sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

UMA JORNADA DE APRENDIZAGEM E ENCANTAMENTOS NA LAGUNA DOS PATOS – PARTE III

Hélio Riche Bandeira, Porto Alegre, RS, 01 de dezembro de 2011.

De Arambaré a Tapes

Praia à beira da Laguna dos Patos, Arambaré-RS (foto: Henrique Borba)-e-Lagoa dos Patos, Tapes-RS foto: José Silvério G Valadares

O dia novamente amanheceu com um belo sol e ventos fracos de sudoeste, ou seja, a favor no primeiro trecho a ser percorrido. Despedimo-nos de nossos amigos brigadianos e seguimos viagem remando aceleradamente e sem dificuldades por aproximadamente doze quilômetros até um ponto próximo do final da Ponta de Dona Helena, onde fizemos nossa primeira parada aproveitando para descansar, lanchar e passear por suas dunas de areias brancas cobertas parcialmente por uma exuberante vegetação nativa. Neste local também se observou restos de acampamentos de pescadores e viajantes que procuram estas áreas por oferecer, além da sua beleza, proteção dos ventos fortes tão comuns na Laguna dos Patos.

Continuando a jornada cruzamos pelo Banco dos Desertores, que entra quilômetros Laguna adentro a partir do Pontal de Dona Helena, e rumamos numa linha quase retilínea de aproximadamente vinte e quatro quilômetros em direção a Tapes. A partir do Banco novamente se fez presente o indesejado vento de través por trás, porém, graças ao nosso amigo Pedro, agora meu caiaque tinha um leme fixo, que após regulá-lo me deu a direção desejada e transformou o meu suplício do dia anterior num deslocamento rápido e tranqüilo.

Já dentro da Enseada de Tapes, num local com muitas dunas de areia serpenteadas por uma rica vegetação nativa, paramos para admirar algumas figueiras repletas de belas e floridas orquídeas. Em contrapartida, constatamos que próximo delas também havia alguns pés de pinus que, infelizmente, começavam a invadir implacavelmente as dunas. Este novo vilão da mata nativa, plantado em grandes quantidades nesta região principalmente como matéria prima da celulose, não obedece aos limites de suas matas e cercas, se prolifera através do vento e invade os santuários ecológicos juntos da Laguna dos Patos, modificando assim sua bela flora e fauna. Isto sem falar que, segundo Py (2009, p. 30) as florestas exóticas provocam uma paisagem linear e igual, desestimulando o ecoturismo, pois em todos no mundo formam paisagens iguais.

Pensando em até quando a natureza suportaria este novo invasor continuamos remando sem nenhuma dificuldade até seis quilômetros antes do Clube Náutico Tapense para fazer a nossa última parada de descanso, lanche e observações. Neste último trecho a mata nativa, embora bela, ficava reduzida a poucos metros de largura, espremida pelas grandes plantações de arroz.

O Coronel Hiram achou um encantador filhote de tartaruga e após colocá-lo em um lugar seguro para sua sobrevivência, partimos para nosso destino final do dia.

Cruzamos pelas praias e zona central de Tapes e chegamos ao clube náutico onde o nosso amigo Coronel Pastl já havia providenciado uma farta refeição no restaurante do clube. Após comermos o Coronel Pastl nos alojou numa confortável casa no Balneário Pinveste, de propriedade de seu cunhado Valdir e partiu para cumprir seus compromissos em Canoas. Neste local, em razão do mau tempo com muita chuva e vento, permanecemos por mais um dia aproveitando para descansar, recompor nossas forças e fazer um rápido passeio pelo balneário.

Tapes possui uma das maiores extensões litorâneas de água doce do Estado, margeada por mais de 80 km da Laguna dos Patos. Os esportes náuticos são um importante atrativo da cidade, como o windsurf, o kitesurf, a natação e os passeios de barco. (Revista Costa Doce, 2010, p. 24)

No fim da tarde do dia 23 de setembro nos deslocamos para o Clube Náutico Tapense para pernoitar no iate do Coronel Pastl e assim ganhar tempo na manhã seguinte. Nossa estratégia foi um desastre, pois ventava muito e só conseguimos permanecer por apenas alguns minutos dentro do barco em virtude de um forte enjôo. Felizmente este contratempo foi logo resolvido, pois quando fomos falar com os responsáveis pelo clube eles gentilmente nos deixaram pernoitar na sala próxima à sauna e usar as instalações sanitárias desta.

De Tapes até a divisa dos municípios de Barra do Ribeiro e Tapes.

O penúltimo dia de nossa jornada amanheceu bastante nublado, frio e com um forte vento vindo do leste, ou seja, teríamos que atravessar o Saco de Tapes até o ponto mais estreito do Pontal de Santo Antônio com vento contra e a água bem agitada. Resolvemos encarar o desafio e partimos pouco antes das seis da manhã. Eram pouco mais de doze quilômetros em linha reta até o ponto de travessia terrestre pela restinga, mas em razão do mau tempo resolvemos primeiro nos aproximar da margem leste da enseada e depois, estando um pouco mais protegido do vento, seguir até restinga estreita.

Logo que saímos da marina as ondas e o vento começaram a nos fustigar. Durante a travessia remávamos com força e muita concentração para não virarmos no constante sobe e desce das ondas que nos borrifava água fria por todo corpo. Foram quase duas horas de apreensão que felizmente transcorreram sem nenhum incidente até chegamos ao local da nossa pequena travessia terrestre no Pontal de Santo Antônio.

Neste local ermo nos sentimos intimamente ligados à natureza e nele somente lamentamos o surgimento cada vez maior das matas de pinus que impiedosamente invadem seus domínios. Knippling (1993, p. 70) o descreve como:

É um istmo isolado que avança na Lagoa, formando a Enseada de Tapes. (...) Tem lindas e paradisíacas praias, tanto no Pontal propriamente dito como na segunda ponta, próximo ao Capão da Lancha. Com facilidade atravessa-se, a pé, a estreita faixa de areia que separa a Enseada de Tapes da Lagoa dos Patos. Na opção entre tomar um banho na Enseada ou na Lagoa existe uma distinção muito interessante: a água da Enseada é sempre mais clara e mais fria que a água da Lagoa, muitas vezes preferida por ser mais morna, apesar de turva.

Caminhamos até a outra margem do Pontal que neste ponto distava apenas cento e poucos metros. Escolhemos o melhor caminho para a travessia terrestre através das pequenas dunas de areia e depois levamos os caiaques, um de cada vez, para finalmente descansarmos um pouco antes do reinício da jornada.

O sol, ainda que timidamente, começava a aparecer e, para nossa sorte, o vento havia trocado de direção vindo agora do sudeste e facilitando nosso deslocamento. Desta forma continuamos tranquilamente nossa viagem por mais vinte e dois quilômetros e meio, imprimindo uma excelente velocidade de quase oito quilômetros por hora, até um ponto em que se destacava uma árvore isolada na beira da laguna. Este desempenho, se mantido, permitiria passarmos muito além do ponto de pernoite previsto. Infelizmente, após esta segunda parada, o vento voltou a vir do leste, atingindo nossos barcos lateralmente, e se intensificou atingindo aproximadamente quarenta e cinco quilômetros por hora.

Enfrentando novamente as adversidades climáticas entramos em nossos caiaques e remamos rumo ao local de pernoite previsto, que ficava praticamente na divisa dos municípios de Tapes e Barra do Ribeiro, e ponto de encontro com nossos apoiadores coordenados pelo Coronel Pastl, que viria num veleiro acompanhado de seus amigos Maj. Vitor Hugo e Maj. Nunes. As ondas chegavam a formar tubos e faziam entrar muita água na cabine de meu caiaque e também dentro do seu casco através de furos na popa, o que, com o decorrer do tempo, tornou minha condução quase impossível. Desta forma a exatos novecentos e noventa e nove metros do destino previsto virei e optei por seguir a pé carregando o caiaque pela água junto à beira.

Chegamos ao ponto marcado às quinze horas e resolvemos fazer uma fogueira para facilitar nossa visualização pelo veleiro após o Coronel Hiram tentar em vão contato com o Coronel Pastl. Durante mais de duas horas carregamos desde gravetos até enormes toras para cima de uma duna para manter a fogueira acesa. As horas se passavam e o apoio não chegava. Começamos a ficar preocupados com a segurança de nossos amigos, mas sem nada poder fazer pegamos nossos sacos de dormir e fomos montar bivaque num local bem abrigado do forte vento.

Na manhã seguinte o vento e as ondas continuavam como no final do dia anterior, mas mesmo assim revolvemos tentar terminar o último trecho de nossa jornada. Contudo bastou remar pouco menos de um quilômetro para meu caiaque ficar completamente cheio d’água e assim desistir e novamente ficar aguardando a equipe de apoio a qual continuávamos sem comunicação.

O Coronel Hiram então subiu em uma duna alta e conseguiu contato com nosso amigo Pedro de Camaquã que prontamente nos comunicou que daria um jeito para nos resgatar. Enquanto aguardávamos sua chegada fomos passear e admirar este lindo local. Nele distinguíamos dois panoramas completamente distintos: um junto da beira da praia com muito lixo vindo através da Laguna dos Patos e depositado pelas ondas e outro intocado pela mão humana com grandes dunas de areia branca e uma vegetação nativa exuberante com figueiras, orquídeas, bromélias e diversas outras belas espécies.

Já começávamos também a ficar com um pouco de fome, pois desde Tapes tínhamos saboreado apenas três barrinhas de cereal, quando finalmente às quatorze horas e trinta minutos chegaram nossos amigos de veleiro para nos resgatar. O Coronel Pastl nos relatou que havia feito contato com o Sr. Pedro e só não conseguira chegar para nos apoiar no dia anterior devido a avarias no leme do veleiro provocadas pelos fortes ventos.

Analisando as opções para o término da jornada optamos por esconder meu caiaque atrás de uma duna para resgatá-lo numa data futura e rebocar o Coronel Hiram com seu caiaque até a Praia do Canto do Morro, situada a oeste do Morro da Formiga e local de uma colônia de pescadores. As ondas e os ventos continuavam tão intensos que ainda foram necessários quase três horas de navegação para vencer estes derradeiros quinze quilômetros pela Laguna dos Patos.

Na Praia do Canto do Morro nos aguardavam o Sr Pedro e sua esposa Vera. Esta praia ficava bem protegida dos ventos e marcava o limite de uma enorme plantação de eucaliptos com a exuberante beleza natural do Morro da Formiga que, de acordo com Knippling (1993, p. 56):

avança majestoso na Lagoa dos Patos no extremo sul da Península da Faxina, tendo uma altura máxima de 108 metros. É coberto por uma mata virgem impenetrável e circundado por rochedos com algumas poucas e lindas praias encravadas entre eles.

Já na colônia de pescadores fizemos um lanche, nos despedimos do Coronel Pastl e sua equipe, que ficaram consertando o leme do veleiro, e partimos na camionete do nosso amigo Pedro até Barra do Ribeiro. De lá seguimos até Porto Alegre no carro do Coronel Hiram conduzido pela Srta Rosângela nossa apoiadora no início da jornada.

Assim acabava a nossa aventura, estávamos um pouco frustrados por não tê-la completado na íntegra, pois faltara menos de quarenta quilômetros para o seu final, mas em compensação reconfortados pelas belas paisagens percorridas, pelos conhecimentos adquiridos e, principalmente, pelas novas amizades conquistadas.

O resgate do caiaque.

Somente dia 9 de outubro, num domingo em que até o sol apareceu desobedecendo a previsão do tempo que era de chuvas esparsas em quase todo estado, conseguimos ir fazer o resgate do caiaque que havia ficado avariado e escondido atrás de uma duna de areia no último ponto de nossa travessia.

Eram seis horas e trinta minutos quando eu e minha filha Dafne passamos na casa do Coronel Hiram para então nos deslocarmos até o quilômetro trezentos e trinta e dois da BR116, em Barra do Ribeiro, onde nos encontraríamos com o nosso amigo “São Pedro” de Camaquã. Ele e sua esposa Vera já haviam encontrado o melhor e mais perto acesso por terra para cumprir esta missão. Era através da Fazenda Boa Vista, que se situava ao sul de Barra do Ribeiro, norte de Tapes e ia até a Laguna dos Patos junto do local em que estava o caiaque a ser resgatado.

Chegamos ao ponto de encontro com seu Pedro cronometradamente juntos e nos dirigimos para a sede da Fazenda Boa Vista, onde deixamos o carro do Coronel Hiram e seguimos na rural de seu Pedro, sendo que somente esta conseguiria vencer os precários caminhos a serem percorridos.

Durante este trajeto de carro seu Pedro nos contou que no dia anterior ele e dona Vera já haviam ido a este local e caminhado diversos quilômetros tentando achar o caiaque, mas sem sucesso. Por este motivo que a dona Vera, embora tendo admirado muito o local, teve que ficar descansando em casa.

Perto da penúltima porteira transposta avistamos a casa sede da antiga fazenda cercada por lindas e centenárias figueiras e um bando de emas correndo livremente pelos campos.

Estacionamos o carro num ponto que ficava aproximadamente um quilômetro e meio da laguna em linha reta, formado por grandes dunas de areia e uma rica e bela vegetação nativa, e seguimos a pé até as margens desta. Chegando à praia constatamos que o caiaque estava a três quilômetros e meio de distância em direção ao sul.

A água da laguna estava bastante calma, totalmente diferente da do dia em que tivemos de abandonar o caiaque. Na caminhada pela praia também observamos belas orquídeas e bromélias junto das dunas contrastando com o lixo junto das margens levado pelas águas e inúmeros mexilhões dourados mortos, às vezes, causando mau cheiro.

Por volta das dez horas e trinta minutos chegamos ao local do resgate onde encontramos o caiaque exatamente como o deixamos. Após avaliá-lo vimos que ele estava em condições de navegar em águas calmas o que nos pouparia esforços. Assim eu vim remando o caiaque próximo da praia e os outros três caminhando até o ponto mais próximo da laguna com o local que estava o carro.

Neste ponto, perto de uma grande duna coberta com vegetação nativa e um grande eucalipto, paramos para descansar e fazer um lanche, enquanto minha filha aproveitou para andar um pouco de caiaque.

O trecho seguinte do resgate, embora com cerca de um pouco menos de dois quilômetros, foi o mais desgastante, pois tivemos de carregar o caiaque através de dunas e banhados até o carro. Eu, o Coronel Hiram e seu Pedro nos revezávamos nesta missão enquanto minha filha levava o remo e batia fotos.

Quando chegamos ao carro, descansamos um pouco, comemos algumas frutas, prendemos o caiaque e partimos satisfeitos pelo sucesso da missão cumprida e prontos para novamente realizar uma jornada de conhecimentos e encantamentos pela Laguna dos Patos ou qualquer outro local onde o gosto pela aventura, o contato junto à natureza e o convívio com grandes amizades estejam presentes.

Referências Bibliográficas

KNIPPLING, Geraldo Werner. O Guaíba e a Lagoa dos Patos. Porto Alegre: Edição do Autor, 1993.

LESSA, Luís Carlos Barbosa. Rio Grande do Sul: Prazer em Conhecê-lo. Rio de Janeiro: Globo, 1985.

MOURA, Amanda: BAIRROS, Jacqueline Valle: SPERLIG, Urania Pereira. Estudo Sobre a Viabilidade Turística na Ilha da Feitoria a Partir de Entrevistas Realizadas com Ex-moradores. 2007. UFPEL, Pelotas.

PY, Vera Regina Sant’Anna. O Rio Camaquã e a Canoa. Distratos e Retratos. Porto Alegre: Odisséia, 2009.

ROSA, Estefânia Jaékel. “Ilha da Feitoria” – a Arqueologia Histórica Desvendará seus Mitos? 2008. LEPAARQ/UFPEL, Pelotas.

FOLDER CAMINHO FARROUPILHA. Turismo na Costa Doce/SEBRAE/ SETUR RS, Porto Alegre, 2008.

REVISTA DA COSTA DOCE. Porto Alegre, ano 3, n. 9, jan. 2010.

Blog e Livro

Os artigos relativos ao “Projeto–Aventura Desafiando o Rio–Mar”, Descendo o Solimões (2008/2009), Descendo o Rio Negro (2009/2010), Descendo o Amazonas I (2010/2011), e das “Travessias da Laguna dos Patos (2011), estão reproduzidos, na íntegra, ricamente ilustrados, no Blog http://desafiandooriomar.blogspot.com.

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre. Pode ainda ser adquirido através do e–mail: hiramrsilva@gmail.com.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar (IDMM)

Vice Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB)

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

Blog: http://desafiandooriomar.blogspot.com

E–mail: hiramrs@terra.com.br

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