quarta-feira, 22 de agosto de 2012
VARIAÇÕES SOBRE O LIVRO E A INTERNET
Por Miguel Reale (28.01.2006)
Ouço, frequentemente, que o futuro do livro está marcado pela sua próxima ou recente substituição pelo site da Internet. Penso, ao contrário que, por mais que se desenvolva esta, com o seu oceano de perguntas e de respostas, o livro continuará a existir na sua missão perene.
Quando falo em livro quero me referir a um conjunto unitário e sistemático de trabalhos, quer seja de ensaios de filosofia ou de direito, de tratados de ciências, de um romance ou de uma reunião de poesias ou de crônicas. A sua essência somente reside na unidade sistemática.
É claro que a Internet, com os milagres do computador, registrará os livros por inteiro, mas os substituirá por inteiro, não os anulando.
Nada há de mais profundo e de criador do que uma nova ideia a gotejar na ponta de uma caneta.
Por mais que o computador enriqueça a Internet, o livro continuará sendo um ente essencial e necessário, exatamente por sua unidade sistemática que é um valor autônomo.
Quem está lendo um livro, está em uma situação singular, podendo anota-lo, repetir uma frase ou um período no contexto de um todo inteiro.
A Internet será sempre um oceano de perguntas e respostas, por mais que seja divisível em partes, cada uma delas com o conteúdo de um livro.
Dir-se-á que o livro representa um trabalho que teve êxito, realizando um fim próprio somente seu, e não como um átomo inserido em uma molécula, que lhe dá substância.
Pense-se na crítica de um livro, e imediatamente se compreenderá que não se trata de uma parcela do informado na Internet, mas de algo que foi pensado de per si.
O que distingue o livro é, repito, sua unidade sistemática, perdendo sentido sem essa qualidade essencial.
É claro que, se meu propósito se resume em pensar em um trecho de um livro, bastará o site da Internet, mas deixará esta de nos dar a ideia de um todo que antes de mais nada vale por si só.
Nada mais substituirá a Internet na sua façanha de responder a todas as perguntas, no infinito do conhecimento humano, como se a humanidade fosse uma só!
A meu ver, a deficiência da Internet é ser uma infinidade de respostas, que pressupõe que alguém tenha tido uma ideia. Ela por si só não seleciona as perguntas dadas. Se quisermos uma resposta, ainda não objeto de pesquisa, esta será previamente exigida, dependendo de um trabalho antes pensado, incluso no contexto de um livro.
O mal da Internet é, insisto, na falta de seleção do que informa, de maneira que o livro existe sempre como algo que foi trabalhado e armazenado.
Sob esse ângulo, dir-se-ia que é através do livro que a Internet consegue selecionar, não podendo, pois, despreza-lo. Ou, por outras palavras, a mesma presteza informativa a Internet precisa ter com os livros que ela registra.
A diferença entre a Internet e o livro, assim, consiste que naquela não há seleção na resposta, ao passo que o outro é de per si uma seleção, com perguntas pressupostas.
Donde se conclui que quanto mais a Internet registrar, mais se terá necessidade de manter o livro como ente autônomo.
Em outros termos, pode-se concluir que os verdadeiros livros consubstanciam blocos racionais que garantem o mínimo de unidade sistemática reclamada pela significação global da Internet.
Ainda não temos plena consciência do quanto representa a Internet com sua “infinidade de informações”, mas é uma infinidade de acesso fácil, ficando preservada a autonomia do livro.
Entre Internet e livro não há uma dialética de duração do livro, à medida que seja este registrado. Ao contrário, para que o conteúdo infinito da Internet seja selecionável, sendo essencial a todas as esferas do conhecimento, é indispensável que lhe sejam submetidos os livros como entes a se.
Restam muitos problemas a resolver a propósito do tema “Internet/Livro”, bastando dizer que, com isto, se assegure o direito de autor, que corre o risco de desaparecer com a infinita projeção da Internet.
É inadmissível que o direito de autor não contenha o justo preço de uma ideia criadora, seja existente no plano das ciências ou das letras. Há quem sustente que com a Internet deixa de haver direito de autor, o que me parece absurdo.
Devemos estudar essa questão do direito de autor, prevendo a necessidade de prévia autorização para inserção de um trabalho na Internet, muito embora isto crie natural embaraço, dada a universalidade que lhe é própria.
Por outro lado, deve-se reconhecer que dificuldades haverão para estabelecer limites a uma criação técnica que parece destinada a abrir novos horizontes para a civilização, como é o caso da Internet, conforme projeto de Vinton Cerf, criador dos protocolos que deram origem a toda rede de computador que hoje existe.
Não é por acaso que surge a Internet em correlação com o fenômeno da Globalização que exige novos paradigmas para sua compreensão, um dos motivos que justificam a existência de uma civilização, que seria a da democracia da informática.
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MIGUEL REALE
Filósofo, Jurista, Professor, Poeta e Memorialista.
* São Bento do Sapucaí, SP (06/11/1910)
+ São Paulo, SP (14/04/2006)
Filho do médico italiano Braz Reale e de Felicidade Chiarardia Reale, Miguel Reale ocupava a cadeira de número 14 da Academia Brasileira de Letras desde o dia 16/01/1975. Politicamente definia-se como liberal social.
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