Faleceu Alexandre Soljenitzine, um dos maiores escritores russos. A sua biografia coincide fortemente com a história do seu povo no século XX e no início do séc. XXI, diria mesmo que se trata de um dos seus espelhos mais fiéis.
Soljenitzine combateu na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi ferido e condecorado, tal como milhões soldados soviéticos. Tal como milhões de cidadãos soviéticos, passou pelos campos de concentração estalinistas por, em cartas a um amigo, criticar o ditador José Estaline.
Após doze anos de GULAG, Soljenitzine vai dar aulas para uma escola da província russa, iniciando, paralelamente, a sua atribulada carreira literária. Em 1962, a publicação do seu conto "Um dia na vida de Ivan Denissovitch" provocou um autêntico abalo na vida literária e social do seu país.
Depois voltaram novamente as perseguições e o desterro, desta vez para o Ocidente, onde Soljenitzine publica as suas obras mais revelantes "O Pavilhão dos Cancerosos", "O Arquipélago de GULAG", etc., etc.
O escritor russo foi daqueles que viram cair o inimigo que combatia: o comunismo, e regressaram ao seu país. Nesta luta, Soljenitzine ganhou o respeito de todas as vítimas e adversários do estalinismo.
Soljenitzine regressou em 1994, mas não se envolveu diretamente na luta política, tendo optado pelo papel de profeta que vive retirado na sua casa da província e que revela as suas idéias e propostas através das suas obras. O escritor tentou encontrar uma fórmula para reconstruir, relançar a sua Rússia. Não é por acaso que uma das suas primeiras obras depois do regresso se intitula: "Como reorganizar a Rússia?".
E, neste campo, a sua herança é muito contraditória. Soljenitzine, por paradoxal que pareça, tentou encontrar o futuro da Rússia, a idéia nacional, no regresso a instituições pré-revolucionárias, ou seja, que existiram até 1917. Nesse sentido, o escritor teve o apoio dos monárquicos e ultra-conservadores. Na sua obra "Duzentos Anos Juntos", o escritor repete um dos erros do governo pré-revolucionário russo ao embarcar no anti-semitismo.
Mas é essa linha do pensamento que o leva também a apoiar a guerra na Tchetchénia e, posteriormente, a política de Vladimir Putin.
À primeira vista, parece uma aliança estranha: Soljenitzine, vítima dos serviços secretos soviéticos (KGB) e Putin, representante desses serviços. Mas não é o caso, porque a base dessa aliança está noutro plano: no renascimento e no engrandecimento da Rússia.
Os antigos dissidentes soviéticos e políticos liberais não lhe podem perdoar esse passo, mas Soljenitzine e Putin representam os pensamentos, os anseios da maioria da população.
Por enquanto, ainda é cedo para avaliar a extensa herança cultural, filosófica, literária deixada por Alexandre Soljenitzine. Tal como todos os escritores geniais, ele é problemático, complexo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário