quarta-feira, 6 de agosto de 2008

SOLJENITZINE

Faleceu Alexandre Soljenitzine, um dos maiores escritores russos. A sua biografia coincide fortemente com a história do seu povo no século XX e no início do séc. XXI, diria mesmo que se trata de um dos seus espelhos mais fiéis.

Soljenitzine combateu na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi ferido e condecorado, tal como milhões soldados soviéticos. Tal como milhões de cidadãos soviéticos, passou pelos campos de concentração estalinistas por, em cartas a um amigo, criticar o ditador José Estaline.

Após doze anos de GULAG, Soljenitzine vai dar aulas para uma escola da província russa, iniciando, paralelamente, a sua atribulada carreira literária. Em 1962, a publicação do seu conto "Um dia na vida de Ivan Denissovitch" provocou um autêntico abalo na vida literária e social do seu país.

Depois voltaram novamente as perseguições e o desterro, desta vez para o Ocidente, onde Soljenitzine publica as suas obras mais revelantes "O Pavilhão dos Cancerosos", "O Arquipélago de GULAG", etc., etc.

O escritor russo foi daqueles que viram cair o inimigo que combatia: o comunismo, e regressaram ao seu país. Nesta luta, Soljenitzine ganhou o respeito de todas as vítimas e adversários do estalinismo.

Soljenitzine regressou em 1994, mas não se envolveu diretamente na luta política, tendo optado pelo papel de profeta que vive retirado na sua casa da província e que revela as suas idéias e propostas através das suas obras. O escritor tentou encontrar uma fórmula para reconstruir, relançar a sua Rússia. Não é por acaso que uma das suas primeiras obras depois do regresso se intitula: "Como reorganizar a Rússia?".

E, neste campo, a sua herança é muito contraditória. Soljenitzine, por paradoxal que pareça, tentou encontrar o futuro da Rússia, a idéia nacional, no regresso a instituições pré-revolucionárias, ou seja, que existiram até 1917. Nesse sentido, o escritor teve o apoio dos monárquicos e ultra-conservadores. Na sua obra "Duzentos Anos Juntos", o escritor repete um dos erros do governo pré-revolucionário russo ao embarcar no anti-semitismo.

Mas é essa linha do pensamento que o leva também a apoiar a guerra na Tchetchénia e, posteriormente, a política de Vladimir Putin.

À primeira vista, parece uma aliança estranha: Soljenitzine, vítima dos serviços secretos soviéticos (KGB) e Putin, representante desses serviços. Mas não é o caso, porque a base dessa aliança está noutro plano: no renascimento e no engrandecimento da Rússia.

Os antigos dissidentes soviéticos e políticos liberais não lhe podem perdoar esse passo, mas Soljenitzine e Putin representam os pensamentos, os anseios da maioria da população.

Por enquanto, ainda é cedo para avaliar a extensa herança cultural, filosófica, literária deixada por Alexandre Soljenitzine. Tal como todos os escritores geniais, ele é problemático, complexo.

Distinguido com o Nobel, não foi a Estocolmo recebê-lo

Nascido a 11 de Dezembro de 1918 no Cáucaso, Soljenitsin aderiu aos ideais revolucionário bolcheviques daquele tempo, estudou Matemática e tomou parte como artilheiro na II Guerra Mundial, contra o III Reich. Dos campos de batalha, em 1941, aos campos de concentração, em 1945, foi um passo, por ter ousado criticar a competência bélica do ditador Estaline. Libertado em 1953, foi exilado para a Ásia Central, onde começou a escrever, viajando depois para Riazan, a duas centenas de quilômetros de Moscovo, para ser professor.

O sucessor de Estaline, Nikita Khrutchev, deu "luz verde" à publicação - na revista "Novy Mir" - de "Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch", relato do quotidiano de um recluso nos gulag, editado a 18 de Novembro de 1962. Uma onda de choque sacudiu a Rússia e a comunidade internacional, que abriu os olhos para uma realidade até então desconhecida. Tinha caído um tabu. Soljenitsin continuou a escrever, mas livros como "O Pavilhãos dos Cancerosos", ou "O Primeiro Círculo", tiveram de ser publicados clandestinamente e no estrangeiro.

O Nobel da Literatura foi-lhe atribuído em 1970, mas declinou ir recebê-lo a Estocolmo com receio de não poder regressar à Rússia, então sob o pulso de Brejnev. Uma nova onda de entusiasmo varreu o mundo, para fúria do Kremlin, que expulsou Soljenitsin para o Ocidente, tendo-se radicado finalmente em Vermont, nos EUA.

Fonte: O Público
e blogdasanta

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