sexta-feira, 18 de novembro de 2011

UMA JORNADA DE APRENDIZAGEM E ENCANTAMENTOS NA LAGUNA DOS PATOS – PARTE II

Hélio Riche Bandeira, Porto Alegre, RS, 18 de novembro de 2011.

- De São Lourenço do Sul ao Delta do Rio Camaquã.

Foz do Camaquã (clique na imagem para ampliá-la)

No terceiro dia de nossa jornada resolvemos sair um pouco mais tarde, ou seja, somente às sete horas da manhã, aguardando um pouco a melhora do tempo, que permanecia muito frio e nublado. São Pedro, apesar de padroeiro do Rio Grande do Sul, continuava a nos privar do sol e do calor.

Tomamos um café preparado pelo Coronel Pastl e partimos do Iate Clube de São Lourenço do Sul em direção ao delta do Rio Camaquã. O vento continuava de través tornando a minha remada lenta e assimétrica. Percorremos as praias das Ondinas, das Nereidas e depois nos afastamos da orla rumando em direção a uma praia no meio do trajeto até a Ponta do Quilombo. Nesta praia paramos para descansar e tomar um pouco de isotônico.

Após esta breve parada seguimos diretamente para a Ponta do Quilombo, tendo agora, para minha felicidade, o vento fraco de proa, que me permitiu novamente remar com força e igualdade nos dois lados e assim alcançar uma velocidade de quase sete quilômetros por hora. Desta forma chegamos rapidamente à Ponta do Quilombo, local de nossa segunda parada e onde podemos observar o gigantesco Banco do Quilombo, formação geográfica que entra quilômetros laguna adentro formando verdadeiras ilhas de areia conforme as marés.

Deste ponto já era possível se avistar ao longe o delta do Rio Camaquã, porém, após contornarmos a Ponta, novamente o vento ficou de través, fazendo com que eu e o Coronel Hiram tomássemos rotas diferentes, eu mais próximo da praia e ele numa linha reta até o meio do delta do rio. Este rico delta, impressionante pela sua extensão e configuração, é descrito por nossa amiga Vera Regina Py (2009, p. 40) como:

O delta do Rio Camaquã é formado por ilhas, terras alagáveis sob pulso da inundação, lagoãos, canais meandrantes e canais artificiais, isto é, ecossistemas interativos na planície costeira da laguna dos Patos, dividindo os municípios de Camaquã e São Lourenço do Sul.

Sai antes do Coronel Hiram, pois meu trajeto era mais longo, e fui remando até a segunda entrada do Rio Camaquã, onde parei junto de sua foz. Este local preservava uma bela vegetação nativa e dunas de areia. Subi numa delas para melhor me localizar e avistar meu amigo canoísta, porém por mais que olhasse não o via em lugar algum. Pensei que podia ter-lhe acontecido algo na última parada e quando já me preparava para voltar correndo pela praia, pois assim iria mais rápido, avistei na direção do centro do delta algo que parecia uma pequena embarcação de pescadores. Resolvi então remar até ela e conforme me aproximava percebi que a pretensa embarcação era na verdade um enorme tronco caído junto d’água, mas, para minha tranqüilidade, ali também se encontrava o Cel Hiram com seu caiaque me aguardando enquanto admirava oito lindos colhereiros com suas plumagens rosadas que sobrevoavam o local.

Escuta...

É a foz do rio que chega,

O limiar da laguna aponta

Sê valente, oh! Canoísta

Pra vencer a onda que desmonta.

Não temas a briga,

E rema forte...que chegas lá...

No braço vencido do Camaquã.

(PY, 2009, p. 17)

Após o nosso reencontro rumamos em direção à entrada do Rio Camaquã que nos levaria a ilha de Santo Antônio, local de nosso pernoite. Já navegando próximo da foz do rio encontramos nossos amigos Pedro e Vera que vinham em nossa direção conduzindo seu inigualável caiaque duplo, provido de dois enormes flutuadores e tanques de mantimentos, o que a primeira vista mais lembrava um barco de combate. Junto remamos por quase cinco quilômetros rio acima até a vila na Ilha de Santo Antônio onde nosso incansável apoiador Coronel Pastl e seus dois netos nos aguardavam numa casa de palafita conseguida pelo Sr Pedro e sua esposa.

Chegando tomei um revigorante banho e depois fui almoçar junto de meus amigos. Após o almoço, infelizmente o tempo piorou e veio a chuva impedindo de conhecermos melhor a vila e as redondezas da ilha.

Terminado este terceiro dia de jornada continuava sem sentir muito cansaço ou dores musculares, porém o meu tornozelo estava bem mais inchado causando certa preocupação. Como ali perto não havia nenhum atendimento médico o Coronel Pastl prontamente preparou uma salmoura com água quente para aliviá-lo.

Do Delta do Rio Camaquã a Fazenda Flor da Praia.

O rio é o mesmo,

Os contornos...

Uma eterna renovação.

Cinco dedos tem a mão,

O mesmo molde tem a foz,

No delta do Camaquã,

Quando o rio derrama

No seu destino final.

(PY, 2009, p. 35)

O dia 20 de setembro, quarto de nossa jornada, amanhecera com chuva e muito frio, fazendo com que protelássemos ao máximo nossa saída. Aguardamos uma melhora até as sete horas e trinta minutos, quando resolvemos partir assim mesmo, com uma garoa fina e roupa molhada.

Despedimo-nos de nossos amigos e partimos em direção a foz do Rio Camaquã. Este trecho apesar das adversidades climáticas transcorreu sem maiores dificuldades, pois dentro do rio a vegetação ciliar nos protegia da intempérie e os cinco quilômetros até a foz foram vencidos facilmente.

Terminado o trecho fluvial, fizemos uma rápida parada e voltamos a navegar novamente pela Laguna dos Patos em direção a Ponta do Vitoriano. O vento estava forte e vinha do leste, pegando o caiaque atravessado de proa, fazendo com que eu, embora remando mais forte de um lado, mantivesse a direção desejada. Neste trecho avistamos grandes bóias de sinalização abandonadas junto das praias, que segundo relato do Coronel Pastl são as mesmas que fazem falta para a sinalização dos bancos de areias para os navegadores da Laguna dos Patos.

Knippling (1993, p. 78) lembra que esses bancos dificultam muito a navegação na costa oeste, pois perde-se muito tempo em contorná-los. Só barcos com muito pouco calado passam por cima.

Chegando à Ponta, na raiz do Banco do Vitoriano, que se estende por quase três quartos da largura total da Laguna dos Patos e tendo características bastante semelhantes ao Banco do Quilombo, fizemos nossa segunda parada para descanso e um rápido lanche. Esta parada demorou apenas alguns minutos em decorrência do vento e do frio, fazendo inclusive que eu optasse por urinar em cima dos meus pés, que estavam roxos, para aquecê-los.

Retornando a jornada, o vento ficou por trás de través, dificultando bastante o meu controle do caiaque e fazendo que eu remasse a uma distância aproximada da praia por segurança. Assim, remando quase que somente com o braço direito, segui até a Fazenda da Chaminé, antiga instalação do IRGA (Instituto Rio Grandense do Arroz) e onde atualmente residiam alguns pescadores. Neste local fizemos nossa terceira parada do dia e aproveitamos para conversar com alguns pescadores que se encontravam na praia retirando inúmeros peixes de suas redes. Contaram-nos que, infelizmente, teriam que abandonar o local, pois o mesmo fora vendido e me ofereceram um gole de aguardente para aliviar o intenso frio, que eu prontamente aceitei mesmo não tendo o hábito de tomar bebidas alcoólicas, exceção feita a um bom vinho.

Deste local conseguia se avistar ao longe a sede da Fazenda Flor da Praia, nosso destino deste dia. Mesmo com bastante frio e cansaço entrei em meu caiaque e parti reunindo minhas últimas energias para chegar a este ponto final. Remei com a máxima concentração, pois as ondas agora maiores e de lado, entravam sem parar em meu caiaque que não dispunha de saia para esta proteção.

A visão cada vez mais perto da bela e majestosa sede da Fazenda me renovava a esperança de um banho quente e uma cama confortável. Porém, ao chegar ao local, uma terrível surpresa, nossos apoiadores não nos aguardavam e tivemos que esperar por intermináveis minutos no frio com a roupa totalmente molhada a chegada do capataz da fazenda. Este chegou devidamente armado e nos informou que não poderíamos pernoitar na sede e que o provável local do nosso destino era a antiga casa da fazenda que ficava pouco mais de quatro quilômetros laguna acima.

Desta forma partimos novamente para vencer mais este trecho da jornada. O Coronel Hiram seguira na frente para fazer contato com nossos apoiadores. Logo nos primeiros metros as ondas encheram a cabine de meu caiaque de água e conforme avançava mais difícil ficava de manter a direção correta. Desta forma virei por duas vezes, quando então parei e percebi que também havia muita água dentro no casco tornando quase impossível conduzir minha embarcação naquelas condições. Havia deslocado pouco mais de um quilômetro e minhas mãos e pés estavam completamente roxos, quando optei por esconder o caiaque num banhado atrás de uma pequena duna, resgatá-lo pela manhã do dia seguinte e terminar o percurso a pé pela praia. Assim o fiz e, conforme corria, minhas mãos e pés retornavam a cor normal e o frio, o grande vilão deste dia, ia sendo vencido pelo meu corpo. Após alguns minutos finalmente cheguei à antiga casa da fazenda, onde o Coronel Hiram, juntamente com nossos amigos Coronel Pastl, seus dois netos Pedro e Bryan, Sr Pedro e sua esposa Vera, me aguardavam ansiosamente.

Já abrigado, fui me secar, colocar roupas secas e estender as molhadas e após saborear uma revigorante refeição quente servida pelo Coronel Pastl. Enquanto nos alimentávamos o Sr Pedro sugeriu resgatar o meu caiaque de carro o que foi aceito pelos demais.

Para esta nova missão partimos na camionete rural do Sr Pedro eu, ele, o Coronel Pastl e seus dois netos. Seguimos por uma precária estrada de chão batido até uma porteira lacrada, onde estacionamos, pulamos a cerca e seguimos a pé por mais ou menos um quilômetro pela estrada e um através de belos trechos de mata nativa e praia, por onde uma lebre nos cruzou a frente com uma velocidade impressionante. A noite se aproximava e após uma rápida procura achamos o caiaque e o resgatamos.

De volta a casa, nosso amigo Pedro ainda foi ajudar a consertar o leme do caiaque do Coronel Hiram. Neste dia da jornada São Pedro, o lá de cima, nos castigou com um tempo terrível, mas para compensar aqui embaixo, forças divinas nos enviaram um incansável “São Pedro” canoísta para nos proteger. Após todos os consertos resolvidos, Pedro e sua esposa Vera partiram para Camaquã, cidade onde residiam, e nós fomos dormir ou, na realidade, tentar dormir, pois o vento frio assoprava através das paredes carentes de portas e janelas e o chão duro não combinava com um simples saco de dormir diretamente estendido sobre ele.

Da Fazenda Flor da Praia a Arambaré.

Na manhã do dia 21 de setembro o sol, depois de todos estes dias, finalmente nos deu o ar de sua graça. Tomamos um café reforçado servido pelo Coronel Pastl e depois, enquanto aguardávamos nossas roupas secarem, eu fui consertar e tapar os buracos de meu caiaque para deixá-lo em condições de seguir viagem.

Já eram mais de sete horas quando partimos rumo a Arambaré, desta vez com uma temperatura agradável e o vento soprando levemente a nosso favor. Este quadro totalmente diferente do dia anterior nos permitiu remar com relativa facilidade a mais de sete quilômetros por hora até a Ponta Dona Maria.

Neste primeiro trecho fizemos uma parada intermediária em uma mata localizada ao lado de um enorme captador de água da laguna para abastecer as plantações de arroz. Esta parada foi mais para admirar a beleza da vegetação nativa com diversas figueiras e palmeiras do que propriamente descansar. A magia do sol deixava um colorido mais vivo tornando o cenário que deslumbrávamos da natureza muito mais atraente. A riqueza da fauna local também pode ser percebida pelas pegadas na areia de diversos animais, como capivaras, graxains, lontras e variadas aves.

Após esta parada continuamos remando tranquilamente até o Banco Dona Maria, o qual segundo Knippling (1993, p. 78) equivale a 2/3 da largura da lagoa e contorná-lo já é um verdadeiro cruzeiro de 26 milhas. Passamos por cima dele e seguimos rumo ao canal de acesso a Lagoa do Graxaim, onde fizemos nossa parada para o lanche. Enquanto nos alimentávamos observamos algumas garças mouras e um barco de pesca que entrou pelo canal em direção ao povoado de Santa Rita do Sul, localizado na margem oeste da Lagoa do Graxaim.

O sol continuava radiante, porém a partir deste trecho o vento passou a incidir no meu caiaque de través por trás, tornando minha remada quase exclusivamente de direita e diminuindo drasticamente minha velocidade de deslocamento. Fizemos uma nova parada aproximadamente cinco quilômetros do canal, junto de uma grande duna de areia em que se destacava uma enorme figueira centenária moldada pelo vento.

A estreita faixa de terra compreendida entre a Lagoa do Graxaim e a Laguna dos Patos em muito lembrava a Ilha da Feitoria por suas belezas naturais bem preservadas e matas com lindas árvores e variadas orquídeas e bromélias, porém conforme nos afastávamos deste trecho a vegetação nativa novamente ia cedendo lugar as plantações de arroz.

Logo que retomamos o caminho, agora para a etapa final do dia, uma lontra cruzou a frente de meu caiaque demonstrando toda sua habilidade na água. Este trecho, formado por uma grande reta de aproximadamente doze quilômetros até Arambaré, foi percorrido por mim com bastante dificuldade em decorrência do esforço assimétrico imprimido pela falta de leme no meu caiaque que resultou numa lesão na articulação do dedo médio da mão direita.

Chegando à cidade de Arambaré entramos no Arroio Velhaco e remamos até o Clube Náutico, local onde ficariam os caiaques. Ajeitamo-los no clube, pegamos nossas bagagens e dirigimo-nos ao Posto da Brigada Militar, local conseguido pelo Coronel Pastl para nosso pernoite.

Arambaré, antigamente chamada Arroio Velhaco, que é o nome do arroio que deságua junto à localidade. É um lindo lugar, com belas praias, grandes figueiras e camping. (...) Existem ainda os restos de um trapiche, onde antigamente, antes do advento da BR116, encostavam as barcaças que transportavam o arroz produzido em grande escala na região. (KNIPPLING, 1993, p. 78)

Já no Destacamento da Brigada fomos excepcionalmente bem recebidos pelo soldado Paulo, que depois de ajustar o nosso alojamento nos levou ao Posto de Saúde para que eu tratasse minhas lesões da mão e do tornozelo e em seguida nos agraciou com um rápido roteiro turístico mostrando alguns locais da cidade com suas inúmeras figueiras centenárias, com destaque para gigantesca Figueira da Paz.

Jantamos no nosso alojamento e quando nos preparávamos para dormir eis que nos liga o nosso “São Pedro” de Camaquã nos avisando que estava trazendo um leme para instalar em meu caiaque. O nosso inigualável amigo se deslocara de sua cidade naquela hora da noite somente para instalar este equipamento em meu caiaque e assim tornar minha jornada mais confortável e, em decorrência da minha lesão na mão, possível.

Referências Bibliográficas

KNIPPLING, Geraldo Werner. O Guaíba e a Lagoa dos Patos. Porto Alegre: Edição do Autor, 1993.

LESSA, Luís Carlos Barbosa. Rio Grande do Sul: Prazer em Conhecê-lo. Rio de Janeiro: Globo, 1985.

MOURA, Amanda: BAIRROS, Jacqueline Valle: SPERLIG, Urania Pereira. Estudo Sobre a Viabilidade Turística na Ilha da Feitoria a Partir de Entrevistas Realizadas com Ex-moradores. 2007. UFPEL, Pelotas.

PY, Vera Regina Sant’Anna. O Rio Camaquã e a Canoa. Distratos e Retratos. Porto Alegre: Odisséia, 2009.

ROSA, Estefânia Jaékel. “Ilha da Feitoria” – a Arqueologia Histórica Desvendará seus Mitos? 2008. LEPAARQ/UFPEL, Pelotas.

FOLDER CAMINHO FARROUPILHA. Turismo na Costa Doce/SEBRAE/ SETUR RS, Porto Alegre, 2008.

REVISTA DA COSTA DOCE. Porto Alegre, ano 3, n. 9, jan. 2010.

Blog e Livro

Os artigos relativos ao “Projeto–Aventura Desafiando o Rio–Mar”, Descendo o Solimões (2008/2009), Descendo o Rio Negro (2009/2010), Descendo o Amazonas I (2010/2011), e das “Travessias da Laguna dos Patos (2011), estão reproduzidos, na íntegra, ricamente ilustrados, no Blog http://desafiandooriomar.blogspot.com.

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre. Pode ainda ser adquirido através do e–mail: hiramrsilva@gmail.com.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar (IDMM)

Vice Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB)

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

Blog: http://desafiandooriomar.blogspot.com

E–mail: hiramrs@terra.com.br

Um comentário:

Unknown disse...

Xara quando vim aqui pela primeira vez um detalhe revelador do Homem que voce é e de sua personalidade para mim ficou muito claro..., o seu amor a familia como reverenciou e como reverencia seus genitores. Leio sempre as mensagens citadas
Mereceste te-los
Um abraço