Por João Bosco Leal
Como faço com todos os que me lembro, liguei para uma amiga de infância para parabenizá-la por seu aniversário e começamos a falar sobre nossas idades atuais, como o tempo passou rápido, o que pensamos agora e outros assuntos, que normalmente tratam todos os que atingem idades inimagináveis para eles quando jovens.
Engraçado como realmente uma espécie de filme nos vêm à mente, com lembranças de nossa infância, juventude e pequenos detalhes de situações vividas durante décadas são recordados em frações de segundos.
Somos capazes de nos lembrar de minúcias, palavras, locais, e cores de fatos ocorridos muitos anos atrás. Algumas músicas da juventude ainda podem ser cantadas sem erros, quando muitas vezes já nos esquecemos do que ocorreu ontem ou mesmo há poucas horas.
Ficam em nossa mente as coisas importantes ou que nos importaram, e se apagam aquelas sem importância, que podem até ter nos deixado alegres, tristes, magoados no momento, mas com o tempo acabamos percebendo que não eram realmente significativas, importantes.
Muitas dessas ocorrências são apagadas de nossa mente sem que sequer percebamos. É uma seleção natural, quando o que realmente importou ficou arquivado e todo o resto foi excluído do cérebro, impedindo que nos lembremos de fatos que na realidade, tiveram pouco valor.
As aparências mudam com a falta de cabelos, a celulite, a barriga, a flacidez do corpo, as rugas e as cicatrizes, mas nada disso têm importância alguma diante da experiência e sabedoria da pessoa que está ao nosso lado, achando graça, sorrindo de seu próprio passado.
Passamos a valorizar coisas mais profundas, menos fúteis, muito mais o ser do que o ter, como sempre nos mostraram os mais velhos, e então jovens, não acreditávamos.
Muitas tristezas emocionais, que deixaram cicatrizes no coração, agora provocam sorrisos, por terem sido de pequenas paixões da juventude, sem importância alguma.
Percebemos que uma boa conversa, um gesto, um olhar profundo ou uma única palavra, podem ser muito mais provocantes, insinuantes, que um corpinho ainda firme, sem celulite, que carrega uma mente vazia.
Ficamos maravilhados com o canto de um sabiá, pousado em uma árvore cercada de cimento e passamos a dar valor a centenas de pequenos detalhes da natureza, antes sequer notados.
O desabrochar de uma flor, o nascer e o pôr do sol ou um pássaro construindo seu ninho nos faz sacar uma máquina fotográfica, tentando perpetuar aquela maravilha.
As opiniões de terceiros sobre o que somos, temos ou fazemos, passam a ter muito menos ou nenhuma importância. Deixamos de fazer tantas críticas aos outros e a nós mesmos e quando com vontade, damos uma boa gargalhada e caminhamos de sandálias, mesmo que em um local público, quebrando algumas regras bobas de convívio social.
Quem nos censurará por, sorrindo, perguntarmos como se chama mesmo seu filho ou por, naquele momento, estarmos desarrumados, com roupas mais velhas e confortáveis? Pessoas que partiram muito cedo, como meu pai, deixaram de viver essa liberdade que só a maturidade nos proporciona.
Só os de cabelos brancos são capazes de, sorrindo, deixar escorrer pelo rosto a mais bela das lágrimas, a da saudade.
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