Sócrates
O enorme avanço nas técnicas das comunicações do último século tem sido alucinante, com efeito trouxe cidadãos mais informados sobre o singular mas imprecisos e notadamente ansiosos quando tem de incorporar essa mesma informação em benefício da coletividade. A particularidade deste fato transformou os partidos políticos em pujantes máquinas eleitorais e não em organismos para a transmissão das necessidades e ambições do povo. Esses blocos de cidadãos, como se reconhecem os partidos, medem-se , na atualidade, em termos de propaganda e é para ela que se destina a maior parte do valor de uma campanha na qual a imprensa em vez de cumprir um papel de protagonista como deveria, cumpre um papel subalterno.
Conhecemos mais dos candidatos e a sua personalidade do que as suas ideias ou a forma como pretendem implementa-las. Talvez porque escutamos mais e falamos menos. Vivemos em aparência de forma mais coletiva mas curiosamente mais sós.
Por este caminho vemos que a política está cada vez mais distante do cidadão e mais próxima dos grupos de interesse que dela lucram e só conseguem governos arredados dos interesses coletivos. Em consequência a cidadania que assumimos é raquítica e a democracia que se lhe oferece é de baixa qualidade . Como reflexo temos maiores níveis de descontentamento em relação aos políticos e partidos políticos. A propaganda e o uso massivo dos meios para lançar slogans ou frases políticas - apenas para fazer a diferença verbal - tem esvaziado o conteúdo ideológico dos partidos e o debate necessário no interior dos meios de comunicação. Para a imprensa parece ser mais fácil seguir o caminho e o rítmo marcados pela propaganda do que analisar se por detrás dessas frases de ocasião se esconde ou não um projeto e um candidato fiável para a cidadania. Entendo que a imprensa serviria melhor o público alegando os efeitos desmobilizantes das publicidades negativas do que aderir à incerteza do conteúdo das mesmas.
Aristóteles e Platão: detalhe da pintura de Rafael, A escola de Atenas.
É por estas ideias que urge reabilitar a política e a democracia. Parece-me necessário reinventar a forma e a importância da urbanidade democrática frente ao mercado político ou às identidades fortes que excluem ou obscurecem o livre exercício da discussão pública. A política não deveria ser um mero subsistema da sociedade, mas a sede das autênticas decisões coletivas. A ideia de que as instituições democráticas não gozam de um dispositivo automático que garanta a sua renovação mantém-se; por isso devem ser alimentadas por um impulso cívico sempre renovado. É preciso recuperar a dimensão das virtudes “cívicas”, implicar os cidadãos de forma crescente na gestão do público e potenciar o exercício dos seus direitos e obrigações, para isso requer-se que os cidadãos possam confiar na classe política e nas virtudes do sistema sem drama nem quebra. Mas isto talvez exija, em primeiro lugar, que os partidos, sejam permeáveis às autênticas necessidades sociais, que sejam abertos, transparentes e responsáveis assim como os seus dirigentes; em segundo lugar, que se estabeleça um autêntico espaço público de debate democrático e um estilo de governar sem arrogância nem sectarismo ou confrontações de tipo Abel versus Caim. A cidadania reclama uma democracia de qualidade.
Neste ponto saliento a ligação da democracia a Liberdade e a Igualdade. Verdadeiramente, só se pode apostar na democracia e nos valores cívicos levando a sério estes princípios. Tratar-se-á de fazer com que a Igualdade e a Liberdade se reconheçam não apenas pelo modo formal mas numa prática efectiva. Porque é no âmbito da cidadania democrática que estes princípios são, em definitivo os únicos em que os seres humanos aparecem explicitamente como iguais.
(ANTONIO DELGADO)
Escola de Atenas: Pintura Mural de Rafael
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