quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

ELIA KAZAN E O MACARTISMO

Por Luiz Antonio Domingues
Era a noite da cerimônia do Oscar de 1999 e como de costume, chegou o momento da entrega do prêmio honorário. Todo ano a Academia homenageia um grande nome do cinema pelo conjunto da obra e neste ano, o agraciado foi o consagrado diretor Elia Kazan.
Grandes nomes do cinema, entre atores, produtores e diretores vinham recebendo esse reconhecimento desde os anos vinte e artisticamente falando, não havia nenhuma surpresa em ter Elia Kazan como homenageado. Todavia, quando esse momento chegou, uma reação radical de vários convidados ilustres sentados na plateia chamou a atenção, tornando impossível que a geração de imagens oficial do evento, pudesse disfarçar o descontentamento de muitos com a presença de Kazan no palco para receber seu Oscar. Ed Harris, Ed Bengley Jr., Nick Nolte, Holly Hunter, Ian McKellen, entre outros, recusaram-se a aplaudir e de semblantes pesados, mostravam claramente estar protestando contra a decisão da Academia. Rod Steiger, Richard Dreyfuss e Sean Penn chegaram a formalizar nota de repúdio formal na Academia antes da cerimônia e no caso de Sean, era também algo pessoal, pois seu pai fora vítima das perseguições do Macartismo.
E afinal de contas, o que Elia Kazan teria feito que tivesse causado tanta contrariedade e o que significou o Macartismo? Retroagindo aos anos quarenta, digo que o ambiente logo após o final da segunda guerra mundial, afunilou-se para a dualidade capitalismo/comunismo, com os Estados Unidos da América assumindo o comando do bloco capitalista e a União Soviética fazendo o mesmo em relação ao comunismo.
Estabelecida a polarização ideológica em que o mundo se colocou, a guerra fria passou a monopolizar todo o jogo estratégico da política, militarismo e das agências de espionagem. E claro, toda uma rede de pessoas oriundas de todas as camadas da sociedade, engajaram-se em esforços colaborativos, atuando em diversas atividades, notadamente a espionagem, com direito às delações.
Instaurou-se uma nefanda instituição nos Estados Unidos, denominada: "Comitê de Investigações de Atividades Anti-Americanas". E seu principal artífice, foi o senador Joseph McCarthy.
Truculento e fanático, comandou uma arbitrariedade atrás da outra, violando os direitos civis, numa lamentável demonstração só conhecida em países de terceiro mundo.
Tamanha a sua contundência nos tribunais inquisidores (algo parecido com as CPI's que parlamentares convocam, aqui no Brasil), logo o seu nome ficou marcado e o termo "Macartismo" ("McCarthyism" em inglês), tornou-se o emblema dessa fase negra da história norte-americana. Pessoas de qualquer estrato social, de todas as profissões, eram convidadas a esclarecer denúncias vazias que davam conta de suas supostas atividades antiamericanas (leia-se pró-União Soviética), numa "caça às bruxas" sem precedentes, desde as bruxas (literais...) de Salém.
Pessoas tiveram suas carreiras destruídas, mediante muitas vezes, falsas denúncias. Professores, cientistas, estudantes universitários e artistas tornaram-se os principais alvos. Muita gente sofreu boicote, tendo que buscar outro rumo na vida, visto ser impossível trabalhar. Houve casos de suicídios, inclusive.
Um dos mais célebres prejudicados por essa perseguição, foi sem dúvida, Charles Chaplin. E com isso, exilou-se na Suíça, sem condições de viver mais nos Estados Unidos.
A lista de perseguidos foi enorme e só com a mobilização da opinião pública, graças às denúncias (foi corajoso, sem dúvida), do jornalista Edward R. Murrow, da CBS, McCarthy foi desmascarado, execrado e caiu no ostracismo. Tarde demais, pois muitas pessoas inocentes tiveram suas vidas destruídas indevidamente por denúncias falsas. E o que Kazan teve com isso?  Nascido em Constantinopla, numa época onde o Império Otomano ainda comandava a região, Elia Kazan era filho de gregos. Emigrando para os Estados Unidos com a família, Kazan cresceu interessando-se por teatro inicialmente e nutriu simpatia pela revolução soviética. Tornou-se um entusiasta da causa proletária, principalmente durante os anos trinta, em meio à grande depressão. Segundo suas próprias palavras, o mote das peças teatrais que dirigia nessa época, era o de "contos de fadas típicos, onde as injustiças sociais eram superadas pela mobilização das massas." No início dos anos quarenta, Kazan chegou à Hollywood e numa guinada de posicionamento, abandona seus ideais de outrora. E no fim dos anos quarenta, passa a fazer delações para o Comitê de McCarthy, entregando pessoas que supostamente agiam de forma "antiamericana". Em seu filme clássico, "On the Waterfront" ("Sindicato de Ladrões"), retrata quase sua autoconfissão, com a estória de um homem dividido entre manter a lealdade ao sindicato ou denunciar as falcatruas deste, à polícia. Infelizmente no caso do tribunal da "caça às bruxas" de McCarthy, a realidade não era bem essa e muita gente inocente foi prejudicada por denúncias falsas ou infundadas.
Eu considero Kazan um grande diretor. Filmes como "On the Waterfront", "Pinky", "A Streetcar Named Desire", "Viva Zapata", "East of Eden", "Splendor in the Grass" e "Wild River", entre outros, são obras significativas demais. Portanto, separo o artista do homem comum, que colaborou com uma onda de arbitrariedades. Isso foi execrável, claro e além de Kazan, nomes fortes de Hollywood também participaram dessa onda de delações, como o criador de personagens tão adorados no mundo inteiro e cheios de candura, um certo Walt Disney... Portanto, foi compreensível o protesto político de muita gente, quando Elia Kazan, já idoso, subiu ao palco para receber o seu Oscar, aliás merecido, pela grande obra artística.

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