segunda-feira, 24 de setembro de 2012
CAUCHEIROS PERUANOS
Por Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 23 de setembro de 2012.
Continuamos nossas pesquisas iniciais
sobre os eventos históricos relativos à Bacia do Juruá. Pretendemos
complementá-las “in loco” adquirindo obras de autores locais e
entrevistando personagens acreanos e amazonenses das cidades, comunidades e
população ribeirinha local. Reproduzimos um dos capítulos do livro relativo aos
caucheiros.
Realmente, o caucheiro não é
apenas um tipo inédito na História. É, sobretudo, antinômico e paradoxal. No
mais pormenorizado quadro etnográfico não há lugar para ele. A princípio
figura-se-nos um caso vulgar de civilizado que se barbariza, num recuo
espantoso em que se lhe apagam os caracteres superiores nas formas primitivas
da atividade. (Euclides da Cunha – Paraíso Perdido)
Euclides da Cunha faz uma narrativa
contundente do “modus operandi” dos caucheiros peruanos que algum tempo
depois dos pioneiros brasileiros começaram a penetrar na região marcando sua
presença a ferro e a fogo. Os caucheiros estavam condenados a uma vida errante
e tumultuária totalmente voltada ao extermínio dos silvícolas e à destruição da
Hiléia. A “Castilloa elástica” de onde extraem a borracha não permite
uma exploração continuada, é frágil e depois de golpeada definha e morre.
A técnica do caucheiro consiste, então,
em abatê-la, cortá-la em toras de aproximadamente um metro, fazer cortes
profundos para extrair o leite que escorre para dentro das rasas cavidades
retangulares escavadas no chão. Quando o produto solidifica, ele o retira e dá
algumas pancadas para limpar a areia e o barro aderido. Em pouco tempo,
arrasado o cauchal, há necessidade de buscar novas fontes da goma e os “caçadores
de árvores” partem na sua cíclica sanha.
Quando Carlos Fiscarrald chegou em 1892 às
cabeceiras do Madre-de-Dios, vindo do Ucaiali pelo varadouro aberto no istmo
que lhe conserva o nome, procurou captar do melhor modo os Mashcos indomáveis
que as senhoreavam. Trazia entre os Piros que conquistara um intérprete
inteligente e leal.
Conseguiu sem dificuldades ver e conversar o curaca
selvagem. A conferência foi rápida e curiosíssima. O notável explorador, depois
de apresentar ao “infiel” os recursos que trazia e o seu pequeno
exército, onde se misturavam as fisionomias díspares das tribos que subjugara,
tentou demonstrar-lhe as vantagens da aliança que lhe oferecia contrapostas aos
inconvenientes de uma luta desastrosa. Por única resposta o Mashco
perguntou-lhe pelas flechas que trazia. E Fiscarrald entregou-lhe, sorrindo,
uma cápsula de Winchester.
O selvagem examinou-a, longo tempo, absorto ante a
pequenez do projétil. Procurou, debalde, ferir-se, roçando rijamente a bala
contra o peito. Não o conseguindo, tomou uma de suas flechas; cravou-a de
golpe, no outro braço, varando-o. Sorriu, por sua vez, indiferente à dor,
contemplando com orgulho o seu próprio sangue que esguichava... e sem dizer
palavra deu as costas ao sertanista surpreendido, voltando para o seu tolderio
com a ilusão de uma superioridade que a breve trecho seria inteiramente
desfeita.
De fato, meia hora depois, cerca de cem Mashcos,
inclusive o chefe recalcitrante e ingênuo, jaziam trucidados sobre a margem,
cujo nome, Playamashcos, ainda hoje relembra este sanguinolento episódio...
Assim vai desbravando-se a região bravia. Varejadas
as redondezas, mortos ou escravizados num raio de poucas léguas os aborígines,
os caucheiros agitam-se febrilmente na azáfama estonteadora. Em alguns meses ao
lado do primitivo tambo multiplicam-se outros; a casucha solitária transmuda-se
em amplo barracone ou embarcadero ruidoso; e adensam-se por vezes as vivendas
em caserios, a exemplo de Cocama e Curanja, à margem do Purus, a espelharem,
repentinamente, no deserto, a miragem de um progresso que surge, se desenvolve
e acaba num decênio.
Os caucheiros ali estacionam até que caia o último
pé de caucho. Chegam, destroem, vão-se embora. O historiador José Moreira
Brandão Castello Branco publicou o artigo “Peruanos na Região Acreana”,
em 1959, no Volume 244, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. (CUNHA)
Peruanos
na Região Acreana
Recolhemos da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume 244, do ano de 1959, o artigo “Peruanos
na Região Acreana” no qual o historiador José Moreira Brandão Castello
Branco, confirma o que todos os pesquisadores nacionais e estrangeiros
asseveram – de que os caucheiros peruanos ao chegarem à região do Alto-Juruá e
Alto-Purus ali encontraram brasileiros já instalados explorando e
comercializando a goma elástica e outros produtos da floresta.
Diz o escritor peruano Jorge M. von Kassel que a
região do Juruá e Tarauacá foi conquistada pelos caucheiros peruanos após
sangrentos encontros com o gentio local que até então impedira os brasileiros
de explorarem os seringais ali abundantes. Não é exato que assim houvesse
acontecido.
Cheguei ao alto Juruá (Foz do Amônea), em abril de
1909, época em que ainda viviam diversos dos seus desbravadores ou fundadores
de seringais, dos quais indaguei o que havia a respeito da conquista da terra,
não só por escrito, como verbalmente. Relataram-me atritos e colisões com os
indígenas da região, únicos senhores da basta floresta, naqueles tempos, cujas
tabas se viam, de longe em longe, na orla de algum espraiado barranco, lago, no
cimo de um outeiro, ou no recesso da mataria, sem topar com um só caucheiro
peruano, ou gente de qualquer outra nacionalidade.
Segundo cartas e notas fornecidas pelos
seringalistas Jose Inácio da Silva. Miguel de Aguiar Picanço, Júlio Pereira Roque
e Custódio Miguel dos Anjos, além de outros; os dois primeiros desbravadores e
fundadores de seringais na Bacia do Juruá, o terceiro na do Tarauacá e o quarto
na do Purus: sendo que Picanço penetrou no Rio Juruá, em 1870, e Custódio, no
Purus, em 1877. Guilherme da Cunha Correia, dono do seringal Concórdia, no
Baixo Juruá, e filho de João da Cunha Correia, diretor este dos índios do
Juruá, desde 1854, descobridor do Juruá, Jurupari e Purus, acreanos, em 1858,
reforça esta asserção em carta que me escreveu, em 1923, pág. 6: dizendo o
Padre Constantino Tastevin que, antes da invasão dos nordestinos brasileiros, o
Rio Muru (Tarauacá), só era habitado por selvagens. (Le Fleuve Muru, in la
Geographie, Paris, Tomo XLIII, pág. 413).
Para os peruanos, o Limite entre o Brasil e o Peru,
era o delineado pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), baliza esta que segundo
o Capitão de navio D. F. Henrique Espinar, chefe de uma Comissão Cientifica
oficial da república do Peru, no Rio Juruá incidia no seringal Adélia, a jusante
da atual fronteira acre-amazonense, cerca de duzentas milhas, e no Rio
Gregório, ainda mais abaixo deste paralelo: terras estas descobertas pelo
brasileiro João da Cunha Correia, do fim de 1857 ao princípio de 1858, e
atingidas pelos emigrantes do Nordeste brasileiro cerca de 1883 que, neste ano,
já estavam se estabelecendo na foz do Rio Liberdade, situado a mais de 160
milhas acima do Rio Gregório e a quase cem do seringal Adélia. Como se vê, as
pretensões dos nossos vizinhos firmavam-se nas antigas cédulas reais
espanholas, apesar de Portugal, o império e o governo republicano brasileiros,
jamais as admitirem, e os Tratados de 1841 — (art. 14) e de 1851 (art. 7°),
assinados pelo Peru e Brasil, haverem reconhecido o princípio do “uti
possidetis” para regular esses limites.
A notícia mais antiga da convergência de caucheiros
peruanos para o vale do Juruá, que deparamos, foi-nos proporcionada pelo
demarcador, Capitão Tenente Cunha Gomes, Chefe da Comissão Brasileira que fez o
reconhecimento do Rio Javari, em 1897, o qual adianta que, exterminados os
cauchais das terras firmes do Rio Jaquirana (Alto-Javari), os referidos
caucheiros retiraram-se para os Vales do Jutaí e Juruá, onde hoje exploram essa
indústria; dando, assim a entender que em 1896, ou antes, já eles se
aproximavam dessas ribeiras.
O Barão do Rio Branco admite essa invasão no correr
de 1896, ano em que, segundo um dos desbravadores do Alto-Juruá, o peruano
Vicente Mayna fundou um Arraial no local em que atualmente se encontra a Vila
de Porto Valter, não com o fim de negociar e tão somente de explorar os
cauchais vizinhos.
É certo que os peruanos Pedro José e Sebastião
Sevalho, pelo meado do século XIX, subiram o Rio Juruá, na coleta de ovos de
tartaruga e óleo de copaíba, fundando mais tarde, os dois, uma sociedade
mercantil que se denominou Sebayo & Hermano, na seção inferior desse mesmo
Rio.
Isto, porém, foi devido a ação de João da Cunha
Correia, paraense que descobriu o Juruá acreano, em 1858, e cerca de 1860,
convidou algumas pessoas de Fonte Boa, no Solimões, para negociarem no Rio
Juruá e, entre elas se achavam esses dois Sevalhos, que ali ficaram como
comitentes da grande firma paraense João Augusto Correia e Companhia.
Em 1869, trabalhavam em borracha, no seringal
Mari-Mari, a 490 milhas da foz do Juruá, Bonifácio José e Daniel Antônio
Sevalho os quais parecem descendentes de Pedro ou Sebastião Sevalho e talvez,
já brasileiros.
A Vicente Mayna, seguiram-se outros caucheiros seus
patrícios, tanto que, em 1897, a firma Hidalgo Ruiz e Co. arrendou o lugar “Centro
Brasileiro” situado a jusante da foz do Rio Moa, ao brasileiro Antônio
Marques de Meneses, vulgo Pernambuco, denominação aquela que a firma alterou
para “Centro Peruano”, e como Pernambuco protestasse, obrigando-a a
respeitar o título que figurava no contrato de arrendamento, um francês, sócio
ou empregado da firma, lembrou a designação “Eureka-Centro Peruano” para
o estabelecimento recentemente inaugurado: quando o Rio Juruá, da atual
fronteira acro-amazonense até o Rio Breu, extrema do Brasil com o Peru, estava
explorado por brasileiros desde 1890, os quais no ano seguinte, já tinham
posses de terras, em lugares que alcançavam a Boca do Rio Vacapistéa, dezenas
de milhas acima do limite das duas nações.
Para apoiar Hidalgo Ruiz, no mesmo ano, o governo
peruano enviou um Destacamento Militar, pelo varadouro que vai das águas do
Ucaiali para o Rio Juruá-mirim, força esta que foi repelida pelos seringueiros
brasileiros ali residentes.
Ainda neste ano, surgiu no Rio Amônea, um grupo de
peruanos vindos pelo Rio Tamaya, de onde passaram para as estradas de
seringueiras abertas por fregueses do industrial brasileiro Luis de Melo, no
igarapé Cocanaya, contribuinte da margem esquerda do referido Amônea, os quais
vinham perseguidos pelo patrão que os alcançou na confluência deste Rio com o
Juruá, em cujo Porto se achava a lancha Tauaré, da firma paraense Melo e Cia.
Compadecendo-se Luis de Melo do estado miserável desses fugitivos, ressarciu os
prejuízos do patrão deles e os tomou ao seu serviço.
Como se vê, não eram desbravadores, e, apenas,
indivíduos que procuravam se instalar na região para fundar centros de extração
de caucho ou se dedicarem a serviços pertinentes à mesma indústria, numa zona
devassada e habitada por brasileiros que, por tolerância, prévia aquiescência
ou arrendamento, consentiam na sua permanência, aliás, provisória, como
estrangeiros, ao abrigo das nossas leis e autoridades.
Neste mesmo ano de 1897, deu-se a viagem do capitão
de navio, peruano, D. Enrique Espinar que chefiou uma expedição de fim
comercial e científico, no vapor Brasil, aprestado por D. Ricardo Hidalgo,
vapor que saiu de Iquitos a 8 de setembro e penetrou no Juruá a 15 de outubro,
devendo ter alcançado o alto Juruá, da segunda quinzena de novembro para a
primeira de dezembro, época em que as suas águas permitem a navegação de
vapores apropriados à região.
No relatório que Espinar apresentou ao seu governo,
datado de 3 de janeiro de 1898, mas, somente publicado, em Lima, no ano de
1905, apesar de haver encontrado o Rio Juruá todo habitado, só aponta cinco
casas ocupadas por peruanos, uma das quais afastada de sua derrota,
coincidindo o seu estabelecimento com a sua vinda.
Não sabemos em que local ficam essas casas, pois,
só situa os senhores Hidalgo Ruiz e Ciª, a duas milhas abaixo da boca do Rio
Moa, no lugar indevidamente denominado “Eureka-Centro Peruano”, uma vez
que fora arrendado a esta firma pelo brasileiro Antônio Marques de Meneses, seu
proprietário; havia, contudo, a de Vicente Mayna, no lugar, hoje denominado
Porto Valter e o Pouso de Piedro Antônio Riata e Emílio Renvive, na foz do Rio
Breu, onde apareceram, em 1897.
Depois dessa viagem do Capitão Espinar, foi que os
caucheiros peruanos surgiram em grupos e se espalharam por vários contribuintes
do Juruá: exercendo em seguida, alguns cidadãos peruanos, o comércio ilícito
por meio de contrabando, em diversos desses Rios. (BRANCO)
Fonte:
BRANCO, José Moreira Brandão Castello. Peruanos
na Região Acreana – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Volume 244, 1959.
CUNHA, Euclides. Um Paraíso Perdido
– Brasil – Brasília – Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.
Livro
do Autor
O
livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo
comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da
Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na
Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB
- RS); Membro do Instituto de História e
Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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