terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SEMANA DA ARTE MODERNA, 90 ANOS!

Por *Luiz Antonio Domingues in Orra Meu!
Fruto da inquietação de um grupo de artistas, a Semana de Arte Moderna de 1922, foi um grande marco para o estabelecimento de novos paradigmas culturais e artísticos em São Paulo e no Brasil.
Rompendo barreiras estéticas e comprando brigas com setores conservadores, extrapolou os limites do ambiente cultural e borrifou suas novas ideias revolucionárias, acarretando grandes avanços no campo das ideias de forma geral e nos diversos ramos artísticos, trazendo o início de mudanças e consequentemente, abrindo um campo para novos paradigmas que se desenvolveram nas décadas posteriores.
Ela ocorreu entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, tendo como seu palco principal de manifestações, o Teatro Municipal de São Paulo.
O primeiro ponto é: Por que em São Paulo e não no Rio de Janeiro, então capital nacional, maior e mais importante cidade naquela época e referência no campo da cultura?
Uma explicação para tal se dá no fato de que esses artistas jovens que estavam impressionados com novos conceitos culturais estavam concentrados em sua maioria na capital paulista.
Outro ponto, é que no Rio, onde ficava a sede da Academia Brasileira de Letras, havia uma forte polarização conservadora pró-academicismo tradicional e fechado em ideias parnasianas antigas.
Claro que haviam jovens artistas antenados nas novas tendências, mas os embates acalorados contra os conservadores da ABL, inviabilizavam a realização de tal ruptura pública no solo carioca.
E o terceiro ponto: São Paulo dos anos vinte era uma máquina de progresso. As velhas oligarquias de fazendeiros interioranos, produtores de café, perdiam força econômica e política, em detrimento da forte industrialização na capital.
Com a cidade crescendo vertiginosamente, a chegada de milhares de estrangeiros de diversas nacionalidades e a euforia decorrente disso, fazia da paulicéia, um ambiente mais propício para um evento cosmopolita e certamente, dando vazão ao conceito da antropofagia de Oswald de Andrade, onde se digere toda essa gama de elementos, misturando culturas diversas. Não há nada mais paulistano do que ver um japonês falando português, com sotaque italiano...
E claro artistas cariocas, antenados nessa fervura cultural moderna, vieram em peso participar, no que foi chamada de comitiva carioca.
E o que foi a Semana de 22, a não ser um grande Happening? Com diversas manifestações culturais interagindo simultaneamente e harmoniosamente coadunadas com um mesmo propósito: Trazer os ventos da modernidade, chacoalhar a burguesia estagnada (e agente estagnante), colocando o Brasil enfim, dentro do século XX, pois a sociedade brasileira ainda estava certamente com a cabeça no Império de Pedro II.
Sendo assim, sob expectativa e posterior saraivada de críticas, esses artistas ousados apresentaram-se e chacoalharam a arcaica cultura tupiniquim.

No dia 13 de fevereiro, a abertura do evento causou o primeiro frisson. O intelectual carioca Graça Aranha, fez inflamada conferência sob o título “A Emoção Estética da Arte Moderna". Espalhadas pelas dependências do Teatro pinturas e esculturas causavam manifestações de repúdio no público.
Em 15 de fevereiro, a pianista Guiomar Novais causou furor na coxia do teatro. Os demais artistas esperavam um repertório moderno e coerente com o conceito, mas ela quebrou o protocolo e executou antes, alguns temas da música erudita acadêmica. O público não percebeu o antagonismo estético, mas os artistas chatearam-se em princípio.
A seguir, Menotti Del Picchia, faz conferência apresentando o conceito do modernismo e quando lê trechos de poesias dessa nova tendência, ouve vaias e ruídos imitando animais, numa demonstração debochada do público.
Ronald de Carvalho declama o poema "Os Sapos" de Manuel Bandeira (uma crítica feroz ao parnasianismo) e sua declamação é interrompida por um côro de repúdio vindo da platéia. A apresentação é interrompida com uma algazarra generalizada.
No dia 17 de fevereiro, o público foi diminuto. No boca-a-boca, repercutiu a balbúrdia da apresentação anterior. Mesmo assim, Villa-Lobos foi vaiado quando entrou para reger a orquestra, calçando um sapato tradicional num pé e no outro, um chinelo.
Interpretaram isso como "esculhambação modernista", segundo consta em anais da época.
Os mais expressivos nomes participantes, além dos já citados, foram os mentores Mário e Oswald de Andrade (não eram parentes, apenas tinham o mesmo sobrenome, por coincidência), Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Yan de Almeida Prado, Guilherme de Almeida, Sergio Milliet e Plínio Salgado, entre outros.
Mesmo assim, por se tratar de uma época pré-rádio, TV e internet, o furor se restringiu àquelas pessoas presentes e rapidamente ficou circunscrito às rodas intelectuais pró e contra o modernismo.
Todavia, a semente de 22 frutificou. A importância do evento foi notada nas décadas posteriores como o grande divisor de águas da cultura brasileira.
Dali em diante, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e outros artistas participantes, criariam novos parâmetros.
Entre os quais, o movimento Pau Brasil, Movimento Verde-Amarelo, Grupo da Anta, Movimento Antropofágico; Revistas Klaxon e Revista de Antropofagia etc.
Influenciam certamente os concretistas, respingou no movimento Beat paulista e na Bossa Nova carioca, ambos, no final dos anos cinquenta e explode no tropicalismo sessentista de Gil, Caetano e agregados, que literalmente citam a antropofagia como elemento chave, onde "engolem" a cultura brasileira, mastigando-a com a cultura internacional", tornando-a una. O momento sublime onde Luiz Gonzaga e Jimi Hendrix se expressam juntos... Dou meu grito de Viva (!) para a Semana de Arte Moderna de 1922, histórico momento cultural do Brasil, mas certamente muito paulista na sua maior vocação: O caráter cosmopolita e aberto a todas as culturas do planeta, numa autêntica "Paulicéia Babel Desvairada".

*Luiz Antonio Domingues (músico das bandas Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, e Kim Kelh e os Kurandeiros).

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