“Tributar pesadamente, tirando do mais capaz e do mais motivado para dar ao menos capaz ou menos disposto, em geral redunda em punir aqueles, sem corrigir estes.” (Roberto Campos)
Em mais um discurso verborrágico, o presidente Lula demonstrou seu completo analfabetismo econômico. O presidente disse: “Cada real que você der na mão de uma pessoa pobre volta automaticamente para o comércio, para o consumo e reativa a economia. Às vezes você dá R$ 1 milhão para uma pessoa, que coloca no banco, não faz nada. Só ele vai ganhar dinheiro. Na hora que você dá R$ 1 para cada pobre, dando para mil pessoas são R$ 1 mil que voltam para o comércio meia hora depois. Nem que ele vá para um boteco tomar uma ‘canjebrina’ (termo nordestino para cachaça). Não fica no banco, não vai para derivativos”.
Que lógica impecável! Segundo o presidente, quando alguém poupa R$ 1 milhão e investe em algum fundo de banco, está mantendo o capital ocioso e somente ele se beneficia, enquanto que o gastador compulsivo, mesmo que de cachaça, está ajudando a economia, “fazendo a roda girar”. Aprendemos que o rabo é que balança o cachorro: o consumo é que permite a produção, e não o contrário. Lula, quando sair da presidência, já pode até mesmo concorrer ao Prêmio Nobel de economia, cujo recente vencedor defende teses semelhantes.
Em 1850, o francês Bastiat já havia escrito sobre aquilo que se vê, e aquilo que não se vê. Um bom economista deve ser capaz de enxergar os efeitos das medidas econômicas ao longo do tempo, e não se limitar ao imediatismo míope. A comparação entre dois irmãos herdeiros derruba a falácia praticada por Lula. Mondor e seu irmão Aristo, após repartirem a herança paterna, ficam cada um com cinqüenta mil francos de renda. Mondor pratica a filantropia: “Renova seu mobiliário uma vez por ano, troca suas carruagens todos os meses, as pessoas comentam sobre os métodos que ele usa para, engenhosamente, acabar mais depressa com o dinheiro. Enfim, ele faz, por comparação, empalidecer os personagens bons vivants de Balzac e de Alexandre Dumas”.
Aristo adotou um plano de vida bem diferente. “Se não é um egoísta, é, pelo menos, um individualista, pois ele racionaliza suas despesas, só procura prazeres moderados e razoáveis, pensa no futuro dos filhos e, para encurtar, economiza”. Mas ele é visto como um rico avarento pelos outros. Bastiat explica: “Esses julgamentos, nocivos à moral, estão baseados no fato de que há alguma coisa que impressiona os olhos: os gastos do irmão pródigo”. Só que “a sabedoria de Aristo é não somente mais digna, mas ainda mais proveitosa que a loucura de Mondor”.
Os felizes fornecedores dos luxos de Mondor representam aquilo que se vê. Não é tão fácil de perceber, do ponto de vista do interesse dos trabalhadores, o que se tornam os rendimentos de Aristo. Mas todos esses rendimentos, até o último centavo, servem para dar emprego aos operários tanto quanto certamente os rendimentos de Mondor. Mas há uma diferença importante: “os gastos loucos de Mondor estão condenados a diminuir sempre e a chegar a um fim necessário. A sábia despesa de Aristo vai engordando de ano para ano”. A poupança de Aristo pode ser canalizada para investimentos produtivos. Os gastos de Aristo, feitos em parte por terceiros à distância, representam aquilo que não se vê.
Bastiat conclui: “É, portanto, falso afirmar-se que a poupança causa um real prejuízo à indústria. Sob esse ângulo, ela é tão benéfica quanto o luxo. Mas quão superior essa poupança se mostrará, se nosso pensamento, em vez de se prender às horas fugazes que passam se detiver num espaço de tempo maior, mais longo! Assim, imaginemos que dez anos se passaram. O que se tornaram Mondor e sua fortuna? E a sua grande popularidade? Tudo se acabou! Mondor está arruinado! Longe de despejar sessenta mil francos, todos os anos, na economia, ele está vivendo provavelmente à custa da sociedade. Em todo caso, ele não faz mais a alegria dos fornecedores, não consta mais como protetor das artes e da indústria, não serve mais para nada diante dos trabalhadores e nem diante dos seus, que ele deixou em dificuldades”.
Por outro lado: “Ao final dos mesmos dez anos, Aristo continua não somente a pôr o seu dinheiro em circulação, mas continua aumentando seus rendimentos de ano para ano. Ele contribui para fazer crescer o capital nacional, ou seja, o fundo que alimenta os salários. E, como a demanda de trabalho depende da extensão desse fundo, ele concorre para o aumento progressivo da remuneração da classe operária. Se ele vier a morrer, deixa os filhos preparados para substituí-lo nessa obra de progresso e de civilização. Do ponto de vista moral, a superioridade da poupança sobre o luxo é incontestável. É consolador poder-se pensar que o mesmo se dá do ponto de vista econômico, para quem quer que, não se fixando nos efeitos imediatos das coisas, saiba levar suas investigações até os seus últimos efeitos”.
Em resumo, Bastiat teria uma lição tanto econômica como moral para ensinar ao presidente Lula, que enaltece o uso do dinheiro para consumo de cachaça, em vez de poupança. Tirar recursos dos poupadores para distribuir entre pobres “cachaceiros” é punir a virtude e premiar o vício. Não se deve esperar um comportamento adequado quando a poupança é punida e o consumo supérfluo é estimulado, ainda por cima com recursos de terceiros. Tirar a fortuna de Bill Gates e distribuir para “cachaceiros” criaria apenas mais um miserável no mundo. A postura do presidente é não apenas absurda do ponto de vista econômico, mas também imoral.
Para a leitura na íntegra dos Ensaios de Bastiat, segue o link.
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