segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A VULGARIZAÇÃO DE DEUS

Certa vez deparei-me com uma situação que me deixou sinceramente intrigado. Avistava uma empresa, cuja porta de ferro se transcrevia a seguinte frase: “Deus proteja este lugar”. Ao entrar no estabelecimento, as paredes eram mescladas de frases bíblicas com chavões de autoajuda, para dar incentivo aos funcionários. As mensagens bíblicas pareciam simpatias, mandingas, como se fossem atributos de chamar a sorte ou de espantar o mau olhado. A bíblia, por assim dizer, virou um objeto de idolatria. O dono do estabelecimento me pareceu gentil e cordato. Todavia, como um católico, aquela exposição exagerada pareceu forçosa demais.

Observo outra situação curiosa: um veículo onde se lê “Jesus Cristo me deu esse carro”. É como se o Nosso Senhor fosse um mago de Aladim. Basta pedir ao gênio da lâmpada e eis o carro novo do ano como milagre caído do céu! Em suma, uma dessacralização de Deus, que atende aos anseios mais insignificantes de um indivíduo espiritualmente tolo.  Em suma, o nome de Deus é usado em vão.

Neste ponto, é até admirável a postura dos judeus. Cheguei a conhecer um sujeito que tentava se converter à fé judaica e estudava a Cabala. Eu o reconhecia sempre nas livrarias, de kipá na cabeça, folheando livros de misticismo. Uma vez eu o vi tremer quando falei do nome de Deus. Dizia que o nome Dele jamais deveria ser soletrado levianamente.  A palavra “Deus” só deveria ser recitada num ato de estrita especialidade. Aliás, os judeus não escrevem o nome de Deus. Ou melhor, escrevem D*us. Pode parecer exagerado demais esse zelo severo, rígido, obsessivo. Inclusive na Cabala, o nome de Deus e as palavras do hebraico ganham conotações perigosamente esotéricas e supersticiosas. Pelo menos, o judeu praticante demonstra perfeita consciência do valor do sagrado e da necessidade de sua reverência e distinção. Ainda que haja excessos. . .

Nada contra a manifestação sincera de religiosidade. Mais do que nunca, numa época de intenso secularismo, é necessário expor o máximo a religiosidade e fé. Porém, nada mais assustador do que transformar Deus numa espécie de talismã, numa figura trivial, como uma coisa mágica ou um deus pagão. Há nestes tipos de manifestações a mais completa perda do sentido do sagrado, do solene, do transcendente. A inconveniente mescla do sagrado e do profano acaba por sujeitar os bens espirituais aos interesses materiais menores. É como fazem algumas seitas evangélicas que vendem curas e milagres a granel. Se o milagre é uma disposição personalíssima de Deus agindo sobre a natureza e o homem, a sua vulgarização coisifica a ação divina. Ela se torna corriqueira, comum, ordinária, sem particularidade alguma. É contra a essência do milagre ser “normal”. Na prática, a destruição da sacralidade, dos ritos e da solenidade da fé é um dos sintomas graves do secularismo na religião.

A Igreja Católica também está contaminada pela ideologia do secularismo. É pior, há não somente uma desvalorização completa dos símbolos da Igreja, como até o repúdio e desprezo às tradições litúrgicas e simbólicas do catolicismo.

Acompanhava o encerramento das festividades do Círio de Nazaré, para assistir aos fogos de artifício, quando presenciei uma cena irritante. Os sinos da Igreja tocavam marcando as horas, quando, na praça da Igreja de Nazaré, uns músicos da Renovação Carismática cantavam aquelas horríveis músicas pentecostais. Senti-me ultrajado. Havia tal desarmonia entre os sinos da Igreja e aqueles sons de guitarra elétrica e bateria, que pensei, cá com meus botões, onde havia de respeitoso naquela manifestação tão chorosa e piegas. A música chata abafou os belos sons dos sinos.

O catolicismo foi reduzido a uma mera ideologia de bom mocismo, lacrimogênea, romântica, acovardada. Padres e bispos querem vender a imagem de uma Igreja “moderna”, “boazinha”, como se fosse um produto disponível pra consumo. Temem ferir susceptibilidades. A Tradição e os valores podem ser jogados na lata do lixo da história. O clero quer ganhar o mundo e vender a sua alma.

Alguém poderia me chamar de “reacionário”, de “obtuso”, como os tradicionalistas radicais. Lembrei-me da grande polêmica musical do século XVII, quando Cláudio Monteverdi escandalizou as autoridades da Igreja, ao mesclar o canto solo com a música sacra. Numa época em que a polifonia era tradicionalmente tocada nas capelas, escutar uma música que poderia ser um mero arremedo da nascente ópera italiana irritava o clero mais ortodoxo. O mesmo impacto causou Johann Sebastian Bach, quando apavorou o clero luterano, na sua Paixão Segundo São Mateus. Entretanto, esses músicos eram sinceramente inovadores. Ouvir Vespro della Beatta vergine e Paixão Segundo São Mateus me dão sérios arrepios na alma. São verdadeiras obras-primas da música universal, carregadas de uma profunda e séria religiosidade. Elas agregam espirito de fé à Cristandade.

Estou bem longe de ser um tradicionalista sectário. Entretanto, com certeza Bach e Monteverdi não podem ser equiparados aos medíocres e chorosos músicos da Renovação Carismática Católica.

Uma das expressões mais caricatas dessa religiosidade bocó provém do “padre” Fábio de Melo. Coloco entre aspas porque Fábio de Melo não se porta como tal. O narcisismo que carrega não condiz com a sobriedade eclesiástica. Perguntado pela jornalista Marília Gabriela qual era o primeiro lugar que o dito “padre” visitaria em uma cidade, o tosco galã de batina respondeu que era uma academia de musculação. Quem pode levar a sério esse “místico” de novela “Malhação”? Seus livros e suas músicas representam esse catolicismo pobre de espiritualidade, vazio de simbologia, reduzido a um embolorado lugar-comum de “pensamentos positivos”.  Alguém já viu o Sr. Fábio de Melo se posicionar contra a ameaça anticristã que paira no Brasil? Nada! O apresentador Fausto Silva fala de “homofobia” da Igreja no programa de domingo e o padreco playboy vem falar de amor! Que dirá então da pilhéria de seu amigo, o Sr. Gabriel Chalita, um politiqueiro vigarista travestido de “filósofo”? Para uma Igreja gloriosa que já teve uma Santa Teresa D´Ávila, São João da Cruz ou Santa Catarina de Siena como seus porta-vozes, os dois reduzem a religião a uma tagarelice bestial ao nível de Lair Ribeiro e do “bispo” Edir Macedo.  

“Padre” Fábio de Melo nos brinda com mais um espetáculo de bizarrices. A última foi iniciar uma procissão com padres puxados por carroça de bois, ministrando a missa num “acampamento sertanejo”.  Será que vão substituir o canto gregoriano pela música de Chitãozinho e Chororó? Ou será que o gado virou sacristão da Igreja? A pergunta que fica é: que Igreja? O rebanho estava longe de ser um Corpo Místico da Igreja. O lugar da missa mais parecia um curral. Alguém acha que o carismático fala alguma “língua estranha”? Deve ser o mugido da vaca!

Padre Marcelo Rossi é outro que confunde púlpito com academia de ginástica. Virou uma espécie de popstar queridinho das celebridades.  Por que será que o Sr. Rossi virou padre? Não seria melhor ter virado professor de educação física? Por acaso alguém vai trazer ferros na Igreja, para fazer musculação ou ter corpo “sarado”? Não me conste que professores de educação física sejam primores de inteligência ou de espiritualidade. . .

Algum sabichão afirmará que a Igreja deve escolher uma linguagem moderna, deve se aproximar dos fiéis com uma pompa menos ritualística ou formal. Contudo, desde que a Igreja abriu às portas à mudança da liturgia e de sua simbologia, só tem perdido adeptos. Também pudera: quando a Igreja começou a deixar de ser Igreja e quis imitar o que não é de sua natureza, as pessoas perceberam o artificialismo. Igreja Católica é Tradição, Fé, Doutrina, Civilização. Ela vive de sua forma e substância austeras. Nenhum católico escapa desta sina. A Igreja sem seus símbolos vira protestante. Desfigura-se a si mesma.

Mantenho-me crente na fé católica. Mas não sinto o menor estímulo em ir à Igreja. Atualmente se trata o sacrifício de Nosso Senhor como se fosse uma pantomima, uma farra, um espetáculo de sensacionalismo, como uma extensão da pocilga, da gafieira ou da casa. Ou no mínimo, um arremedo de alguma seita evangélica. Quem acha que a Igreja deve tocar música sertaneja ou “aeróbica do Senhor” quer transformar a missa e a própria Igreja numa zona. . A Igreja Católica virou a igreja do populacho. Não sabem distinguir mais a Casa de Deus com a casa da Mãe Joana. Nem mesmo o clero parece levar com seriedade a missa.

Não se está falando de danças, festas e sorrisos. A missa é uma solenidade que recorda o sacrifício, o sofrimento e a morte de Nosso Senhor. Quem festeja na hora do sofrimento e da morte é um estúpido, um cretino, um completo espírito de porco. Quem quiser fazer farra, que vá à boate ou a alguma denominação evangélica qualquer. O católico não tem a liberdade de escolher os seus dogmas. Quem escolhe dogma é herético. A Renovação Carismática Católica e suas congêneres são um desserviço à liturgia e à doutrina católica. E do ponto de vista estritamente estético, é puro gospel kitsch. 

Um comentário:

Graça Maria disse...

Que satisfação encontrar o seu blog e absorver tanta sabedoria. Agora que eu o descobri, posso afirmar categoricamente, que serei sua leitora assídua, pois nossa linha de raciocínio é muito semelhante.

Abraço
Graça