quarta-feira, 21 de maio de 2008

Clarice Lispector-A Lucidez Perigosa


A Lucidez Perigosa

de

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que:que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.


HAIA LISPECTOR

Nascimento: 10/12/1920, Tchetchelnik, Ucrânia, Russia
Filiação: Pinkouss Lispector e Mania Lispector
Casamento: Maury Gurgel Valente (1943 a 07/1959, separa-se); filhos: Pedro (10/09/1948) e Paulo (10/02/1953)
Falecimento: 09/12/1977, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Causa: Obstrução intestinal provocada por adenocarcinoma de ovário
Escritora radicada no RJ (1934), romancista (estréia com "Perto do Coração Selvagem", 1943); expressa uma visão profundamente pessoal e existencialista do dilema humano; adormecendo com um cigarro aceso (14/09/1966), provoca um incêndio que lhe causa profundas cicatrizes.
"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."


Clarice Lispector

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