“A FÉ É TELÚRICA, ESSENCIAL”
Carlos Heitor Cony
“Eu não vejo a fé como uma questão de tolice, nem como uma questão de força. A fé é uma coisa essencial, telúrica do homem. Há uns quatro anos, tive um problema de saúde e me aconselharam a falar com um amigo meu de seminário que hoje é bispo.
Ele sabe que sou ateu e me disse uma frase que me impressionou muito: ‘Nós temos necessidade da fé porque existe alguma coisa’. Eu falei: ‘Não, até aí você está propondo a coisa pela prova, não é argumento’. Ele disse assim: ‘O homem tem sede porque tem muita água. Se o universo não tivesse tanta água o homem não teria sede. Então, existe sede porque existe muita água, o que levaria á idéia de que essa sede que a gente tem do infinito, da espiritualidade, da eternidade, de um ser superior que nos guia e rege é uma tendência quase filosófica do homem, ou melhor, se o corpo tem a sua fisiologia própria, que o obriga a ter sede e fome, o espírito que vivifica a matéria teria essa necessidade de água, que seria, no caso, Deus’.
Eu respondi o contrário: ‘Existe muita água, por isso tem fé. Poderia inverter os termos’. É uma questão muito ampla. Não se chega nunca, não se chegará nunca a um resultado. Há uma tendência hoje de, por meio da ciência, querer justificar a fé. Não que a ciência vá provar a fé -isso jamais fará-, mas admitem que a ciência será complementar à fé. Eu não acredito nisso.”
“A RAZÃO JUSTIFICA A CRENÇA”
Mauro Salles
“A fé não é refúgio dos tolos, é uma realidade do ser humano e ela, curiosamente, é uma realidade muito atual. Eu fui a uma noite de autógrafos, e o livro que estava sendo lançado, a biografia de Fujioto Tatshibana, de Aldo Pereira, tinha como epígrafe uma frase que diz assim: “Fé é acreditarmos no que não vemos, a recompensa dessa fé é vermos aquilo em que acreditamos’. Essa é, se não me engano, uma frase de Santo Agostinho, portanto, uma frase secular que continua atualizada. A melhor maneira de demonstrar a seriedade da fé é imaginar o homem sem fé. Imaginar o ser humano sem fé.
Houve inúmeras tentativas de desacreditar a fé, de eleger a razão como a única coisa essencial, mas até os agnósticos porque não acreditavam, não tinham fé num Deus, mas, de outra parte, chegava um momento em que eles tinham que acreditar na existência do espírito como uma qualidade extra do homem, já que nem eles podiam imaginar que um homem sem espírito estava devolvido apenas à sua função animal.
Aceitar um homem sem espírito como gerador de pensamento é a mesma coisa que acreditar num animal muito inteligente que possa ser gerador desse pensamento, ou então imaginar que o computador, a máquina, possa ser geradora. Hoje, ao contrário, já se usa a razão para justificar a fé.”
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Da Folha de S.Paulo edição de Domingo-27 de julho de 1997 - divulgando o tema da 19ª edição da série "Diálogos Impertinentes", realizado no dia 24 de junho, no teatro de arena da PUC, dentro da série promovida pela Folha, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e pelo Serviço Social do Comércio (Sesc).
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