sábado, 22 de setembro de 2012
URNAS ABERTAS PARA FRAUDES
Por Washington
Novaes
A
menos de um mês das eleições municipais, o País continua mergulhado em dúvidas
quanto aos caminhos definidos para suas escolhas - e sujeito a eventuais
acontecimentos que poderão ser graves. Trata-se do modelo de urna eletrônica
adotado para a votação, que especialistas já há algum tempo vêm mostrando que é
suscetível a fraudes e teve seu modelo recusado por dezenas de países. Mas,
ainda assim, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) insiste em mantê-lo, sob a
alegação de que outro modelo teria custo alto, permitiria identificar o votante
(quebrando o sigilo do voto) e poderia retardar a votação, se implantado.
A
história recente nessa área tem lances dramáticos. Para ficar apenas em um,
pode-se retornar à eleição presidencial de 1989, quando um dos candidatos,
Leonel Brizola, contestou a decisão do TSE de mandar para o segundo turno,
contra Collor de Mello (que tivera 20,6 milhões de votos), o candidato Lula,
com 11,62 milhões (Brizola tivera 11,16 milhões, 456 mil menos). Mas o
presidente do TSE, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
Francisco Rezek, alegou que a recontagem seria impossível, porque as cédulas
usadas pelos eleitores já haviam sido incineradas. Rezek depois renunciou ao
STF, tornou-se ministro de Collor e, ao deixar o Ministério, foi nomeado de
novo ministro do STF - caso único na História nacional.
De
lá para cá houve denúncias em outros casos, escaramuças. Mas não se avançou. Há
uns poucos anos a Câmara dos Deputados, que pretendia preparar um novo sistema
para 2014, pediu parecer do TSE sobre os caminhos a seguir. O tribunal,
entretanto, alegou não ser necessário, dada a confiabilidade que atribuía ao
sistema vigente. A Câmara pediu, então, a um "comitê multidisciplinar
independente" (CMI), composto de dez pessoas, entre elas juristas e
especialistas em tecnologias de informação, um parecer sobre o sistema
brasileiro de votação eletrônica, dadas as dúvidas levantas aqui e em outros
países. A principal delas é que, com as regras e os formatos atuais, é
impossível para os representantes da sociedade auditar o resultado da apuração.
Como diz o relatório do CMI, "caso ocorra uma infiltração criminosa
determinada a fraudar as eleições, a fiscalização externa dos partidos, da OAB
e do Ministério Público, do modo como é permitida, será incapaz de
detectá-la". Por isso julga necessário "regulamentar mais
detalhadamente o princípio da independência do software em sistemas eleitorais,
definindo claramente as regras de auditoria com o voto impresso conferível pelo
eleitor".
Fraudes
eleitorais ocorrem no mundo todo (basta relembrar as que Al Gore alegou na sua
disputa com Bush). E no mundo todo, em dezenas de nações, o sistema adotado
pelo Brasil não é aceito. O último país que o adotava, a Índia, mudou no ano
passado. A Venezuela já mudara em 2004, assim como a Argentina, o Peru, o
Equador, a Costa Rica e o México. O Paraguai desistiu desse caminho, que não
aceita o controle da sociedade - basicamente, porque não permite recontagem e
concentra poder na autoridade eleitoral. O eleitor não tem como fiscalizar; a
segurança eletrônica não é suficiente, "não substitui o exercício da
soberania pelo eleitor-médio". E mesmo que fosse possível, como diz o
procurador da República Celso Antônio Três, citado no parecer do CMI,
"isso não seria suficiente; impõe-se disponibilizar aos cidadãos, através
de suas faculdades normais, motu próprio, a possibilidade de sindicar a devida
observância à sua vontade eleitoral". No atual sistema brasileiro, diz o
relatório do CMI, "há exagerada concentração de poderes, resultando num
comprometimento do princípio da publicidade e da soberania do eleitor".
Lembra
o engenheiro Amilcar Brunazo Filho, especialista em tecnologia de informação e
um dos autores do parecer do CMI, que a Alemanha em 2009 considerou contrário
ao princípio da publicidade e à sua Constituição o uso de máquinas apenas, sem
o voto impresso do eleitor, verificável por ele. "Máquina eletrônica não
basta", concluíram os técnicos alemães, se o eleitor não tem como ver o
que foi gravado no registro digital do voto.
"O
princípio da publicidade no processo eleitoral era perfeitamente atendido no
sistema da votação manual", observa o parecer. "O eleitor via o
conteúdo do Registro do Voto - a cédula eleitoral - antes de ser colocada na
urna. Na apuração, todos esses registros do voto eram abertos para serem vistos
e contados perante os representantes dos candidatos. Porém, com a adoção das
máquinas DRE no Brasil em 1996 o princípio da publicidade no processo eleitoral
eletrônico teve seu alcance restringido". E se o eleitor não tem como ver
ou conferir o que foi gravado no Registro Digital do Voto - feito depois que
ele confirma sua escolha -, nunca terá como saber se o registro consignou seu
voto conforme digitado.
Trata-se,
no todo, de parecer feito por uma comissão independente de partidos ou de
qualquer organização, com colaboração espontânea de seus membros, todos
experientes na área da legislação e das tecnologias de informação. E que ainda
tem o acerto de suas conclusões referendado pelo professor Diego Aranha e por
um grupo de especialistas do Departamento de Ciência da Computação da
Universidade de Brasília, que em agosto mostrou na prática que o sistema
referendado pelo TSE é vulnerável, permite a quebra de sigilo dos votos.
Não
é preciso ter muita imaginação para supor que, num país com as dimensões do
Brasil, mais de 5.500 municípios, existe a possibilidade de tentativas de
fraude. Se o mundo todo está dizendo que nosso sistema é vulnerável, por que
não mudar ou corrigi-lo? Identificação digital apenas não resolve, como já se
mostrou: de que adianta pôr no papel as impressões de dez dedos se depois só se
podem reconhecer duas? E ainda é preciso ter em conta que todos os dias surgem
notícias de hackers que invadem sites eletrônicos, até de órgãos das nações mais
poderosas do mundo.
Cautela,
pois.
Entenda : Urna eletrônica
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