quarta-feira, 26 de setembro de 2012
OS RÉUS DO MENSALÃO
Por (*) José Nêumanne Pinto –|ucho-info|-
Assim como retiram assinaturas de projetos, líderes governistas renegam
nota anti-STF
Há dúvidas
se os efeitos do julgamento do escândalo que se tornou conhecido como mensalão
– e agora se vê que por motivo justo, pois havia mesmo parlamentares e
dirigentes partidários recebendo propinas mensais – ajudarão a sanear a
política brasileira de seus péssimos costumes ou se ele será uma exceção. Não
no sentido de servir a interesses discricionários, como definiu o insigne
professor Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Casa de Rui Barbosa,
até segunda ordem um órgão do governo, ao Valor Econômico, mas significando
algo anômalo, fora do comum e que não produzirá efeitos. Uma coisa, porém, é
certa – e, até agora, isso já o torna histórico: trata-se de uma tomografia que
expõe sem piedade as vísceras apodrecidas da República. E é capaz de revelar
detalhes da promiscuidade e, como já se pode constatar, também da desfaçatez e da
pusilanimidade sem pudor da elite que manda e desmanda no País.
O imenso
pântano de cinismo e caradura em que essa elite chafurda já foi descrito em
detalhes no manual da corrupção na administração pública nacional que é o livro
Nervos de Aço (Topbooks, Rio de Janeiro, 2007), do delator do esquema de compra
de votos das bancadas governistas com dinheiro público, Roberto Jefferson,
presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Mas como tudo o
que expõe sesquipedais rabos de palha, a publicação caiu em ostracismo. Agora,
não mais: a malversação do dinheiro público tem sido descrita em capítulos,
lidos nas tardes de segunda, quarta e quinta-feiras pelo relator do processo no
Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. O relato, feito com lógica de
orgulhar Aristóteles e lido com dicção perfeita e no tom certo, é seguido com
interesse pela sociedade graças à oportuníssima exibição ao vivo em canais por
assinatura na televisão. E também é reportado pelos meios de comunicação, para
desespero de todos quantos pensavam que seriam capazes de mandar o velho
Abraham Lincoln às favas, pois conseguiriam enganar todos durante todo o tempo
que lhes conviesse.
O trabalho
minucioso e competente do ministro trouxe à luz a forma como foi aparelhada
pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no poder uma instituição secular e
respeitável como o Banco do Brasil (BB), fundado no começo do século 19 pelo
monarca português e que virou símbolo da passagem de nossa condição colonial à
de sede da Corte. E narra o que no livro de Jefferson pode até ser considerada
retaliação de perdedor: a entrega de envelopes (e até malotes transportados em
carros-fortes de bancos) com gorjeta usada para convencer parlamentares cúpidos
e chefes partidários venais a dizerem amém na Câmara e no Senado às ordens
emanadas do que passou a ser todo-poderoso Executivo.
Atrás do
propinoduto de que Marcos Valério foi só “operador”, no dizer do delator e
confirmado pelo relator, foi engendrado o verdadeiro ovo da serpente, o golpe
sub-reptício com o objetivo sórdido de instalar uma ditadura dos políticos
profissionais sobre os cidadãos comuns. O julgamento do mensalão decidirá o
destino de gestores acusados de desviar recursos públicos para aplicarem em
seus projetos partidários e nas próprias fortunas pessoais. E terá o condão de
decidir de vez que em nosso frágil, mas irreversível, Estado Democrático de
Direito todos são de fato iguais perante a lei. A tentativa de reduzir crimes
maiores, como corrupção ativa e passiva, peculato e lavagem de dinheiro, a um
delito menor, o caixa 2 de campanha (“recursos não contabilizados”, no
eufemismo da vez), partiu do pressuposto de que eles podem fazer o que não nos
é permitido. A contabilidade paralela da Daslu levou a empresária Eliane
Tranchesi à prisão. Não a de Delúbio Soares. “Pois, afinal, é praticada por
todos os partidos. Se os outros podem, por que o PT não?”, questionou o chefão
geral, Luiz Inácio Lula da Silva, como acaba de fazê-lo o único acusado do
esquema que se beneficiou da delação premiada, o chef Silvio Pereira.
A cúpula
petista no poder republicano não tinha dúvidas de que a teoria do padim
transmitida a seus causídicos milionários seria aceita facilmente no plenário
do Supremo. Afinal, oito dos 11 ministros foram nomeados por um presidente do partido
e teriam de ser-lhe gratos. Se o BB foi aparelhado, se a Casa Ruy Barbosa foi
aparelhada, se a Petrobrás foi aparelhada, por que não o STF? A verdadeira
elite dirigente esqueceu-se de prestar atenção em Chapolim e não contou com a
astúcia dos ministros que, imunes à demissão, tratam de evitar que a gratidão
emporcalhe sua biografia. O general De Gaulle disse muito bem que a ingratidão
é a maior virtude de um estadista.
E é assim
que o velho conceito da igualdade de todos perante a lei está sendo garantido
pelo STF e os políticos viciados em caronas em jatinhos (quando não dispõem do
próprio avião) e nas festas promíscuas pagas pelos sanguessugas do Estado
exercem o direito que os galhofeiros verteram para o latim: jus sperneandi. O
direito de espernear é a única explicação para a carta dita de apoio a Lula,
articulada pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão, e assinada por seis
partidos da chamada “base governista”, comparando a atuação do STF ao movimento
que levou Getúlio Vargas em 1954 ao suicídio e à derrubada de João Goulart em
1964.
O presidente
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Valdir Raupp, disse que
a assinou “constrangido”. Terá o Falcão do PT recorrido a um revólver para
convencê-lo? Parlamentares do Partido Democrático Trabalhista (PDT)
desautorizaram seu líder, Carlos Lupi. Por que, então, não o depõem da
presidência? Habituados a retirar assinaturas de projetos, ao terem atendidos
seus pleitos pelo Executivo, devem calcular a inteligência alheia pelo conceito
que têm da própria honra. Ao assinarem o documento tragicômico e tentarem fugir
da responsabilidade por isso, incluem-se, e também Lula, na categoria de “réus
morais” do mensalão. Pois não é isso mesmo que eles são?
(*) José Nêumanne Pinto é jornalista, escritor e
editorialista do Jornal da Tarde
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