sábado, 12 de janeiro de 2013

IRMANDADE DA SANTA CRUZ

Hiram Reis e Silva, Cruzeiro do Sul, Acre, 30 de dezembro de 2012.
En Brasil el surgimiento y arraigo de movimientos socio-religiosos como el Movimiento de la Santa Cruz, motivó la afluencia de población Ticuna del Perú y de Colombia, contribuyendo a la formación de aldeas con Ticunas adeptos a este movimiento. (...) Porto Cordeirinho, como muchas otras aldeas Ticuna del territorio brasilero, fue creada en los años setenta debido a la influencia del movimiento religioso de la Santa Cruz, liderado por el brasilero José Francisco da Santa Cruz quien a su paso por la región generó un fuerte impacto sobre los pueblos indígenas, especialmente sobre los Cocama y Ticuna, quienes lo consideraron el Mesías que venía para redimirlos de sus pecados. (GARCÉS).
-  Primeiro Contato com a Irmandade na Descida do Solimões
Quando realizei minha primeira incursão pelos amazônicos caudais, de 1º dezembro de 2008 a 26 de janeiro de 2009, tive a oportunidade de vislumbrar os enormes cruzeiros que altaneiros ocupavam posições de destaque na maioria das comunidades ribeirinhas pelas quais eu passava. Em Belém do Solimões, a maior de todas as Comunidades Ticunas, situada à margem esquerda do Rio que lhe empresta o nome, observei curioso não só o templo da Irmandade e sua grande cruz característica, mas, sobretudo a vestimenta de alguns membros da seita que vestiam longas togas brancas e traziam invariavelmente cruzes de madeira penduradas ao pescoço.
-  A OCCAE e os Cocamas
Quando contatei os Cocamas, também em dezembro de 2008, na Comunidade Prosperidade, liderada pelo Cacique Almir, estes me relataram que na década de setenta muitos deles haviam aderido ao chamamento do líder messiânico José Francisco da Cruz participando ativamente desde a fundação da Ordem Cruzada Católica, Apostólica e Evangélica (OCCAE). O OCCAE é um movimento messiânico–milenarista que influenciou significativamente as atividades sociais, culturais, econômicas e políticas das comunidades ribeirinhas indígenas e não-indígenas. Atualmente, os Cocama adeptos da OCCAE tentam resgatar sua identidade indígena encontrando um ponto de equilíbrio entre as rígidas regras de conduta impostas pelo movimento religioso e seus costumes ancestrais.
Irmandade da Santa Cruz e a Descida do Juruá
Nesta expedição pelo Juruá colhi, novamente, informações a respeito da Irmandade da Cruz, desta feita na Comunidade dos Cintra através da Sra. Maria de Nazaré de Souza Correia que fez menção a um milagre alcançado através de um chá feito com uma lasca da cruz erigida na Comunidade pelo próprio Irmão José Francisco da Cruz nos idos de 1968.
A fé inquebrantável da Sra. Maria de Nazaré despertou, definitivamente, minha atenção para este movimento messiânico que como tantos outros, através dos tempos, emergem na Amazônia galvanizando simpatizantes de todos os matizes e credos.
-  Irmão José Francisco da Cruz
O movimento messiânico liderado pelo Irmão José foi desencadeado após o mesmo ter uma visão “celestial divina”, nos idos de 1960, que lhe orientava partir para uma missão redentora pelas América Latina levando na mão direita “a cruz” e na esquerda o “santo evangelho”. Tomou, então, o nome religioso de José Francisco da Cruz, missionário do Sagrado Coração de Jesus, apóstolo dos últimos tempos.
El impacto de la visita Del Hermano José Francisco da Cruz fue impressionante porque coincidió com um aumento del nível maxímo del Rio Amazonas, dos metros por encima de nível de la década anterior, que se mantuvo durante la década seguinte. (REGAN)
O momento em que o Irmão José Francisco da Cruz se apresentou aos seus futuros seguidores não poderia ter sido mais propício. Foi um período atípico em que as águas do Solimões se mantiveram, durante uma década, no seu nível máximo o que era interpretado pelos seus seguidores como um sinal do final dos tempos. O movimento tinha uma visão de mundo nitidamente apocalíptica. Acreditavam que o mundo estava em crise e somente um grande cataclismo seria capaz de desencadear um salutar processo de renovação. Certamente a década das grandes cheias foi um dos elementos fundamentais que permitiram que a pregação apocalíptica fosse capaz de contagiar os corações e as mentes dos ribeirinhos. 
O Irmão José pregou pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru e foi expulso da Colômbia em 1969. O pregador curava os doentes com orações, medicava-os e deixava em cada comunidade uma junta diretiva para a Irmandade e um estatuto para orientar os cultos e normas de conduta dos fiéis. Os enormes cruzeiros eram manufaturados com a madeira da árvore Palo Sangre.
Em 1971, chegou a Iquitos, e plantou a cruz em Morona Cocha. Regressando ao Brasil, em 1972, criou um povoado na margem do igarapé Juí, pequeno afluente do Rio Içá, afluente da margem esquerda do Rio Solimões, num lugar que denominou de Lago Cruzador onde edificou a sede espiritual da Irmandade transformando-a num centro dedicado à produção agropecuária, à saúde e à educação. Nesse local faleceu, no dia 23 de junho de 1982, aos 69 anos de idade. Antes de falecer, indicou o seu sucessor, um descendente de índios Cambeba, chamado José Walter Neves. Neves tão logo assumiu a sua função reorganizou a hierarquia da ordem nomeando uma nova diretoria administrativa privilegiando indígenas e levando em frente o projeto do seu fundador de construir a Vila Espiritual da Irmandade de Santa Cruz. Estima-se que no Brasil existam 20 mil adeptos da seita sendo a metade de Ticunas.
-  II - Origens da Missão Cristã com os Ticuna
 5. A Irmandade da Cruz
Fonte: Irmão Édson Hüttner
No ano de 1972, o irmão José da Cruz implanta a Ordem Cruzada Católica, Apostólica e Evangélica (OCCAE) nas Comunidades ribeirinhas e nas aldeias Ticuna do Alto Solimões. Irmão José Francisco da Santa Cruz foi considerado como profeta e messias entre os índios e a população do Alto Solimões.
Nasceu no dia 3 de setembro de 1913, em Várzea Alegre, município de Cristina, no Estado de Minas Gerais.
Reza a lenda que sua mãe, no sexto mês de gravidez, adoeceu gravemente. Um de seus parentes a fez prometer perante o Sagrado Coração de Jesus que, se ela e a criança sobrevivessem, seu filho seria servo de Deus. (Hiram Reis e Silva)
Casou-se com 24 anos e teve sete filhos. No ano de 1944, após assistir às missões dos padres redentoristas, teve a visão do coração sagrado de Jesus, a Cruz na mão direita e o evangelho na mão esquerda. Na segunda noite, viu as três pessoas da santíssima trindade. As visões levaram-no a retirar-se com uma cruz para um lugar isolado para meditar. 
Sofrendo de hanseníase a família pretendia interná-lo em um leprosário, mas fugiu levando uma Bíblia e prometeu que, se fosse curado, tornar-se-ia um pregador e ergueria cruzes por onde passasse. (Hiram Reis e Silva) 
No ano de 1962, saiu em peregrinação de Norte ao Sul do Brasil. Passou também na Argentina, Paraguai, Peru e Colômbia. No Peru, em 1969, começou a escrever os estatutos e normas de seu movimento. Depois, em 1972, vai para a Colômbia, mas expulso pelas autoridades, se dirige para o Alto Solimões (na margens do igarapé Juí afluente do Rio Içá). A este lugar deu o nome de Lago Cruzador, que passou a ser a sede e ponto de divulgação de seu movimento, até o dia em que faleceu, no mesmo lugar, em 23 de julho de junho de 1982. Ele mesmo se chamou de “Missionário do Coração de Jesus”.
O impacto da OCCAE sobre brancos e índios deve-se à pregação e às exigências feitas nas Comunidades. Guareschi escreve sobre o tipo de religião pregada pelo Irmão José:
A religião da Cruz é essencialmente “espiritual”, recusando-se a tratar assuntos que sejam “sociais”, de uma maneira ou outra. As pregações apelam para a conversão individual do coração e da mente ao Senhor. Qualquer assunto que tenha a ver com a política em geral (e muito mais com a política partidária) não pertence à religião. (...) Na realidade, e por isso mesmo, a religião da Cruz não deixa de ser política. Ao proibir e ao se recusar a discutir este assunto, ela toma partido, justamente pelo fato de se alienar. (...)
Na doutrina da Santa Cruz há um respeito e um culto bastante acentuado à bíblia, seja ela católica, protestante ou qualquer outra. O movimento está baseado na doutrina e liturgia da Igreja Católica. (...)
A religião da Cruz é ainda extremamente sacramental, mítica. (...)
Cremos que não se pode negar que o Movimento da Cruz tenha diversos traços messiânicos, como a presença do Irmão José Francisco da Cruz, como messias (...)
A maior parte dos Ticuna do Solimões decidiu seguir o movimento do irmão José dentro dos pressupostos de todas as suas normas, doutrinas, bem como a exigência de um novo estilo de Comunidade orientada pelo signo da cruz. De acordo com os estatutos da OCCAE, verifica-se os seguintes eixos da sua doutrina:
-  A crença num único Deus Todo-poderoso, criador do céu e da terra e do mar.
-  Jesus Cristo é o único meio de salvação.
-  A bíblia é a fonte da doutrina.
-  Ser católico significa ser honesto, praticante de boas obras.
-  O sacerdote nomeado pela Ordem tem autoridade para celebrar o batismo, casamentos e confissões.
-  Adorar a cruz todos os dias.
Em entrevista gravada com o irmão Valter Neves da Cruz numa de suas igrejas em Tabatinga, perguntei-lhe sobre o significado da cruz para a Irmandade. Ele resnondeu: 
Vou lhe dizer uma coisa, a cruz é o sinal do cristão (...)
Nós temos 94 pontos que guardamos sobre a cruz;
Primeiro: a cruz é aliança de Deus com os homens
Árvores da vida, farol de esperança,
sinal do perdão, escadaria do céu,
primeira porta do Brasil, forma a ligação com os povos.
O movimento da Cruz não tem nenhum vínculo com a igreja católica, visto que em seus estatutos não admitem que seus membros participem de outra religião. A ruptura que se estabeleceu com a Igreja Católica, segundo Ari Oro, foi pelo fato de que os missionários capuchinhos negaram o sacramento do batismo aos Ticuna da OCCAE, o que levou o fundador a institucionalizar a figura do sacerdote. Outro aspecto é que os Ticuna da Cruz não reconheceram os Ticuna católicos, pois não se consideravam como índios.
Numa Comunidade da Cruz, ainda hoje, o cotidiano dos índios se identifica àquele pensado c determinado pelo irmão José. Na Irmandade da Cruz, a igreja (feita de madeira, sempre junto a uma grande cruz erguida ao lado) representa o vínculo de encontro e doutrinação. Todos os dias, às 6 horas da manhã, é feito o hasteamento da bandeira da cruz, e pela tarde, às 18 horas, é feito o louvor da mesma com cantos. Quando chega a noite, às 19h30, todos se reúnem na igreja para celebrar o culto. Os Ticuna, nas celebrações, e em geral durante todo o dia, vestem-se de branco e carregam uma pequena cruz de madeira presa por cordão ao peito. Toda essa estrutura religiosa, embora enfraquecida, permite assegurar no dia-a-dia a fisionomia de um novo “etos” religioso e comunitário que, por um lado, proíbe os vícios, mas que neutraliza a cultura, a experiência mística original indígena do sagrado enraizado no significado da terra. A Irmandade da Cruz proibiu a festa da moça nova em suas Comunidades. Na entrevista que fiz com o irmão Valter das Neves Cruz, perguntei-lhe o por quê dessa proibição. Ele disse:
Nossa Irmandade não permite, pois, se você quiser pertencer à Cruz, deve deixar de lado as festas e as bebidas, por isso nós proibimos.
Fontes:
GARCÉS, Claudia Leonor López Tesis. Ticunas Brasileros, Colombianos y Peruanos: Etnicidad y Nacionalidad en la Región de fronteras del alto Amazonas/Solimões – Tese de Doctorado – Brasil, Brasília – CEPPAC – UNB, 2005.
HÜTTNER, Édson. A Igreja Católica e os Povos Indígenas do Brasil: os Ticuna da Amazônia – Brasil, Porto Alegre EDIPUCRS, 2007. 
IGLESIAS Francisco. Caatingas e Chapadões: (Notas, Impressões e Reminiscências do Meio-norte Brasileiro, 1912-1919) – Brasil, Rio de janeiro – Companhia Editora Nacional, 1958. 
REGAN, Jaime. Messianismo Cocama: uno Movimento de Resistência en la Amazônia Peruana. In América Indígena. Ano XLVIII vol. XLVIII. Nº 1, 1988. 
REGAN, Jaime. Hacia la Tierra sin Mal – La Religión del Pueblo en la Amazonía. Peru, Iquitos, CETA – Centro de Estudios Teológicos de La Amazonía, 1993. 
-  Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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