sábado, 13 de fevereiro de 2010

VEM AÍ OUTRO PASTELÃO

Percival Puggina (*)
“Quem luta pelo comunismo tem que poder lutar e não lutar, dizer a verdade e não dizer a verdade, manter a palavra e não cumprir a palavra etc.” (Berthold Brecht, comunista, em Die Massnahme).

Quando foi, então, que eles começaram a ter algum interesse na verdade? Essa súbita inquietude d’alma, expressa no desejo de criar a tal Comissão Nacional da Verdade, disputa prêmio no Festival da Mentira. Logo quem! Empilharam no planeta milhões de cadáveres, tanto para ocultar a verdade quanto porque as vítimas descriam das suas mentiras. Onde tomaram o poder acabaram com a imprensa livre, exatamente para que nenhuma verdade chegasse ao povo. Montaram o mais poderoso aparelho de mistificação que o mundo já viu. Conhecida por uma abreviatura que diz tudo, Agit- prop, essa máquina, cujas atividades iam desde a produção de livros infantis até o financiamento de autores e jornalistas no mundo inteiro, conseguiu convencer metade do planeta que o inferno soviético era, “na verdade”, um paraíso terrestre. Preocupados com a verdade?

No Brasil, todas as organizações que atuaram na clandestinidade, antes e depois de 1964, seguiam variantes do mesmo totalitarismo. Compunham uma miscelânea de alas, correntes, frentes, ações, dissidências, vertentes, grupos, tendências, núcleos, coletivos, ligas, uniões e partidos. Só estes últimos eram 14! Tais organizações, coisa de duas centenas, repartiam entre si, orgulhosamente, os rótulos de comunista, revolucionário, socialista, bolchevique, maoísta, marxista, leninista, trotskista e por aí vai. Democracia? Nem pensar. Lutando por algo infinitamente pior do que o regime que diziam combater, praticaram crimes tão graves quanto os de que reclamam. Crimes que não geraram indenizações e sequer são mencionados nesse súbito interesse por “direitos humanos” e pela “verdade” a respeito de um tempo em que eram tão rejeitados que desconfiavam da própria sombra. A falta de apoio popular, aliás, constituía o autodiagnóstico mais frequente em suas reflexões.

Você acredita que a insistência em escrutinar aquele específico período da história reflita sincera paixão pela verdade? Se sim, por que pretendiam restringir os trabalhos apenas ao “contexto da repressão política”? Se sim, por que propõem meios de controlar a imprensa e a cultura no mesmo PNDH-3 que cria a tal comissão da “verdade”? Pois é. Verdade histórica? Direitos humanos? Qual o quê! É o velho Agitprop de terno Armani, aferrado a estatais e fundos de pensão. Parece que ainda não mentiram o bastante nas salas de aula, nos microfones, nos filmes e nos livros! Contudo, a imensa maioria dos sessentões brasileiros não deu e não dá força aos seus protagonistas. Por quê? Porque viveram à época desses fatos que alguns, agora, querem recontar com ares de super-heróis. Que pretendem, então? Conquistar adeptos entre os jovens, massa votante que hoje realmente conta no país, ora essa. E quanto mais ela for manipulada, quanto mais matérias gerarem, mais beneficiados serão os atuais comissários da História, posando como mártires da democracia. Mesmo que tudo seja falso. Prepare-se. Depois de O filho do Brasil, vem aí Os filhos da clandestinidade. Tão pastelão quanto o anterior. A real motivação de tudo está no mercado político. Na venda de ações de empresa falida. Na captura de corações e mentes. Na tentativa de cobrar no presente por méritos que não tiveram no passado. Perdoem-me aqueles, como eu, sinceramente interessados na verdade e com medular repugnância à tortura e ao terrorismo. Nós somos, neste caso, irrelevantes.

(*) Escritor

Zero Hora, edição de 13 de fevereiro de 2010.

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