Marco Abtonio Villa-Historiador. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. Bacharel e Licenciado em História, Mestre em Sociologia e Doutor em História |
sábado, 18 de agosto de 2012
CLIMA CORDIAL NO STF? QUANDO?
Segue reportagem do "Valor". É difícil encontrar um momento de efetiva cordialidade no STF. Como sempre digo (e escrevo), esta composição é uma das piores (se não for a pior) do STF. O episódio Lessa X Pessoa eu descrevo no meu "A história das constituições brasileiras. 200 anos de luta contra o arbítrio", no capítulo VIII (editora LeYa).
Julgamento abala clima cordial entre os
ministros
A votação do processo do mensalão vem trazendo à tona um lado inesperado do Supremo Tribunal Federal (STF). Normalmente alheios a discursos ríspidos e elevações de tom de voz, que caracterizam o Parlamento, os ministros estão travando intensos embates nas sessões e a expectativa é a de que o ambiente cordial da Corte seja rompido por novas divisões em seus votos.
Desde que o julgamento teve início, houve pelo menos três discussões acaloradas no plenário do Supremo. A primeira ocorreu logo na abertura do julgamento, em 2 de agosto, na análise de uma questão de ordem proposta pelo advogado Marcio Thomaz Bastos, que pediu o desmembramento do processo e o envio dos réus que não têm foro privilegiado para serem processados na 1ª instância da Justiça. O revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, iniciou a leitura de um longo voto sobre o assunto e o relator, ministro Joaquim Barbosa, reclamou de deslealdade, pois aquela discussão já tinha sido travada em outros momentos.
A apresentação das defesas dos 38 réus, quando Joaquim Barbosa votou pelo envio de uma representação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra um advogado que havia alegado que ele estaria suspeito no julgamento por ter supostamente adiantado juízos de valor sobre o mensalão. A maioria dos ministros concluiu que não era a tradição da Casa representar contra advogados, mas Barbosa tomou o pedido de suspeição como uma "afronta à mais alta Corte desse país" e passou a contestar os colegas que divergiram de seu voto.
A terceira grande discussão ocorreu quando os ministros discutiram se a votação seria feita por núcleos do mensalão ou com o voto integral dos ministros. Lewandowski afirmou que votar pelos núcleos, como propôs Joaquim Barbosa, seria seguir a ótica do Ministério Público. "Isso é uma ofensa", disse Barbosa.
Como os ministros vão tomar mais de mil decisões ao longo do julgamento, já que a denúncia imputou mais de 90 crimes aos 38 réus e cada uma dessas acusações terá o voto de 11 ministros, a tendência é a de que novos embates aconteçam nas próximas semanas. Nos momentos de tensão, a tradição no Supremo é a de que, sempre que dois ministros travam uma disputa mais ríspida, terceiros surgem como bombeiros na tentativa de apaziguar os ânimos e retomar o ambiente plácido da Corte.
Na mais alta Corte do país já houve acusação de cópia de voto, de "jeitinho" na condução de processos, de "complexo" de inferioridade de colegas e até de suposta manipulação de resultado de julgamento. Num episódio incomum ocorrido em 2004, houve um chamado para um duelo. Os ministros discutiam a possibilidade de aborto nos casos de anencefalia (fetos com má formação do cérebro). Joaquim Barbosa criticou o fato de Marco Aurélio Mello ter concedido uma liminar permitindo a interrupção de uma gestação. Inicialmente, Marco Aurélio fez um apelo para que deixassem de lado a agressividade. Mas, em seguida, afirmou que estava disposto a discutir "fora do tribunal, em outro campo". Ao fim da sessão, Marco Aurélio disse que se os ministros vivessem em outro tempo, o caso seria resolvido num duelo.
Uma estratégia recorrente para encerrar embates é a de alguém pedir vista do processo, adiando, assim, a discussão. Como no mensalão os ministros estão focados em seguir o calendário e concluir o julgamento, os "bombeiros" devem buscar outras saídas. Entre elas está a de um terceiro elogiar o colega que sofre ataques ou pedir ao presidente que continue tomando votos de outros ministros, que não os daqueles que estão debatendo. Isso aconteceu quando Barbosa acusou Lewandowski de deslealdade - os ministros Luiz Fux e Rosa Weber elogiaram a "elegância" de Lewandowski e o conteúdo de seu voto.
No STF também é comum a tática de os "bombeiros" fazerem apartes, levantando outras questões de modo a tirar o foco de uma discussão mais ríspida entre dois colegas. Outra estratégia é a de alguém interromper a sessão, alegando que é hora do lanche.
Os desentendimentos se tornaram mais constantes nos últimos dez anos, período em que, além de decidir muitas questões políticas - como depoimentos em CPIs, fidelidade partidária e a Lei da Ficha Limpa -, o STF passou a dar a palavra final em grandes questões do país, como a possibilidade de pesquisas com células-tronco e de aborto em casos de anencefalia. Em todos esses episódios houve ao menos uma discussão tensa ao longo do julgamento, que foi logo em seguida contornada pela atuação dos "bombeiros".
Por outro lado, as discussões mais ríspidas não são novidade na história recente da Corte. Há pouco mais de um século, o ministro Pedro Lessa corrigiu uma citação de um autor americano feita por Epitácio Pessoa. Pessoa, que se vangloriava de nunca ter sido voto vencido quando era o relator de um processo, não perdoou a "humilhação" do colega e passou anos sem falar com Lessa.
Pessoa e Lessa foram ministros na primeira década do século 20. Cem anos depois, em um jantar na casa de Gilmar Mendes, Cezar Peluso, então vice-presidente da Corte, foi perguntado sobre a sua futura gestão na presidência, na época ocupada por Mendes. "A função principal do vice é derrubar o presidente", disse Peluso em tom de brincadeira, provocando risos entre os presentes. De fato, durante os dois anos da presidência de Mendes, Peluso sempre ajudou a ele e a Corte a cumprir o chamado "papel institucional de cúpula do Judiciário". Peluso seguiu fielmente a linha histórica de conduta dos ministros do STF que costumam se apoiar mutuamente quando o assunto é a defesa do tribunal ou do Judiciário como um todo. "Mas, quando estamos no plenário e a questão é jurídica, é cada um por si e Deus por todos", advertiu.
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