quinta-feira, 16 de agosto de 2012
A ALMA SEM A GRAÇA DE DEUS
Por *Padre Manuel Bernardes in Sensus Naturalis
Perde um homem alguma peça do seu vestuário, e ainda que seja coisa vil, entristece-se, e a procura. Perde uma alma a graça de Deus, que é a púrpura real do seu reino, não o sente, e nem a procura restaurar. Perde um homem o instrumento de sua nobreza e descendência, por onde havia de levar um morgado¹ que lhe tocava, chora, lastima-se, revolve tudo, promete alvíçaras², não descansa. Perde este mesmo a graça de Deus, que é o instrumento por onde se prova que somos filhos de Deus, e sem ele não nos hão de sentenciar o morgado da glória: e não o sente, e não o chora, antes talvez se ri de quem o sente. A alma que está fora da graça de Deus em lugar de estar vestida de Sol, anda coberta de escuridão, anda cega, e por isso Aquele Rei do Evangelho à uma que achou sem a veste nupcial a mandou lançar nas trevas exteriores: porque a escuridão do pecado ordinariamente vai parar na escuridão do Inferno. A alma que anda fora da graça de Deus, em lugar de estar vestida de Deus, veste-se o demônio dela; e em lugar de gerar em si à Cristo, faz-se filha do demônio. A alma que está fora da graça de Deus, podendo ser arca de Deus, de cedro incorruptível, adornada com o ouro da caridade, fica pobre, imunda, sem adorno algum, e de sua corrupção cria o bicho roedor da consciência. A alma que está fora da graça de Deus, em lugar de ser imagem da Santíssima Trindade, e representar a formosura de Deus, tem esculpido ou pintado o seu coração como aquela parede interior que viu Ezequiel com tantos ídolos quantos são os vícios e fealdades, que adora. Que fazemos, pois: Induimini Dominum Jesum Christum (Revesti-vos de Nosso Senhor Jesus Cristo).
(Sermões e praticas do Pe. Manoel Bernardes, pg. 360-361)
¹vínculo inalienável e indivisível que se transmitia numa família, de primogênito em primogênito.
²prêmio, que se dá à quem traz boas novas ou entrega coisa que se tinha perdido.
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*Padre Manuel Bernardes (1644-1710) foi um presbítero da Congregação do Oratório de S. Felipe Neri, em cuja tranquilidade claustral se recolheu até o fim de seus dias.
Escreveu numerosas obras de espiritualidade cristã, dentre as quais Luz e Calor (1696), Nova Floresta (5 Volumes, 1710, 1708, 1711, 1726, e 1728), Pão Partido em Pequeninos (1694), Exercícios Espirituais (1707), Os Últimos Fins do Homem (1726), Armas da Castidade (1737), Sermões e Práticas (2 Volumes, 1711), e Estímulo Prático para bem seguir o bem e fugir o mal (1730).
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