domingo, 14 de junho de 2009

PARA SER FELIZ É PRECISO MAIS QUE INTELIGÊNCIA

“Quem não tem competência não se estabelece” é a máxima da sabedoria popular que nos convida a uma reflexão mais profunda, como sugere o título deste meu artigo. Pela ordem proposta, afirmo que, em um ser humano física e psiquicamente saudável, a sensação de bem estar e o sentimento de felicidade advém do exercício pleno de suas habilidades, elevadas ao nível de excelência. E o que são competências? Particularmente, defino competência como “o meio de desenvolver e consolidar nossas habilidades, tornando-as capacidades humanas para exercer plenamente nossas funções e atividades de maneira eficaz e adequada de acordo com as situações vividas”.

Ao seguir nessa linha, destaco o autor de Permission Marketing, Seth Godin, o qual sugere que a "armadilha da competência" seria alguém “fazer algo de forma previsível e confiável, cuja situação ou problema particular procura resolver”. Isso pode significar que uma pessoa competente é, antes de tudo, previsível e confiável em suas habilidades. E aqui aponto uma questão: como alguém pode ser previsível e confiável numa situação ou problema particular, se as experiências da vida são compostas de inúmeras variáveis imprevisíveis?

Assim, parto do pressuposto de que qualquer ser humano saudável tem o potencial inato para lidar com as imprevisibilidades da vida, bem como desenvolver várias de suas habilidades. Para isso, basta desenvolvê-las. Aqui irei tratar de cinco competências específicas: a Intelectual, Física, Emocional, Social e Espiritual. Em sua mais recente solicitação, a editora desta revista pediu-me para escrever sobre Quociente de Inteligência. Impossível tratar deste assunto sem antes desmistificar de uma vez por todas sobre as inteligências. Sim, porque são cinco. Todas elas possuem um viés em comum e, o binômio formado pelas Intelectual-Física se entrelaça ao trinômio Emocional-Social-Espiritual. Essas inteligências convergem e interagem entre si (transformando-se em competências e que assim serão tratadas neste artigo). Interessante que Leonardo da Vinci já as havia prenunciado quando representou o ser humano na forma de um pentagrama (estrela de cinco pontas) numa alusão simbólica a essa convergência e interação. Complicado? Não. Saiba como isso funciona.

Primeiros passos

Tudo começa por meio de uma boa estrutura familiar (se não a teve, ainda sim você pode superar esse fator). A formação intelectual, artística e esportiva em boas escolas (leia-se sem progressão automática), leituras, estudo de idiomas e informática podem desenvolver nossas habilidades inatas e transformá-las em competências Intelectual e Física. Temos a possibilidade de, ao adquirir excelência nessas áreas, nos tornarmos profissionais competentes e obtermos maior empregabilidade (que é a capacidade que cada um de nós possui de se gerar trabalho). Com isso, podemos auferir uma renda considerável, proporcionando-nos coisas boas como: casas, carros, roupas, lazer, comida, enfim, tudo que torne a vida mais tranqüila, prazerosa e proporcione a segurança de sobrevivência plena. Embora tudo isso seja importante, não nos assegura a felicidade.

Muitos se orgulham de ter adquirido as competências Intelectuais e Físicas, mas aqui pode surgir um problema: alguns acabam por torná-las um porto seguro e apavoram-se com as mudanças; tornam-se resistentes a elas e criam obstáculos ao seu pleno desenvolvimento. Da mesma forma, inúmeras empresas e organizações vivem hoje um paradoxo: necessitam de pessoas pluralistas com visão holística e, o que mais se encontram nelas são especialistas. Procuram flexibilidade e impõem mais burocracia. Cobra-se criatividade dos colaboradores e oferece-se a autocracia de regras discutíveis. Isso ocorre porque, seja no indivíduo, na família, na empresa, na cidade, no país ou no próprio planeta, essas contradições advêm do comportamento das pessoas que compõem esses núcleos sociais. Qual a solução?

Alinhar a competência Emocional! Tanto no trabalho como na vida social, essa é uma tendência observada e consolidada em outros países. Um exemplo: a Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHK) fez uma pesquisa junto a 2.154 empresas; no estudo, constatou-se que as chances reais de sucesso na carreira profissional não dependem só dos conhecimentos teóricos adquiridos, mas sim da personalidade de uma pessoa. Chamadas de soft skills (aptidões suaves), essas aptidões são adquiridas pelas experiências nos mais diferentes setores da vida (emocional, social e espiritual) e podem ser transferidas indiretamente para a atividade profissional (que hoje contam na avaliação de candidatos a um emprego).

Como a humanidade atravessa mudanças radicais em um curto espaço de tempo, hoje o ser humano vive nos limites maiores que de uma corrida de Fórmula 1. Para se adaptar e sobreviver aos dias atuais, o homem dispõe das aptidões suaves que se traduzem também na criação de empatia, no autocontrole e bom senso para melhor solucionar os conflitos, além de ter o poder de negociar e a capacidade de adotar a perspectiva do outro. Mais que a inteligência promovida nos moldes tradicionais, a competência Emocional está estreitamente ligada à competência Social do homem em poder construir a felicidade e gerar bem-estar para si e para aos outros.

É por essa razão que apenas o exercício de nossas aptidões intelectuais e físicas não asseguram o bem-estar comum, tampouco a felicidade. Identificar e exercer nossas competências Emocional e Social implica dar o primeiro passo para trilharmos o caminho da quinta competência: a Espiritual. Para tanto, é necessário ter a coragem de abandonarmos nossas “zonas de conforto”. Posteriormente, investir energia naquilo que verdadeiramente nos motiva e saber lidar com a realidade imprevisível que nos cerca. Dificuldades podem surgir para nos obrigar a abandonar velhos paradigmas e entrar em um território desconhecido. Este é um processo, por vezes, doloroso, porém necessário para que possamos nos reinventar.

Empresas estão atentas

Existem hoje cerca de 300 estudos patrocinados por empresas em todo o mundo. Eles demonstram que o caminho para a excelência atribui peso muito maior à competência Emocional do que às capacidades cognitivas. Os6 dois primeiros quesitos mais importantes são: a habilidade de influenciar e a vontade de realizar. O pensamento analítico de profissões técnicas e científicas aparece em terceiro lugar nessas pesquisas. Isso significa que brilhantismo por si só não impulsiona um profissional ao topo, sem que ele tenha desenvolvido a sua capacidade de se relacionar, influenciar, persuadir outras pessoas, além de encarar desafios.

Ao reforçar tais aspectos, lembro que Susan Ennis (Bank Boston) relatou a Daniel Goleman (autor de Inteligência Emocional) sobre o que destacava os técnicos, engenheiros e consultores de empresas “não eram suas capacidades intelectuais, pois quase todos nessas companhias possuíam praticamente o mesmo grau de inteligência. O diferencial era a capacidade emocional e de empatia que eles têm de ouvir, de influenciar, de compartilhar, colaborar e de fazer com que as pessoas permanecessem motivadas e trabalhassem bem em conjunto”.

Para se ter uma idéia, em um universo de 181 modelos de competência, extraídos de 121 organizações diferentes em todo o mundo, destaco ainda que de duas entre três das capacidades julgadas essenciais para um desempenho eficaz se traduzem em fatores emocionais. Se compararmos o Quociente de Inteligência aliado ao conhecimento especializado, os quesitos emocionais têm o dobro da importância. Por isso, compartilho da afirmação de Daniel Goleman de que “para se obter êxito nos mais altos níveis em posição de liderança, a competência Emocional responde por praticamente toda a margem de sucesso e vantagem competitiva”.

Competências caminham juntas

Em sua pesquisa, a DIHK detectou que, para 85% dos empresários consultados, a capacidade de analisar e de tomar decisões é a qualidade mais importante que um colaborador com qualificação acadêmica deve ter para aspirar crescer em sua carreira profissional. Em seguida, vem o empenho e a responsabilidade, o espírito de equipe, as habilidades na comunicação e de lidar bem com os conflitos. Os empregadores alemães atribuem, também, uma importância cada vez maior à personalidade do funcionário.

Ao mesmo tempo em que atribuíram importância a essas qualidades, os mesmos empresários lamentaram a existência de enormes déficits, não apenas nos quesitos das competência Emocional e Social no que diz respeito ao caráter. A metade atribui a culpa a uma educação que deixa de transmitir valores. Um terço vê sérios problemas na educação escolar e 28%, na formação universitária. Um quarto das empresas afirmou ter demitido funcionários que haviam sido contratados logo após a conclusão de um curso superior, em virtude de falhas no comportamento social ou na capacidade de integração.

Se na Alemanha os empresários preocupam-se com tais déficits, lamentavelmente aqui no Brasil essa questão é tratada sem a devida relevância, tanto pelo governo como pelas instituições de ensino (e isso é pauta para outro artigo). Particularmente, compadeço-me do jovem universitário brasileiro que hoje termina seu curso superior e busca emprego fiando-se apenas nos conhecimentos teóricos recebidos. Isso porque, aliada a má qualidade do ensino que recebe, os jovens estão despreparados para se lançarem no mercado de trabalho em meio às tantas exigências que empresas e sociedade lhes impõe em relação às habilidades e competências adquiridas e consolidadas. Dá para ser feliz?

Admirável mundo pós-moderno

Sim, dá! A competência Social se adquire com a experiência prática: para 68% das empresas alemãs, o candidato a um posto de trabalho precisa ter trabalhado durante os estudos. Quase a metade dos empresários demitiu funcionários por incapacidade de aplicar na prática o que tinham aprendido em teoria. Relacionar a prática, a teoria e a realidade perpassa a pesquisa inteira do DIHK como um fio-condutor. Isso aponta para a necessidade de que os cursos universitários relacionem-se com a prática, integrem estágios, travem maior cooperação entre a universidade e as empresas, inclusive no planejamento dos cursos. Só desta forma estaremos formando competentes emocional e socialmente, com as características de autoconhecimento, consciência ética e compromisso moral e social tão necessários para lidar de maneira equilibrada com o dia-a-dia do mundo pós-moderno no qual vivemos.

Hoje o indivíduo sofre com apelos visual e mercadológico intensos, fatores emocionalmente estressantes. Mal acorda e seus olhos se deparam com as manchetes dos jornais, revistas e da TV. E seja no rádio ou via Internet, a percepção dura da realidade estará ali. Como manter critérios de distanciamento e ainda assim intervir positivamente na realidade? Ao confrontar-se com situações violentas e más notícias, em maior número que fatos agradáveis, o competente Emocional e Social sabe que recebe diariamente uma carga negativa de informações. E quer queira ou não, elas irão se associar ao seu cotidiano e às informações recebidas do meio familiar, social e cultural desde a sua infância. Eis aqui o caminho aberto para o desequilíbrio que gera angústias, fobias, neuroses e crescentes casos de depressão, caso o indivíduo não possua os “filtros adequados” que tais competências possibilitam àqueles que as possuem.

A competência Emocional é identificada no indivíduo pela valorização, o reconhecimento e a criação de um clima motivacional que reforça o lado positivo dos outros. Já a competência Social é atingida com compromisso moral, ético e político que visa ao respeito e a dignidade perante a raça humana. Finalmente, a competência Espiritual vai além do respeito às pessoas, está alicerçada no amor a elas. Amar é mais que um sentimento. É um princípio. Amar trata-se de algo estranho no mundo dos negócios. É uma linguagem que ainda nenhum processo, sistema tecnológico ou empresarial compreende ou absorve por não ter atingido essa dimensão ainda. Por certo, esta onda será alcançada, do contrário estaremos fadados à infelicidade social perene.

Felicidade se constrói

Assim, a binômio das competências Intelectual e Física atrela-se às Emocional e Social, que, por sua vez, se entrelaçam juntos à Espiritual. Todas essas competências juntas somam nossa capacidade de experimentarmos, de forma mais ampla, sentimentos sociais e humanitários. É importante que cada um compreenda a razão da sua própria existência e isso não é uma tarefa simples. Passa pelo resgate pessoal do próprio Eu, da descoberta de uma missão e a partir dela vivenciar aquilo o que verdadeiramente nos anima. A compreensão disso possibilita a percepção do que é construir a felicidade desconhecida por muitos, desacreditada ou mitificada por filosofias, seitas e religiões.

Podemos, sim, desenvolver a capacidade de experimentar esses sentimentos e exercê-las junto às pessoas, se partirmos do pressuposto de que o indivíduo existe para ocupar seu espaço e não disputá-lo de forma darwiniana. Ocupar um espaço não significa que o homem irá competir com o outro, isolando-o ou mesmo destruindo-o. Não pode haver espiritualidade num ambiente onde sobreviver a qualquer preço é o lema. Competitividade só rima com felicidade no papel, porque não se pode construí-la isoladamente. Cabe a cada um desenvolver por si e em si o primeiro o princípio para essa construção: o amor consciente, pois de nada adianta cobrar do outro aquilo o que não se pode ofertar.

Como seres humanos, urge adquirirmos o conjunto dessas cinco competências a fim de conquistarmos mais que do que elas nos proporcionam materialmente e fisicamente. Ao conquistarmos a nós mesmos, podemos substituir a competitividade pela competência Espiritual. Ao colocarmos em prática nossas verdadeiras aptidões, exerceremos nosso potencial humano como uma conquista positiva. Do contrário, corremos sério risco de não conseguirmos nos estabelecer no planeta, em nossa cidade, em nosso trabalho, em nossa família, e dentro de nós mesmos, e daí... “quem não tem competência não se estabelece!”.
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Valter Moura é jornalista, psicanalista e mestre em Administração de Empresas. Atualmente, trabalha como professor universitário nas áreas de Comportamento, Psicologia Organizacional e Psicologia Jurídica.
FONTE: arScientia

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