sábado, 24 de maio de 2008


O Sono das Águas

de

Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.

Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d’água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir…

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes…

Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono…

JOÃO GUIMARÃES ROSA

Nascimento: 27/06/1908, Cordisburgo, centro-oeste de Minas Gerais, Brasil Falecimento: 19/11/1967, Rio de Janeiro, Brasil Escritor romancista, autor de "Sagarana" (contos, 1946) e "Grande Sertão, Veredas" (romance, 1956).
"É preciso sofrer depois de ter sofrido e amar e mais amar, depois de ter amado."

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