Tudo estava pronto para a grande festa anual dos sinais gráficos. A comissão organizadora, formada pelo cifrão ($), pelo e comercial (&) e pelos dois parênteses (( )) tinha decidido que os pontos finais não seriam convidados e, se viessem, não entrariam. "São muito chatos, a todo momento entram na conversa dos outros paralisando as frases, que ficam cortadas, sem sentido", justificou o cifrão.
Durante a festa, os sinais formavam rodinhas de bate-papo. Alguns alegres, outros tristes. A arroba (@), por exemplo, era de longe a mais feliz entre os convivas. Com a Internet, estava sendo utilizada em todo o mundo. "Eu que cheguei a pensar que não mais seria usada para alguma coisa, além do preço do boi na bolsa, eis que a Internet me rejuvenesceu."
O trema (¨), coitado, era só tristeza. Usando sua linguagem erudita, lamentava para a crase. "Feneço a cada dia, solerte amiga. Fui abolido do Português e só encontro serventia em palavras estrangeiras, principalmente nas bárbaras européias, que não provêm do nosso excelso latim. Alguns pusilânimes fazem troça comigo e dizem que sou o sinal de dois pontos deitado." A crase (`), que também tinha seus problemas, respondeu: "E eu, que quase ninguém sabe usar corretamente."
A vírgula (,) trajando vestido roxo e longo, realçando suas formas curvilíneas, comentava com o dois pontos (:). "Caro colega, é impressionante como tem gente que me usa em excesso, me colocam até entre sujeito e verbo. Imagine você, fiquei sabendo de um leitor que ficou asmático depois de ler o livro de um escritor que me usava em profusão."
A festa continuava. A orquestra tirava de letra as músicas, os convidados dançavam e bebiam. O ponto de exclamação (!), um dos mais esbeltos e elegantes, com seu smoking preto, elogiou a cedilha (ç). "Parabéns por ter vindo desacompanhada do C." Ela respondeu: "Você continua o mesmo galante de sempre e esta festa é o único lugar em que eu tenho sentido sozinha."
De repente, na portaria do salão, veio o barulho de um entrevero entre um convidado e o ponto de interrogação (?), responsável pela segurança. "Ponto final (.) não foi convidado, não pode entrar", bradou o interrogação, curvando-se ao baixinho bravo. "Meu amigo, procure entender, eu não sou ponto final. Sou o asterisco (*). É que quando vou a festas, passo gel nos cabelos."
Otávio Nunes
Outros textos do autor no blog www.historinhasdootavio.blogspot.com
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