nível e ganhava em sofisticação. Reconheçamos: é um pogréço. Se é também um progresso, vejamos.
1º) Após escrever São Bernardo, Graciliano voltou à técnica do narrador onisciente em Vidas Secas, que, não obstante esse odioso retrocesso político, foi muito mais aplaudido pelo público e se tornou um emblema da luta pela reforma agrária.
2º) A técnica narrativa de São Bernardo é muito peculiar. Para dar verossimilhança ao personagem, indivíduo brutal e sem estudo, Graciliano Ramos, narrador real, faz dele um narrador-ficcional que, na sua profunda inépcia literária, escreve... como Graciliano Ramos! O paradoxo, que salta aos olhos até do leitor desavisado, já foi matéria de polêmicas. Alguns críticos o apontaram como falha técnica. Outros, notando que uma falha não poderia ter dado tão bons resultados, viram ali uma astúcia genial: a pretensa incultura de Paulo Honório seria um fingimento, um ardil da falsa consciência do homem poderoso que se faz de humilde. Mas a explicação é outra. O narrador real, oculto, isto é, o próprio Graciliano, é a consciência moral latente do personagem amoral, que acontecimentos traumáticos fazem elevar-se progressivamente até o nível dessa consciência e desejar, então, confessar seus pecados; mas, quando começa a escrever a narrativa, o narrador-ficcional já está, necessariamente, no seu nível superior de consciência, e por isto se distancia criticamente do Paulo Honório narrado (ele mesmo, antes do despertar da consciência) e carrega nas tintas, exagerando caricaturalmente sua ignorância: daí que possa ao mesmo tempo escrever como um artista e ser mostrado a agir como um bronco. Mas d. Marisa nem percebe que existe ali um enigma, nem dá sinal de ter recebido, da vasta bibliografia publicada sobre o caso, algum aviso de que existisse. Lê mal o autor e desconhece sua fortuna crítica. Com um literalismo primário, toma a caracterização do narrador inculto por seu valor nominal e entende a caricatura como um retrato realista, sem perceber que com isto reduz a fina arte de Graciliano a um expediente barato destinado a paparicar demagogicamente o ego do leitor. Como se isto não bastasse, ela vai mais fundo no ridículo: aplaude o truque idiota, atribuindo-o a Graciliano, sem perceber que se aplaude a si mesma.
Não sei o que dizer da política nacional de leitura. Mas sugiro a d. Marisa uma política pessoal de leitura. Funda-se em duas regras. Primeira: não tentar dar explicações profundas para um fato literário antes de certificar-se de que ele aconteceu. Segunda: em caso de dúvida, consultar a bibliografia. Não seria nada mau se estas duas precauções viessem a ser adotadas em escala nacional.
Quanto à "crescente sofisticação dos leitores", que segundo d. Marisa é uma realidade histórica incontestável, observo apenas o seguinte: basta notar, nas crônicas de Machado de Assis, a massa de alusões literárias, filosóficas, mitológicas e históricas, que era compreendida sem dificuldade pelo leitor comum, para concluir que, hoje, tal soma de erudição e finura, despendida num gênero popular como a crônica, passaria muito acima da cabeça do público, requereria, para fazer-se compreendida, igual massa de notas de rodapé, e enfim não seria lida de maneira alguma. Os leitores da época de Machado podiam não ser muitos. Mas liam bem melhor que d. Marisa.
(*)-Olavo de Carvalho é autor de "O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras"
"O Brasil está sendo dominado pela bandeira vermelha, os comunistas são todos uns genocidas, O MST quer fazer uma revolução no Brasil, Lula esta fazendo do Brasil uma nova Cuba". Você pode estar morrendo de dar risadas achando uma piada. E achar que hoje só um maluco com no mínimo fobia social. Se enganou são frases de Olavo de Carvalho nascido em Campinas, São Paulo, em 29 de abril de 1947, tem sido saudado pela mídia corporativa como um dos mais originais e audaciosos pensadores brasileiros. Homens de orientações históricas distorcidas tão diferentes quanto Jorge Amado, Arnaldo Jabor, Ciro Gomes, Roberto Campos, J. O. de Meira Penna, Bruno Tolentino, Herberto Sales, Josué Montello e o ex-presidente da República José Sarney já expressaram sua admiração pela sua pessoa e pelo seu trabalho.
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