domingo, 4 de dezembro de 2011

VIVER NÃO É PRECISO NEM SERÁ!

Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 03 de dezembro de 2011.

Navega, Coração

Kleiton e Kledir

(http://www.youtube.com/watch?v=GsJ0jvezVus)

Nos naufrágios que o destino

Vem tentando me pregar

Vou nadando meus caminhos devagar

Desde os tempos de menino

Aprendi a navegar

Com as Bússolas que eu mesmo inventar

Hoje eu sei as armadilhas

E os segredos desse mar

Que viver não é preciso nem será (...)

Minhas Solitárias Jornadas

Uma travessia. Uma aventura. Não sabemos bem. Talvez apenas um homem comum tentando entender aquilo que é humano, mas tão doloroso. Talvez uma perda tentando se transformar em vida. Quem sabe um encontro consigo, com seu passado. Quem sabe uma tentativa de reunir forças para seguir uma viagem solitária muito mais difícil que o solitário desafio contra o Rio-mar.

(Professora Silvana Schuler Pineda)

Diletos e curiosos amigos, perguntam-me se a solidão não me assalta quando empreendo minhas longas e solitárias jornadas pelos mágicos caudais. Mais uma vez respondo que a natureza esfuziante, plena de imagens e sons me envolve de tal maneira que nos amalgamamos em uma única entidade. De repente sou parte integrante do Todo, um pequenino elo desta imensa corrente chamada Universo, desta Orbe que me acaricia e acalenta. Como posso sentir solidão se faço parte de um contexto maior que me ampara, instrui e protege?

Jornadas Mágicas

Minhas expedições são de puro êxtase, navego imerso em um mundo mágico tentando decifrar suas sutis mensagens. As marcas do tempo estão por toda a parte é preciso interpretá-las, quantas e quantas vezes o anacronismo do tempo se faz presente. Contemplando formações rochosas no momento presente podemos viajar no tempo imaginando o longínquo pretérito em que elas se formaram e depreender suas mutações futuras. A geologia, como tantas outras ciências, nos permite conhecer o passado, para entender o presente e prever o futuro.

Jornadas de Humildade

O navegante precisa estar atento, em cada canto existe um conto, em cada criatura uma história. Os ensinamentos partem das gentes e das coisas mais simples e é preciso saber ouvi-los. É mais importante senti-los do que falar, é preciso humildade para com eles aprender, a sabedoria ao contrário da cultura não está nos livros. É preciso ser capaz de processar o conhecimento para se atingir a sabedoria. Os antigos naturalistas estrangeiros que percorreram nossas paragens raramente tinham essa visão tão necessária. Herdei esse comportamento de meu saudoso pai Cassiano Reis e Silva. Acompanhando-o, nas caçadas e pescarias que empreendíamos nas terras gaúchas, eu prestava a atenção quando ele conversava de igual para igual com proprietários ou com peões das fazendas. O mesmo respeito e a mesma capacidade de ouvir antes de falar, de ser capaz de aprender antes de se propor a ensinar.

Jornada de Sonho

A Descida do Rio Madeira está longe de ser a última de minhas jornadas. Como já disse, mais de uma vez, continuarei remando e reportando a história dessas artérias vivas do nosso país continente enquanto houver força nos meus braços. Minha jornada de sonho, talvez nunca se realize, por falta de aporte financeiro, trata-se da travessia pelos Rios Acre/Purus/Solimões de Rio Branco, no Estado Acre, até Manaus, no Estado Amazonas. O Rio Acre de Rio Branco, AC, até Boca do Acre, AM, possui 310 km de extensão, o Rio Purus, de Boca do Acre até sua foz no Solimões se estende por 2.550 km, e da foz até Manaus são 200 km pelo Rio Solimões. São 3.060 km de extensão que gostaríamos de percorrer em seis meses, pescando, colhendo e mapeando lendas e histórias do mais sinuoso e um dos mais lendários Rios do Planeta Terra.

Rio Purus

Realmente, o Purus, um dos mais tortuosos cursos d’água que se registram, é também dos que mais variam de leito. Divaga, consoante o dizer dos modernos geógrafos.
(Euclides da Cunha)

O Purus tem curso extremamente sinuoso, com curvas muito fechadas, cujo leito é periodicamente alterado principalmente na época das cheias, determinando modificações no seu leito e, consequentemente, no seu canal de navegação. Outros componentes adversos são os bancos de areia, troncos de árvores que em algumas ocasiões podem obstruir a passagem. Na seca ocorre a formação de lagoas, em forma de ferradura, pelo isolamento de canais ao longo do Rio. O Purus nasce nas colinas do Arco Fitzcarrald, Serra da Contamana (região de Ucayali), no Peru, há 500m de altitude e percorre cerca de 3.300 km até sua foz no Solimões. O Rio Purus entra no Brasil pelo Estado do Acre, no Município de Santa Rosa do Purus, passando pelo Município de Manoel Urbano, entrando no Estado do Amazonas pelo Município de Boca do Acre onde recebe as águas do Rio Acre e segue pelo Estado do Amazonas até desaguar no Rio Solimões.

Lendário Purus

A ilha que existe fronteira à boca do Purus, perdeu o antigo nome geográfico e chama-se “Ilha da Consciência”; e o mesmo acontece a uma outra, semelhante, na foz do Juruá. É uma preocupação: o homem, ao penetrar as duas portas que levam ao paraíso diabólico dos seringais, abdica às melhores qualidades nativas e fulmina-se a si próprio, a rir, com aquela ironia formidável.
(Euclides da Cunha)

Envolto em mistérios e fantásticas lendas, muitas delas motivadas pelos temores dos antigos desbravadores europeus, outras tantas pelos nativos, seus antigos habitantes e guardiões, o Purus vem cativando a memória ancestral dos povos através dos tempos sem perder seu encanto e seu carisma carregado de fantasias que o alimentam desde seu berço nos contrafortes andinos até a foz no Solimões.

Frei Gaspar de Carvajal

Gaspar de Carvajal, em 03 de junho de 1542, relatou no seu manuscrito intitulado “Relación del descubrimiento del famoso río grande de las Amazonas” a passagem de Orellana pela foz do Rio Purus e as aldeias à jusante de sua foz no Solimões:

(...) viemos a encontrar com outro Rio mais caudaloso e maior, pelo braço direito; era tão grande que na entrada havia três ilhas, razão pela qual o denominamos Rio da Trindade (Purus); além disso, na junção dos dois rios, havia muitos e populosos povoados na bela terra de Omágua, e por serem muitas as aldeias e tão grandes e com muita gente, o Capitão não quis aportar.

Padre Cristobal de Acuña

Acuña, em 1639, menciona no Capítulo LXIII - O Rio dos Gigantes, de sua crônica “Novo descobrimento do Rio das Amazonas”:

Está povoado por várias nações (...) e por fim e remate de todos, estão os Curigueré. De acordo com informações de pessoas que os viram e que se ofereciam a levar-nos a suas terras, são eles gigantes de dezesseis palmos de altura, muito valentes, andam nus e trazem grandes pátenas de ouro nas orelhas e narizes.

Guillaume dIsle

D’Isle, geógrafo da Academia Real de Ciências de Paris, em 1703, fez um hipotético esboço cartográfico do Purus (mapa do “Rio do Omopalens”). D’Isle anexou, ao esboço, um comentário sobre os povos que nele habitavam:

(...) dos quais se diz serem gigantes ricos em ouro, habitantes a dois meses de caminho da embocadura do Rio.

Carl Friedrich Phillipp von Martius

O naturalista Martius, na sua “Viagem pelo Brasil”, em 1817/1820, escreve que:

(...) todos ainda em estado de absoluta selvageria e conhecidos por sua perfídia. Eles colhem aqui abundantes plantas medicinais, o cacau e a salsaparrilha, e permutam com as expedições que frequentam o Rio, onde as duas partes contratantes se apresentam de armas na mão. Ninguém se aventura ainda a fundar missões no Purus.

O Encontro dos Ícones

Em outubro de 1905, embarcam no vapor Rio Branco, que estava ancorado na “Boca do Acre”, confluência do Rio Acre com o Purus, dois ícones da nacionalidade brasileira, Plácido de Castro e Euclides da Cunha. Plácido de Castro tinha comandado o vitorioso Movimento Revolucionário Acreano, que resultou na incorporação das terras bolivianas ao Brasil. Euclides da Cunha chefiara a “Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus”, cuja missão era mapear o Rio Purus, desde a foz, no Solimões, até suas cabeceiras, definindo as fronteiras do país com a Bolívia e o Peru. A viagem da Boca do Acre a Manaus durou uma semana e neste período aconteceu o encontro histórico. Euclides da Cunha solicitou a Plácido de Castro que redigisse um histórico da campanha, desde 1902, que culminou com a conquista do Acre. Plácido escreveu os apontamentos a lápis na própria caderneta de Euclides, e manteve longas conversas com o escritor, relatando, além da campanha pela anexação, a dinâmica da extração da borracha, seu ciclo produtivo e a vida nos seringais.

Livro

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre. Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false
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Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

Vice-Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil/Rio Grande do Sul (AHIMTB-RS)

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN)

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E–mail: hiramrs@terra.com.br

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