terça-feira, 25 de novembro de 2008

Fábrica de maus professores


Monica Weinberg Entrevista: Eunice Durham
Uma das maiores especialistas em ensino superior brasileiro, a antropóloga não tem dúvida: os cursos de pedagogia perpetuam o péssimo ensino nas escolas.

"Os cursos de pedagogia desprezam a prática da sala de aula e supervalorizam teorias supostamente mais nobres. Os alunos saem de lá sem saber ensinar”.

Hoje há poucos estudiosos empenhados em produzir pesquisa de bom nível sobre a universidade brasileira. Entre eles, a antropóloga Eunice Durham, 75 anos, vinte dos quais dedicados ao tema, tem o mérito de tratar do assunto com rara objetividade. Seu trabalho representa um avanço, também, porque mostra, com clareza, como as universidades têm relação direta com a má qualidade do ensino oferecido nas escolas do país. Ela diz: "Os cursos de pedagogia são incapazes de formar bons professores". Ex-secretária de política educacional do Ministério da Educação (MEC) no governo Fernando Henrique, Eunice é do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas, da Universidade de São Paulo – onde ingressou como professora há cinqüenta anos.

Sua pesquisa mostra que as faculdades de pedagogia estão na raiz do mau ensino nas escolas brasileiras. Como?
As faculdades de pedagogia formam professores incapazes de fazer o básico, entrar na sala de aula e ensinar a matéria. Mais grave ainda, muitos desses profissionais revelam limitações elementares: não conseguem escrever sem cometer erros de ortografia simples nem expor conceitos científicos de média complexidade. Chegam aos cursos de pedagogia com deficiências pedestres e saem de lá sem ter se livrado delas. Minha pesquisa aponta as causas. A primeira, sem dúvida, é a mentalidade da universidade, que supervaloriza a teoria e menospreza a prática. Segundo essa corrente acadêmica em vigor, o trabalho concreto em sala de aula é inferior a reflexões supostamente mais nobres.

Essa filosofia é assumida abertamente pelas faculdades de pedagogia?
O objetivo declarado dos cursos é ensinar os candidatos a professor a aplicar conhecimentos filosóficos, antropológicos, históricos e econômicos à educação. Pretensão alheia às necessidades reais das escolas – e absurda diante de estudantes universitários tão pouco escolarizados.

O que, exatamente, se ensina aos futuros professores?
Fiz uma análise detalhada das diretrizes oficiais para os cursos de pedagogia. Ali é possível constatar, com números, o que já se observa na prática. Entre catorze artigos, catorze parágrafos e 38 incisos, apenas dois itens se referem ao trabalho do professor em sala de aula. Esse parece um assunto secundário, menos relevante do que a ideologia atrasada que domina as faculdades de pedagogia.

Como essa ideologia se manifesta?
Por exemplo, na bibliografia adotada nesses cursos, circunscrita a autores da esquerda pedagógica. Eles confundem pensamento crítico com falar mal do governo ou do capitalismo. Não passam de manuais com uma visão simplificada, e por vezes preconceituosa, do mundo. O mesmo tom aparece nos programas dos cursos, que eu ajudo a analisar no Conselho Nacional de Educação. Perdi as contas de quantas vezes estive diante da palavra dialética, que, não há dúvida, a maioria das pessoas inclui sem saber do que se trata. Em vez de aprenderem a dar aula, os aspirantes a professor são expostos a uma coleção de jargões. Tudo precisa ser democrático, participativo, dialógico e, naturalmente, decidido em assembléia.

Quais os efeitos disso na escola?
Quando chegam às escolas para ensinar, muitos dos novatos apenas repetem esses bordões. Eles não sabem nem como começar a executar suas tarefas mais básicas. A situação se agrava com o fato de os professores, de modo geral, não admitirem o óbvio: o ensino no Brasil é ainda tão ruim, em parte, porque eles próprios não estão preparados para desempenhar a função.

Por que os professores são tão pouco autocríticos?
Eles são corporativistas ao extremo. Podem até estar cientes do baixo nível do ensino no país, mas costumam atribuir o fiasco a fatores externos, como o fato de o governo não lhes prover a formação necessária e de eles ganharem pouco. É um cenário preocupante. Os professores se eximem da culpa pelo mau ensino – e, conseqüentemente, da responsabilidade. Nos sindicatos, todo esse corporativismo se exacerba.

Como os sindicatos prejudicam a sala de aula?
Está suficientemente claro que a ação fundamental desses movimentos é garantir direitos corporativos, e não o bom ensino. Entenda-se por isso: lutar por greves, aumentos de salário e faltas ao trabalho sem nenhuma espécie de punição. O absenteísmo dos professores é, afinal, uma das pragas da escola pública brasileira. O índice de ausências é escandaloso. Um professor falta, em média, um mês de trabalho por ano e, o pior, não perde um centavo por isso. Cenário de atraso num país em que é urgente fazer a educação avançar. Combater o corporativismo dos professores e aprimorar os cursos de pedagogia, portanto, são duas medidas essenciais à melhora dos indicadores de ensino.

A senhora estende suas críticas ao restante da universidade pública?
Há dois fenômenos distintos nas instituições públicas. O primeiro é o dos cursos de pós-graduação nas áreas de ciências exatas, que, embora ainda atrás daqueles oferecidos em países desenvolvidos, estão sendo capazes de fazer o que é esperado deles: absorver novos conhecimentos, conseguir aplicá-los e contribuir para sua evolução. Nessas áreas, começa a surgir uma relação mais estreita entre as universidades e o mercado de trabalho. Algo que, segundo já foi suficientemente mensurado, é necessário ao avanço de qualquer país. A outra realidade da universidade pública a que me refiro é a das ciências humanas. Área que hoje, no Brasil, está prejudicada pela ideologia e pelo excesso de críticas vazias. Nada disso contribui para elevar o nível da pesquisa acadêmica.

Um estudo da OCDE (organização que reúne os países mais industrializados) mostra que o custo de um universitário no Brasil está entre os mais altos do mundo – e o país responde por apenas 2% das citações nas melhores revistas científicas. Como a senhora explica essa ineficiência?
Sem dúvida, poderíamos fazer o mesmo, ou mais, sem consumir tanto dinheiro do governo. O problema é que as universidades públicas brasileiras são pessimamente administradas. Sua versão de democracia, profundamente assembleísta, só ajuda a aumentar a burocracia e os gastos públicos. Essa é uma situação que piorou, sobretudo, no período de abertura política, na década de 80, quando, na universidade, democratização se tornou sinônimo de formação de conselhos e multiplicação de instâncias. Na prática, tantas são as alçadas e as exigências burocráticas que, parece inverossímil, um pesquisador com uma boa quantia de dinheiro na mão passa mais tempo envolvido com prestação de contas do que com sua investigação científica. Para agravar a situação, os maus profissionais não podem ser demitidos. Defino a universidade pública como a antítese de uma empresa bem montada.

Muita gente defende a expansão das universidades públicas. E a senhora?
Sou contra. Nos países onde o ensino superior funciona, apenas um grupo reduzido de instituições concentra a maior parte da pesquisa acadêmica, e as demais miram, basicamente, os cursos de graduação. O Brasil, ao contrário, sempre volta à idéia de expandir esse modelo de universidade. É um erro. Estou convicta de que já temos faculdades públicas em número suficiente para atender aqueles alunos que podem de fato vir a se tornar Ph.Ds. ou profissionais altamente qualificados. Estes são, naturalmente, uma minoria. Isso não tem nada a ver com o fato de o Brasil ser uma nação em desenvolvimento. É exatamente assim nos outros países.

As faculdades particulares são uma boa opção para os outros estudantes?
Freqüentemente, não. Aqui vale a pena chamar a atenção para um ponto: os cursos técnicos de ensino superior, ainda desconhecidos da maioria dos brasileiros, formam gente mais capacitada para o mercado de trabalho do que uma faculdade particular de ensino ruim. Esses cursos são mais curtos e menos pretensiosos, mas conseguem algo que muita universidade não faz: preparar para o mercado de trabalho. É estranho como, no meio acadêmico, uma formação voltada para as necessidades das empresas ainda soa como pecado. As universidades dizem, sem nenhum constrangimento, preferir "formar cidadãos". Cabe perguntar: o que o cidadão vai fazer da vida se ele não puder se inserir no mercado de trabalho?

Nos Estados Unidos, cerca de 60% dos alunos freqüentam essas escolas técnicas. No Brasil, são apenas 9%. Por quê?
Sempre houve preconceito no Brasil em relação a qualquer coisa que lembrasse o trabalho manual, caso desses cursos. Vejo, no entanto, uma melhora no conceito que se tem das escolas técnicas, o que se manifesta no aumento da procura. O fato concreto é que elas têm conseguido se adaptar às demandas reais da economia. Daí 95% das pessoas, em média, saírem formadas com emprego garantido. O mercado, afinal, não precisa apenas de pessoas pós-graduadas em letras que sejam peritas em crítica literária ou de estatísticos aptos a desenvolver grandes sistemas. É simples, mas só o Brasil, vítima de certa arrogância, parece ainda não ter entendido a lição.

Faculdades particulares de baixa qualidade são, então, pura perda de tempo?
Essas faculdades têm o foco nos estudantes menos escolarizados – daí serem tão ineficientes. O objetivo número 1 é manter o aluno pagante. Que ninguém espere entrar numa faculdade de mau ensino e concorrer a um bom emprego, porque o mercado brasileiro já sabe discernir as coisas. É notório que tais instituições formam os piores estudantes para se prestar às ocupações mais medíocres. Mas cabe observar que, mesmo mal formados, esses jovens levam vantagem sobre os outros que jamais pisaram numa universidade, ainda que tenham aprendido muito pouco em sala de aula. A lógica é típica de países em desenvolvimento, como o Brasil.

Por que num país em desenvolvimento o diploma universitário, mesmo sendo de um curso ruim, tem tanto valor?
No Brasil, ao contrário do que ocorre em nações mais ricas, o diploma de ensino superior possui um valor independente da qualidade. Quem tem vale mais no mercado. É a realidade de um país onde a maioria dos jovens está ainda fora da universidade e o diploma ganha peso pela raridade. Numa seleção de emprego, entre dois candidatos parecidos, uma empresa vai dar preferência, naturalmente, ao que conseguiu chegar ao ensino superior. Mas é preciso que se repita: eles servirão a uma classe de empregos bem medíocres – jamais estarão na disputa pelas melhores vagas ofertadas no mercado de trabalho.

A tendência é que o mercado se encarregue de eliminar as faculdades ruins?
A experiência mostra que, conforme a população se torna mais escolarizada e o mercado de trabalho mais exigente, as faculdades ruins passam a ser menos procuradas e uma parte delas acaba desaparecendo do mapa. Isso já foi comprovado num levantamento feito com base no antigo Provão. Ao jogar luz nas instituições que haviam acumulado notas vermelhas, o exame contribuiu decisivamente para o seu fracasso. O fato de o MEC intervir num curso que, testado mais de uma vez, não apresente sinais de melhora também é uma medida sensata. O mau ensino, afinal, é um grande desserviço.

A senhora fecharia as faculdades de pedagogia se pudesse?
Acho que elas precisam ser inteiramente reformuladas. Repensadas do zero mesmo. Não é preciso ir tão longe para entender por quê. Basta consultar os rankings internacionais de ensino. Neles, o Brasil chama atenção por uma razão para lá de negativa. Está sempre entre os piores países do mundo em educação.


3 comentários:

Karla Lima disse...

Oi, realmente concordo "Fábrica"faço faculdade na Fecilcam e realmente os acadêmicos são torturados psicologicamente,mas eu me pergunto se os professores estão cansados com muitas "funções" porque não vão "pescar",eu tenho milhões de problemas e estou tentando terminar,mas a motivação vinda dos nossos "superiores" é absurda,é como se estivéssemos .no filme "tropa de elite"..."pede pra sair"mas quem tem que sair?Um profissional que perdeu o valor de humanizar... Eles pregam a união e se matam entre si... Escolhi o curso de pedagogia por acreditar que a educação pode ser mudada e pra melhor, no entanto me deparei com um "bando" de egoístas, capitalistas... Que sentem prazer em ver um ser - humano chorando em uma banca, trabalho e prova... Sentem prazer em fazer um "terrorismo psicológico”... Ser educador não é ser terrorista... Se tivermos que valorizar a educação o primeiro passo é o educador respeitar o seu próximo e isso começa com HUMANIZAÇÃO... Que infelizmente na FECILCAM se perdeu com todos os valores... Morais... Que moral um educador tem se dentro da sala manda um acadêmico calar a boca... Que nível de profissional esse "educador” está transformando? Desculpe o desabafo, mas algo a respeito deve ser feito... E acadêmicos FAÇAM JUNTOS é direito de vcs,eles não são SUPERIORES nem DEUSES ,sentaram na mesma cadeira que vcs,e devem respeitar aqueles que um dia poderão ser os seus SUPERIORES...Pensem nisso!!! Se criar uma criatura um dia essa criatura pode te dar de COMER!

Obrigada por este espaço!

PEDAGOGOCARDEALCRTEAMSUL disse...

Confesso que li e não entendi os comentários da antropóloga Eunice Durham. Sou Pedagogo e concordo que as universidades devem ser repensadas, reestruturadas, etc...
Quando digo que não entendi as colocações da antropóloga é pelo seguinte:
é a faculdade de pedagogia que formam os todos os professores que estão hoje dentro das escolas? Sou pedagogo a três anos e não conheço pedagogo que atua em sala. A nossa formação é voltada para atendimento aos alunos, aos pais dos alunos, mas não são todos os pedagogos que estão hoje em sala de aula. Os professores ruins que segundo a antropóloga a faculdade está produzindo não é formado pela pedagogia. O professor de língua portuguesa é formado pelo curso de letras, o de história pelo curso de história, o de geografia pelo curso de geografia e por aí vai. Onde está a culpa da pedagogia na má formação desses professores? Não consigo ver. A pedagogia é um curso que procura produzir um sujeito que não tenha visão reducionista, que tenha compreensão dos fatos não através do senso comum, mas que investigue as causas reais desses fatos. Não saímos por aí dizendo que este ou aquele professor é ruim, que este ou aquele aluno é indisciplinado, mas procuramos verificar através de estudo mais criterioso quais são os fatores geradores desses problemas. Penso que todos os cursos que estão sendo estudados nas universidades, estão abarrotados de matérias que talvez nunca utilizaremos em nossa prática cotidiana mas que estão lá pura e simplesmente para dar emprego a um cidadão que se formou nesta área. A educação se transformou num grande negócio, e nós estamos a serviço de um pequeno grupo que nos faz movimentarmos todos os dias seja isto bom ou ruim. Resumidamente amigos, estamos numa sociedade irreflexível, irremediavelmente!!
Melhor dizendo: hipócrita mesmo.
Se vc quiser conversar mais sobre isto, especialmente a aluna da fecilcam envie e-mail podemos conversar - acjsantana@gmail.com

Karla Lima disse...

O pedagogo tem papel importante na formação do individuo, e sim atuam em salas de séries iniciais, temos varias funções assim como os educadores de outras áreas, porem o nosso papel é o de inserir este individuo dentro da sociedade, é a formação mais importante que esta nas mãos dos Pedagogos. O papel do pedagogo ainda pode ser um mistério para muitos, porém para alguns não!
A maioria dos pedagogos que conheço atuam dentro das salas de ALFABETIZAÇÃO, a formação do pedagogo não esta voltada “apenas” para atendimentos de pais e alunos, mas para ensinar o LETRAMENTO...afinal de contas alfabetizar qualquer um consegue,mas fazer com que se tenha um LETRAMENTO isso sim está faltando.
Não estou generalizando nem culpando... Mas é preciso reflexão de valores que se perdem não somente na família ou na sociedade, mas como tbm dentro das escolas e das universidades, valores como respeito, e principalmente humildade. Respeito às opiniões de todos, no entanto está é a minha opinião, a educação esta se perdendo e a cada dia esta mais individualista e isso acontece dentro dos departamentos, entre professor e aluno refletindo nos desastres que vemos todos os dias. A escola, família e comunidade têm que se unir para mudar este sistema, que vem de cima para baixo... O educar deve transformar e não fazer copia... Subir no meio da escada e olhar a paisagem com um conformismo absurdo, é isso que acontece e tem que mudar... Esse pensamento de que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”... E o que iremos dizer aos nossos filhos?
Diremos: siga este modelo que esta “montado” e deixe seus sonhos de lado,assim vc vai conseguir se formar...nunca lute por aquilo que vc acredita,não!!! Isso vai fazer com que vc seja eliminado, excluído... Siga aquela linha... Resumindo... Aceite!
Meu vô certa vez me disse: Antigamente se tinha honra tudo era feito de boca... hoje nada mais vale,nem os sonhos nem os pensamentos.
Eu acredito que deve ter uma mudança, e que o meio da escada é pouco, quero assim como muito o Topo... E o papel de um educador independente da área que atue é o de transformar pessoas criticas, que busquem seus ideais sejam eles quais forem a educação esta solta, largada... Acomodada.... Mas lembre-se não estou generalizando...

Obrigada...