domingo, 24 de abril de 2011

DESAFIANDO A LAGUNA DOS PATOS

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 25 de abril de 2011.

Bela Lagoa dos Patos

(Daniela da Cunha)

(...) Quando o Sol desce por entre as nuvens

Posso ver o anoitecer chegando.

Lagoa te quero sempre assim, linda

nos meus sonhos sempre me alegrando.

Depois da longa noite

quando pensei que não vinhas

ouvi teu doce balançar no cais

das tristes lembranças minhas. (...)

Mais uma vez me proponho a desvendar os arcanos e enfrentar os desafios da Laguna dos Patos, o maior manancial de água doce brasileiro com 265 quilômetros de comprimento e uma superfície de 10.144 quilômetros quadrados. Nas tentativas anteriores, os ventos e ondas superiores a um metro e meio determinaram que eu abortasse a missão, um fracasso temporário, jamais definitivo. A jornada pela margem Oriental me fascina tendo em vista a mesma proporcionar maiores dificuldades e não abrigar nenhum núcleo populacional em sua margem. O Coronel PM Sérgio Pastl se prontificou em nos apoiar com seu veleiro “Ana Claci” acompanhado do Professor de Educação Física Hélio Riche Bandeira do Colégio Militar de Porto Alegre.

- Largada da Praia da Varzinha (10 de Abril)

(30°19'17,52"S/50°54'21,85"O)

Às quatro horas em ponto, do dia 10 de abril do corrente, o Soldado PM Jorge Luz Gomes de Campos, motorista do Coronel Pastl, chegou à minha residência para transportar a mim, o Professor Romeu Henrique Chala e os caiaques até a Praia da Varzinha, local da largada. No caminho encontramos com alguns canoístas do Clube de Regatas Almirante Barroso que nos acompanhariam parte do percurso. Já na margem da Laguna aguardamos alguns retardatários e partimos, acompanhados de dois caiaques duplos oceânicos e dois da classe turismo, às 6h35 rumo à Ponta do Abreu lá chegando por volta das 8h15 depois de remar dez quilômetros. As ondas, de través, chegavam a oitenta centímetros e o Romeu estava tendo sérias dificuldades em navegar no meu caiaque modelo Anaico da KTM retardando consideravelmente a progressão.

Fizemos um alto horário nas proximidades da Ponta do Abreu onde o Romeu resolveu trocar o Anaico por um modelo turismo da equipe do Almirante Barroso. Despedimo-nos dos companheiros canoístas e rumamos direto para a Costa da Salvação enfrentando ondas mais brandas, de meio metro de altura. O Romeu ainda progredia lentamente e me confessou, durante o percurso, que estava preocupado com o ombro contundido, recentemente, e, por isso, diminui a velocidade de 4 (7,2 km/h) para 3,5 nós (6,3 km/h). Aportamos, a 800 metros ao Sul da Ponta do Casamento, depois de navegar nove quilômetros. Tentei comunicar-me com o Cel Pastl, mas, infelizmente minha operadora (CLARO) mais uma vez me deixou na mão. Descansamos um pouco, nos reidratamos e prosseguimos, ainda lentamente, nosso curso. Fizemos uma parada de mais de uma hora na Costa da Salvação tentando em vão contatar via telefone ou vislumbrar no horizonte algum sinal do Ana Claci. Partimos com a intenção de não só tentar achar nossos amigos, mas também de procurar um abrigo para o pernoite no caso de um desencontro já que todo o material necessário, sacos de dormir, roupas secas e mantimentos estavam embarcados no veleiro.

- Pernoite na Costa da Salvação

(30°34'18,1"S/50°40'51,2"O)

Aportamos por volta das 17h15 depois de remar 42 km próximo a um canal de irrigação onde havia um bolante (casa móvel construída sobre troncos) e depois de verificar que estava aberto e em condições de nos abrigar fui tentar, em vão, encontrar alguém que nos autorizasse a utilizá-lo. Não encontrei ninguém e resolvi acantonar assim mesmo. Arrastei umas telhas de amianto para um canto, improvisei uma vassoura de capim e varri o aposento. Usei meu neoprene como colchão e deixei à mão um saco aluminizado para o frio que havia levado para alguma emergência, a madrugada fria me forçou a usá-lo.

- Partida para Mostardas (11 de Abril)

O Rio

(Manuel Bandeira)

Se há estrelas no céu, refleti-las

E se os céus se pejam de nuvens,

Como o rio as nuvens são água,

Refleti-las também sem mágoa

Nas profundidades tranquilas.

Acordamos às 5h30, arrumamos, ainda no escuro, nossas tralhas e partimos às 6h10. A ausência dos ventos proporcionou um momento mágico, no horizonte as nuvens fundiam-se nas águas tranquilas da Laguna amalgamando o céu e a Terra. Eu tinha a nítida sensação de mergulhar o remo nas nuvens e deslizar silente rumo ao infinito. Os prognósticos pareciam ser alvissareiros, partimos com a determinação de encontrar a equipe de apoio e cumprir a jornada mais longa de todo o trajeto. Depois de remar, aproximadamente, vinte quilômetros encontramos o Ana Claci, cumprimentamos eufóricos seus tripulantes e embarcamos para uma pequena refeição. Novamente n’água rumamos para a Ponta de São Simão. Por volta das catorze horas o Cel Pastl nos convidou para o almoço, o Romeu subiu a bordo e eu declinei do convite, pois não faço nenhuma refeição pesada durante o deslocamento. Remei devagar e aguardei o Romeu na Ponta de São Simão. Arrastamos os caiaques sobre o enorme banco de areia que se estende por uns 25 quilômetros de extensão e cuja profundidade varia de 30 a 60 centímetros. O veleiro sumiu no horizonte contornando o enorme banco de areia já que a sua quilha de 1,5 metros não é retrátil. Apontei a proa diretamente para o ponto assinalado pelo GPS como sendo o Porto do Barquinho mantendo a velocidade de 4 nós.

- Susto no Barquinho

Chegamos ao Porto do Barquinho às 18h10, uma jornada de doze horas e de 10h30 de remada num percurso de 73 km. Na chegada piquei a voga para não perder a oportunidade de fotografar o por do sol que se avizinhava. Atracamos nos molhes do porto e ficamos admirando os magníficos matizes que graciosamente se alternavam nas diáfanas nuvens. Aguardamos o veleiro até o anoitecer e como nossos amigos não apareceram resolvemos aportar em uma margem para esticar as pernas. Por volta das 22h30 o Ana Claci, finalmente, entrou no Porto e eu sinalizei nossa posição com flashes de minha máquina fotográfica. Os motores do veleiro roncaram ruidosamente até que abruptamente pararam. Resolvemos embarcar nos caiaques e nos aproximarmos para ver o que acontecera. A embarcação encalhara e o Professor Hélio e eu saltamos n’água para tentar arrastá-la para águas mais profundas. Depois de algum tempo de um hercúleo esforço conseguimos liberá-la e o veleiro se afastou buscando águas mais profundas. O Hélio e eu resolvemos nadar até o barco, mas no caminho as forças nos abandonaram e solicitamos apoio de nossos camaradas. O Cel Pastl jogou um salva-vidas para o Hélio e eu aguardei calmamente, boiando, que o Romeu se aproximasse com o caiaque. Felizmente, foi apenas um susto fruto de corpos exauridos por esforços prolongados e submetidos ainda a prova de desencalhar um veleiro do lodo do Porto do Barquinho. O assoreamento do porto e a ausência de qualquer tipo de estrutura de apoio são uma mostra do descaso das autoridades responsáveis.

- Porto do Barquinho

(31°2'53,11"S/51°0'25,10"O)

O Porto próximo à sede do Município de Mostardas abriga navegadores que fogem dos perigosos rebojos da Laguna ou que simplesmente vem apreciar as belezas do local.

“O Porto do Barquinho é uma impressionante obra na costa leste da Laguna dos Patos. (...) Foi construído em lugar ermo e isolado, a uns 12 km de Mostardas, mas sem qualquer via de acesso. A intenção era, ou seria, dar escoamento as safras de arroz e da cebola da região. Foram construídos molhes com grandes pedras, trazidas de muito longe, já que não existem na região. O molhe Leste tem 837m de extensão e o do lado Oeste tem 762m perfazendo, pois um total de mais de um quilômetro e meio. A distância entre os molhes é de 350m. Um razoável tamanho em termos de Lagoa dos Patos e em função da finalidade a que se destinaria.

O projeto inicial foi feito em 1924, prevendo apenas um abrigo e atracadouro na foz do arroio do Barquinho.

Em 1949 o projeto foi refeito e foi iniciada a construção do primeiro molhe. As pedras foram então trazidas da serraria, no rio Guaíba, por duas chatas: a ‘Doca I’ e a ‘Doca II’, rebocadas pelo rebocador ‘Julio de Castilhos’. Foram feitas 57 viagens no total, sem que se conseguisse levar pedras suficientes para o primeiro molhe. Muitas destas viagens eram verdadeiras aventuras, quando o vento soprava forte. As chatas, carregadas ao máximo, eram varridas pelas ondas, e faziam muita água, ficando na iminência de afundar. Depois de três anos, em 1952, os trabalhos foram interrompidos.

Em 1977, o projeto foi reformulado, com verbas mais generosas. As pedras passaram então a ser transportadas via rodoviária da região de Vasconcelos, do outro lado da Laguna, até Tapes. Em Tapes, foi construído um belíssimo porto, também com molhes de pedra, onde hoje se encontra nosso querido Clube Náutico Tapense. Do porto de Tapes, as enormes pedras foram transportadas pela barca ‘Walda III’, adquirida para essa finalidade e que originalmente fazia a travessia entre o Rio de Janeiro e Niterói. (...) Desta vez foram feitas 165 viagens. No Barquinho havia uma potente draga para movimentação de areia, bem com escavadeiras, guindastes, caçambas e muito mais: um canteiro de obras completo. Foi uma tarefa difícil, grandiosa e onerosa. Sob ponto de vista técnico, não se poderia fazer críticas; houve execução competente do que então estava idealizado. Ficou quase concluída em 979. (...)”. (Fonte: Geraldo Knippling)

O Município de Mostardas sonha com a possibilidade do Porto do Barquinho ser reativado e modernizado com a concretização da Hidrovia do Mercosul. O Complexo Hidroviário prevê obras de dragagem, drenagem, derrocamento, modernização dos terminais de cargas. A Hidrovia de mais de 600 quilômetros de extensão liga as lagunas Mirim e dos Patos aos Rios Jacuí e Taquari, contribuindo para o aumento do transporte de cargas nos portos de Pelotas, Porto Alegre, Cachoeira do Sul e Estrela.

- Partida para o Farol Capão da Marca (12 de Abril)

Acordamos às 5h30 e partimos às 6h10 para o Farol Carol Capão da Marca. Apontei a proa para o Farol Cristóvão Pereira a 15 km de distância e navegamos nas águas calmas durante aproximadamente duas horas. Aportamos nas proximidades do magnífico Farol de 30 metros de altura para descansar.

- Farol Cristóvão Pereira

(31°03’42”S/51°10’12”O)

Construído, em alvenaria, a cerca de vinte e cinco quilômetros a Oeste de Mostardas, ao Norte da Lagoa do Sumidouro, no formato de uma torre de planta quadrada caiada de branco. O Farol tem um lampejo de coloração branca com uma frequência de dez segundos, plano focal de 30 metros e alcance de treze milhas náuticas. A construção teve início em 1858, e foi assim registrada:

“(…) escavou-se o terreno a uma profundidade a encontrar bastante água, estacou-se com 84 moirões de (madeira de) ley toda a superfície, sobre os quaes engradou-se com vigas de ley na distância de tres palmos de uma a outra, e depois de incavilhadas encheu-se os entrevallos de pedra secca bem calcada: sobre este engradamento levantou-se a sapata de pedra e cal até dez palmos, e sobre esta levantarão se as paredes da torre e as das meios águas seguindo sempre com a planta em vista. Acha-se presente esta obra com os arcos fechados do segundo pavimento e a receber o respectivo madeiramento, e a 45 palmos de altura acima do terreno (…)”.

O Farol, concluído em 1886, começou a funcionar um ano depois, permanecendo ativo até hoje. Em 1992, a Marinha do Brasil, demoliu as antigas instalações destinadas ao faroleiro, e selou as portas e janelas da construção com tijolos. O dique que circunda o Farol e lhe serve de proteção, reformado em 2004, se encontra em péssimo estado de conservação permitindo que as águas revoltas atinjam diretamente a base do Farol comprometendo sua estrutura.

- Um tal Cristóvão Pereira de Abreu

(Fonte: Barbosa Lessa – Rodeio dos Ventos)

“O rico fidalgo português Cristovão Pereira de Abreu, descendente do condestável Nuno Álvares Pereira, nasceu em Ponte de Lima (vila portuguesa do Distrito de Viana do Castelo), em 1680. Aos 24 anos de idade veio para o Rio de Janeiro, onde casou com D. Clara de Amorim; mas não teve filhos. Aos 42 anos arrematou, em leilão promovido pelo Rei, o monopólio de couros do Sul do Brasil, mediante o compromisso de pagar à Fazenda Real 70.000 cruzados por ano. Por seu dinamismo de empresário a Colônia do Sacramento se tornou o maior empório mundial de comércio e contrabando de couros no primeiro quartel do século XVIII, chegando a exportar 500.000 peças por ano. Entenda-se: quinhentos mil bois, caçados pelos índios ‘minuano’ ou comprados às estâncias jesuíticas, para aproveitamento do couro, ficando a carne a apodrecer no chão das vacarias.

Cristovão Pereira era um apaixonado do Rio Grande – nesta época sem nenhuma povoação fixa -, e foi um dos primeiros a estabelecer estância, na verde pastagem entre o canal de Rio Grande e a planície de Quintão. Em carta para o matemático Padre Diogo Soares, que se aprestava para viajar para o Sul a fim de proceder ao primeiro mapeamento do litoral, escreveu:

‘Compõe-se esta região de um clima muito ameno, saudável e criador de riquíssimas e férteis terras em que se produzem, com vantagem mui crescida, todos os frutos da Europa: trigo, vinho, linho, toda a casta de frutas, podendo causar inveja aos de qualquer parte do mundo. Sei que Vossa Reverendíssima em breve aqui estará. Por enquanto, para não parecer encarecido e para não cair na censura de ignorante, não direi que o Rio Grande é uma das mais vistosas coisas que a Natureza criou; mas expondo apenas sua grandeza, deixarei o louvor à ponderação de Vossa Reverendíssima’.

Por essa época a ligação entre o Sul e o Centro era feita exclusivamente por navios, que saiam da Colônia do Sacramento (diante de Buenos Aires), tocavam em Laguna e seguiam até São Vicente e Santos. Por terra, ninguém imaginava cruzar, pois entre a planície e o planalto surgiam escarpas praticamente intransponíveis.

Mas o Cristóvão Pereira sonhou integrar o Continente do Rio Grande ao restante do Brasil. Com admirável senso mercadológico, percebeu que as áridas montanhas de Minas Gerais produziam ouro, mas não dispunham de pastagens para criar cavalos e mulas, com isto encarecendo o transporte feito ao lombo dos escravos negros. No despovoado triângulo entre Laguna, Colônia e Missões, havia fartura desses animais. Os lagunenses, colonistas, missioneiros e, principalmente, os índios charrua e minuano, poderiam fornecer o produto por baixíssimo preço. Mas perdurava um sério problema: a inexistência de um caminho por terra.

Então associou-se ao lagunense Francisco de Souza Faria, que, com filhos e agregados, levou dois anos até abrir um pobre roteiro serra acima entre o Morro dos Conventos, à beira do Atlântico, e os Campos de Curitiba, no planalto. Por aí subiu Cristóvão Pereira com uma primeira leva de 800 cavalos e mulas, viabilizando a ligação entre o Sul e a longínqua vila de Sorocaba.

Assegurando-se do apoio do Capitão-General da Capitania de São Paulo, Conde de Sarzedas – que via um bom negócio na cobrança dos quintos ou 20% devidos à Coroa – e obtendo capital com prestamistas da vila de Santos – que viam um bom negócio na cobrança de juros – Cristóvão Pereira tornou a voltar ao sul.

Sua segunda viagem – agora com 130 tropeiros levando 3000 animais – durou um ano e dois meses até Sorocaba, e nesse percurso foi alargando e melhorando o caminho, inclusive com a construção de quase 300 pontilhões. Valeu à pena: somente os quintos para a Fazenda Real significaram o montante de 10.000 cruzados!

O negócio prometia ser ainda mais rentável que o comércio e exportação de couros, e o Conde de Sarzedas pediu aos agiotas que não molestassem Cristóvão Pereira até que ele voltasse, com ainda maior número de mulas.

E assim se iniciou o fabuloso ciclo dos tropeiros, interligando o Rio Grande a Sorocaba – centro de comercialização – para fornecimento de cavalgaduras às Minas Gerais e ao porto do Rio de Janeiro.

Encurtando caminho, sem ir até o Morro dos Conventos, Cristóvão Pereira abriu um novo roteiro, diretamente entre os campos de Viamão e os Campos de Lajes, e por aí foram surgindo os primeiros esboços de povoações: Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e capela de Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria.

Tal movimentação despertou, obviamente, a reação de Espanha: a leste da Colônia do Sacramento é fundada, atrevidamente, a cidadela de Montevidéu.

Em 1735 Cristóvão Pereira encontrava-se nas Minas Gerais, firmando novos contratos para o fornecimento de mula, quando é convocado para uma reunião urgente no Rio de Janeiro. Ali o recebem o Capitão-General daquela capitania, Brigadeiro José da Silva Pais, o Capitão-General de São Paulo, Conde de Sarzedas, e o respeitável General Gomes Freire de Andrade, chegado de Lisboa como representante pessoal do Rei D. João V.

O próprio General Gomes Freire foi quem lhe expôs o problema: os espanhóis de Buenos Aires e da nascente povoação de Montevidéu, com apoio dos espanhóis das Missões Jesuíticas, estavam decididos a invadir o Continente até a ilha de Santa Catarina. Se não houvesse uma pronta operação de defesa, aquele território seria irremediavelmente perdido. Então D. João V, reconhecendo não haver entre as tropas regulares um oficial com experiência bastante para exercer comando naquela despovoada região, pedia que Cristóvão Pereira assumisse a chefia das operações de terra, em conexão com o Brigadeiro José da Silva Pais, que desceria com navios até algum ponto de encontro no Sul.

Aceitando a temerária incumbência, Cristóvão Pereira recebeu um bando, assinado pelo Conde de Sarzedas e assim lido à sua passagem rumo ao Sul:

‘Toda a pessoa que quiser ir em defesa da campanha do Rio Grande fará seus os saques do que em guerra tão justa tomar ao inimigo, tanto de cavalgaduras e boiadas como de ouro e prata. Além disso, será premiada com todas as honras que merecer o avultado da ação que cada um obrar. E, outrossim, toda a pessoa que quiser com sua família ou por si povoar aquela mesma campanha, desta parte lhe serão dadas as sesmarias que pedir’.

Apesar de tão atraentes promessas, apenas 160 heróis se apresentaram, voluntariamente, ao Coronel Cristóvão Pereira de Abreu. E com esse punhado de homens ele susteve, à entrada do canal de Rio Grande, eventual ataque inimigo, enquanto o prometido apoio por mar não lhe chegava. Passaram-se um mês, dois meses, três meses, quatro, cinco, até que apontaram no horizonte as esperadas naus.

O valoroso Coronel preparou o local que lhe parecia mais adequado ao estabelecimento de uma povoação fortificada. E a 19 de fevereiro de 1737 o Brigadeiro Silva Pais descia a terra, com um contingente de 254 arcabuzeiros e dragões, dando nascimento ao quartel e vila de Rio Grande – núcleo inicial da Capitania Real de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Cristóvão Pereira faleceu a 22 de novembro de 1755, naquela própria vila de que fora o fundador”.

- Rumo ao Farol Capão da Marca

Contornamos o Cristovão Pereira e seguimos para o Sul rumo ao Farol Capão da Marca. Antes da segunda parada encontramos diversos Capororocas (Coscoroba coscoroba) e um solitário Cisne-de-pescoço-preto (Cygnus melancoryphus).

Capororoca (Coscoroba coscoroba): possui plumagem branca com a ponta das asas negras, o bico e os pés são vermelhos. O capororoca parece mais um ganso, mas os biólogos o classificam como cisne tendo em vista seu tamanho.

Cisne-de-pescoço-preto (Cygnus melancoryphus): asas inteiramente brancas, cabeça e pescoço negros, base do bico e pés vermelhos. Considerado por alguns biólogos como o único cisne sul-americano. É uma espécie ameaçada de extinção.

Na segunda parada encontramos um bando de cágados (Phrynops hilarii) que se aqueciam indolentemente ao sol e um solitário pescador acampado no deserto de pinheiros que infestam as margens da Laguna afugentando a fauna, sufocando a flora nativa e padronizando monotonamente sua paisagem. Na terceira parada tentamos aportar junto a uma curiosa placa de trânsito interrompido, em plena praia, que apontava para os pilotos de Rallye a rota a ser seguida. Saímos às pressas perseguidos por marimbondos que estavam construindo sua casa na dita placa. Paramos a uns cinquenta metros adiante e travamos contato com o simpático senhor Né morador de Tavares. Depois do descanso remamos diretamente para o Farol e no caminho cruzamos por um bando de mais de trinta Capororocas. Fizemos um reconhecimento do Farol, conversamos com pescadores de Cidreira que ali tinham se instalado temporariamente. Tomei um bom banho e aguardamos a equipe de apoio por três horas antes de embarcar para o pernoite.

- Farol Capão da Marca

(31°18′55,7″S/51°9′50,2″O)

Foi o primeiro Farol construído na Província do Rio Grande do Sul, importado da França e inaugurado em 1849. Situado a aproximadamente onze quilômetros a SO de Tavares, tem o formato de torre octogonal em armação de ferro com lanterna e um cilindro central. O Farol está equipado com sistema de balizamento estroboscópico automático alimentado por energia solar.

- Partida para Bojuru (13 de Abril)

Antes de partir fui até a praia, acompanhado pelo professor Hélio, fotografar o Farol. Depois partimos, o Romeu e eu, rumo a Bojuru. Aportamos, para descansar em um banco de areia e avistamos, ao longe, o veleiro parado. O Romeu resolveu remar rapidamente na sua direção achando que a intenção do dos tripulantes era orientar nossa progressão e servir de apoio no meio da Laguna para descanso. Ledo engano, a nave penetrou na densa e distante bruma que se formava e sumiu no horizonte. Eu tinha alinhado a proa diretamente para a Ponta do Bojuru para diminuir a distância da remada, mas o Romeu preferiu aportar a meio caminho para esticar as pernas. Alterei a rota e aportamos em uma praia igualmente tomada pelos nefastos pinheiros. Voltamos para a água e como o Romeu não estivesse em condições de remar diretamente para a Ponta do Bojuru, alinhei a proa com um enorme barranco ao longe. A imagem era conhecida, o comandante Geraldo Knippling havia imortalizado o enorme cômoro (duna) e suas centenárias figueiras no seu livro: “O Guaíba e a Lagoa dos Patos”. Aportamos aos pés do magnífico monumento natural. Deste ponto, uma área de preservação permanente, a natureza era soberana, a bela e diversificada mata nativa me encantava. Resolvi escalá-lo para registrar as belas imagens das cercanias. Do alto de uma centenária figueira consegui contatar precariamente o Cel Pastl e informá-lo de nossa posição. As três belas figueiras de Knippling estavam sendo ameaçadas por praticantes de Rallye. As duas trilhas tangenciavam suas colossais raízes arrancando a vegetação rasteira e acelerando a erosão, expondo, dramaticamente as raízes dos formidáveis e seculares colossos naturais. Curiosamente os praticantes deste esporte se intitulam “amantes da natureza”.

Depois do descanso partimos para mais um “tiro” de doze quilômetros até as ruínas do Farol de Bojuru onde nos aguardava a equipe de apoio.

Farol de Bojuru

(Fonte: Carlos Altmayer Gonçalves - Manotaço)

“O antigo Farol de Bojuru foi construído junto com os faróis de Itapuã, Cristóvão Pereira e Ponta Alegre (este na Lagoa Mirim). Estas obras iniciaram no ano de 1858. O projeto era o mesmo, com exceção ao de Itapuã, com a diferença que Cristóvão tem 30 m de altura e os outros 2 apenas 20 metros. Bujuru já caiu. Quando eu o conheci há cerca de 33 anos, tinha ainda a casa do faroleiro, o pátio e as figueiras; coisas que hoje não existem mais, foram comidas pelas águas. Quem passa pela ponta de Bujuru avista uma ilhota, afastada cerca de 100 m da ponta de areia. Aquilo é a ruína do farol. Note-se que ele foi construído a cerca de 100 m da ponta de areia, para dentro de terra é claro. Logo a ponta recuou perto de 200 m ao longo destes 150 anos”.

Bojuru

Aportei na ilha onde antes existira o belo Farol para tirar algumas fotografias das ruínas, as pequenas figueiras resistiam estoicamente agarrando-se nos escombros. Depois das fotos partimos diretamente para encontrar os amigos embarcados no Ana Claci. Combinamos que nas proximidades da Barra Falsa do Bojuru eu iria de precursor do veleiro fazendo a sondagem. No deslocamento eu admirava, extasiado, a bela vegetação do Capão de Mato da Barra Falsa do Bojuru.

Barra Falsa do Bojuru: segundo o Coronel PM Sérgio Pastl, o nome de ‘Barra Falsa’ foi dado em virtude de alguns incautos navegadores confundirem-na com a Barra de Rio Grande.

Depois de um percurso exaustivo em que eu usava o remo para sondar e remar ao mesmo tempo, ancoramos no porto do engenho de arroz do Sr. Paulo Santana que recebeu-nos gentilmente e determinou ao seu capataz que nos desse toda a atenção necessária. Como se tivéssemos combinado o horário chegou o último membro da expedição o Tenente Coronel PM Luis Kruger, uma lenda viva do corpo de bombeiros do Rio Grande do Sul, um recordista de salvamentos.

O Coronel Kruger mal chegou e já foi fazendo uma fogueira para assar uns frangos que comprara em Bojuru a mando do Coronel Pastl. Depois do jantar fomos nos instalar em uma casa do engenho que tinha como ponto alto um chuveiro de água quente. No dia seguinte (14 de abril) permanecemos em Bojuru tendo em vista as condições meteorológicas adversas. O Coronel Kruger aproveitou para pescar lambaris para o almoço e depois, atendendo a um convite do Romeu, correram oito quilômetros. Eu e o Hélio fomos de caiaque, até o Capão de Mato que nos encantara no trajeto. Desembarcamos na ponta Sul do Capão e saímos a pé para apreciar e fotografar a vegetação nativa. Os troncos das enormes figueiras eram verdadeiros jardins suspensos, tomados por bromélias, orquídeas, fungos e liquens. O passeio, pela diversificada vegetação emoldurada pelas dunas majestosas, era uma verdadeira ode ao espírito e aos sentidos humanos, descobrimos um espécime de orquídea em plena floração extemporânea, encantamo-nos com as longas barbas de bode ondulando ao vento produzindo um maravilhoso efeito de animação aos gigantescos e estáticos troncos dos formidáveis monumentos arbóreos ao mesmo tempo em que impunham um ar sinistro a um solitário ninho de João de Barro, experimentamos a textura dos exóticos fungos e liquens e fomos arrebatados pelo inebriante aroma das flores do funcho silvestre. Ao retornar ao porto, um espetáculo a parte, um belo cisne-de-pescoço-preto nadava despreocupadamente a pouco mais de 50 metros de nossos caiaques. No dia seguinte (15 de abril) às nove horas fomos avisados que o tempo havia melhorado e resolvemos partir imediatamente.

- Partida para a Ponta dos Lençóis (15 de Abril)

Novamente parti como precursor do veleiro fazendo a exaustiva sondagem. Liberado da sondagem partimos diretamente para a margem à Oeste de nosso deslocamento. A pedido do Romeu fizemos a primeira parada. Meu companheiro, que em vez de tentar recompor as energias, no dia anterior, preferira correr oito quilômetros apresentava nitidamente sinais de cansaço. Partimos e o Romeu continuava remando lentamente embora as ondas de través não ultrapassassem os trinta centímetros. Fizemos mais uma parada para que o Romeu me alcançasse. Fui até o veleiro e comentei com o Cel Pastl a respeito de minha dúvida em relação à distância em que se encontrava a tal Ponta dos Lençóis. Fiz mais uma parada rumando diretamente para um enorme bando de flamingos que mariscavam desatentos. Eu cheguei a uns 40 metros deles e os belos animais me olharam sem esboçar qualquer tipo de reação. Aportei e me dirigi lentamente até o bando que, finalmente, levantou vôo exibindo sua magnífica plumagem. Infelizmente eu havia deixado a máquina fotográfica no barco de apoio.

Flamingos (Phoenicopterus chilensis): animais de hábitos migratórios podem voar até 500 km por dia em busca de alimento e locais para nidificação. Botam apenas um ovo que eclode após 29 dias. Sua dieta compõe-se principalmente de vegetação e invertebrados aquáticos. Esses invertebrados ricos em caroteno conferem-lhes a coloração rosada. Na ausência dessa substância as penas tornam-se esbranquiçadas.

Hidratados embarcamos nos caiaques e nos deslocamos rumo ao Canal dos Gordos (31°45’56,2”S/51°39’27,3”O) um estreito Canal de 90 cm de profundidade localizado a SW da Lagoa Doce. Lá chegando fui até o veleiro perguntar ao Cel Pastl aonde atracaríamos. Nosso caro amigo informou que havia se enganado e que nosso destino (Ponta dos Lençóis) ficava a 11 milhas náuticas adiante. Informei que devido ao adiantado da hora não conseguiríamos chegar até a Ponta, mas que iríamos tentar nos aproximar o mais perto possível e que antes disso precisávamos fazer uma pequena pausa para descanso. Depois da parada partimos e eu observava preocupado que o veleiro continuava parado, mais tarde soube que eles não haviam notado nossa saída. Entramos em uma área de pesca de camarão, os milhares de calões que suportam as redes imitavam o mastro de nosso veleiro dificultando sua identificação. A progressão era facilitada pelo vento de popa e eu surfava rapidamente enquanto o Romeu lutava para dominar seu caiaque. Comecei a me preocupar, não enxergava o veleiro, de repente avistei uma luz no horizonte, achei que se tratava do mastro do Ana Claci, apontei a proa naquela direção e, logo em seguida, as luzes começaram a pipocar em todos os calões. Desisti de identificar nosso barco de apoio. O sol estava próximo do horizonte e voltei minha atenção para a margem em busca de abrigo. Identifiquei uma pequena colônia de pescadores e mais além apenas dunas de areia, decidi buscar guarida junto a eles.

- Comunidade de Pescadores do Estreito

(31°47’20,7”S/51°45’19”O)

Contatei, em terra, a senhora Sabrina e perguntei se ela teria um lugar que pudéssemos passar a noite. Ela apontou para um barraco próximo e disse que o marido estava pescando e que a chave ficava com ele. Arrastei o meu caiaque para perto do barraco. De repente apareceu o Sr. José Luis Jardim da Silva (Zé do Dedé) que ajudou o Romeu a carregar o seu caiaque e disse que pernoitaríamos no seu barraco. Ofereceu-nos café e roupa seca já que todo nosso material estava no veleiro. Sua nora Tatielly Silva de Farias arrumou uma cama e cobertas para dormirmos em um barraco ao lado do deles. Mais tarde jantamos com os amigos pescadores, durante o jantar o Zé apontou para umas luzes a SO dizendo que deveriam ser nossos amigos atracados. As luzes se afastaram (soubemos mais tarde que o Ana Claci perdera a âncora) e retornaram mais tarde. Não estávamos em condições de arriscar uma navegação noturna até um alvo não confirmado. Depois do saboroso prato de camarão servido no jantar fomos para nosso barraco dormir.

No dia seguinte (16 de abril) tomávamos café quando o Zé avistou o veleiro passando em frente à Comunidade, o Romeu embarcou no Barco do Josué Amaral da Silva (filho do Zé) e eu montei na garupa da moto do José Luis e fomos à frente para sinalizar que estávamos por ali. O veleiro ancorou e o Cel Pastl subiu no barco do Josué e veio me encontrar em terra. O Cel Pastl confirmou que eram eles que tinham ancorado a SO da Comunidade e que tinham avariado o casco da embarcação que fizera água e os forçara a passar a noite retirando água do veleiro. Precisavam retornar a Tapes para consertar o barco e nós teríamos de prosseguir sozinhos para Rio Grande. Fomos a bordo pegar algumas roupas quentes, sacos de dormir e uma pequena barraca. Decidimos partir, no dia seguinte diretamente para Rio Grande. De tardezinha acompanhamos nossos amigos pescadores na sua faina diária de preparar as redes e colocar as luzes nos calões para atrair os camarões.

- Partida para a Ponta Rasa (17 de Abril)

Acordamos cedo arrumamos o Barraco e resolvemos não incomodar nossos anfitriões que ainda dormiam e partimos por volta da seis horas. Os ventos do quadrante Oeste formavam ondas de sessenta centímetros que atingiam perigosamente o barco à Boreste forçando-me a bordejar. O esforço de remar contra as ondas era compensado com a possibilidade de surfá-las no retorno. Eu inclinava o corpo contra as ondas e, eventualmente, apoiava o remo a bombordo para evitar o tombamento.

- Naufrágio na Ponta dos Lençóis

O Romeu foi derrubado por duas vezes e ajudei-o a esvaziar o caiaque cheio d’água. Resolvi navegar em uma área protegida por um banco de areia e o Romeu continuou arriscando a navegação em área aberta. Novamente meu companheiro colhido pelas águas teve seu caiaque virado e parei para ajudá-lo. Meu parceiro estava visivelmente abatido, fui a pé mais à frente reconhecer nosso trajeto e procurar uma alternativa mais segura. Há uns quatrocentos metros à frente poderíamos nos deslocar protegidos pelo banco de areia até a Ponta dos Lençóis. Arrastei meu caiaque pelas águas rasas até onde poderíamos iniciar a navegação e fui ajudar o Romeu com o seu caiaque. Isto feito reiniciamos nossa jornada até a Ponta dos Lençóis. Passamos por um grupo de pescadores e enormes bandos de biguás.

- Ponta dos Lençóis

(31°48'9.6"S/51°50'29.2"O)

Paramos perto da Ponta e mostrei ao Romeu nosso destino a Ponta Rasa a uns dezessete quilômetros a Oeste. A pouca profundidade garantia uma travessia segura, mas meu camarada não estava em condições psicológicas de enfrentar uma travessia de no mínimo 2h30. Concordamos em margear o que aumentaria o percurso em mais de dez quilômetros. Logo que cruzamos a Ponta o vento começou a soprar do Nordeste. Depois de remar 40 minutos parei e comuniquei ao Romeu que estávamos progredindo muito lentamente (3 km/h) e que precisávamos atalhar, aproveitando o vento, para a margem oposta. Feito isso eu conseguia progredir com muito pouco esforço surfando e usando o corpo como uma vela para impulsionar o caiaque enquanto meu companheiro, assustado, procurou abrigo seguro das margens retardando a progressão. Parei em um acampamento de pescadores aguardando o Romeu e depois de agradecer ao churrasco e ao café que gentilmente nos ofereceram, continuamos a navegação. O anunciado ciclone se desviara para o oceano aumentando, porém, a intensidade dos ventos para rajadas de até 40 km/h facilitando a progressão. Conseguia atingir minha velocidade cruzeiro (4nós = 7,2km/h) sem remar, surfando simplesmente usando o leme para manter o caiaque no alinhamento das ondas e o remo, na horizontal, como velas. Volta e meia eu olhava para traz para ver se o Romeu estava me acompanhando e verifiquei que ele atracou em um Capão de Mato à retaguarda, resolvi parar também, mais adiante próximo a um acampamento de pescadores.

- Acampamento do Irailson

(31°51’47.54”S/ 51°50’40.98”O)

O Romeu apareceu algum tempo depois, sem o caiaque, dizendo que não estava em condições de me acompanhar e sugeriu que eu continuasse sozinho. Recomendei que ele buscasse o caiaque e que aguardássemos o tempo melhorar para depois tomarmos uma decisão. Ele chegou arrastando o seu caiaque e depois de tomar um café quente, oferecido pelo amigo Gilmar Santana Costa, decidimos, de comum acordo, partir de madrugada para Rio Grande. No acampamento conhecemos o inquieto, alegre e inteligente Thainan Vaz Costa e seu pai Delvair Silveira Costa (Neneco). Como o meu telefone (da operadora CLARO), mais uma vez, não tinha sinal, o Thainan se prontificou a avisar os familiares e amigos que estávamos bem apesar do ciclone extratropical e de três naufrágios. Declinei da oferta e qualifiquei-o como “terrorista”, tendo em vista que seu aviso provocaria mais preocupação do que tranquilidade. Depois da tempestade as águas se aquietaram, a chuva se foi e o sol apareceu radiante. O Gilmar nos brindou com um saboroso almoço. O Romeu aproveitou para deitar e descansar um pouco e eu fui com o Neneco, na sua moto, até um orelhão, na Br101, que, infelizmente, estava inoperante por falta de energia provocada pelo temporal, ao voltar ele encontrou um amigo que solicitamente permitiu que eu usasse seu celular (VIVO) para notificar à equipe de apoio terrestre nosso paradeiro e programação futura. Regressamos ao acampamento e encontramos o Irailson que voltara para auxiliar o Gilmar a colocar as luzes nos calões e lançar uma rede de uns 400 metros para as tainhas. Resolvemos acompanhá-los e fomos brindados com um pôr-do-sol e uma lua cheia magníficos.

- Hospitalidade Gaúcha

Amizade de Gaudério

(Maurício Tomazini)

(...) Vem, te aprochega gaudério

Não tenhas medo de conversar

Não estás sozinho nesta jornada

Diga peão, que aqui te espero

Como um soltar de invernada

Sem muito jeito, porém sincero.

(...) Num gesto da amizade existe

Um coração a pulsar calado

Cruzo campos sem cansar

Nesta vida sem ser matreiro

Sempre uma mão amiga a pairar

Num rancho pobre de algum campeiro.

Retornando ao acampamento, o Irailson fez questão que pernoitássemos em dois confortáveis barracos de sua propriedade, foi um excelente pernoite. A perspectiva de concluir a missão no dia seguinte, bem alimentados e uma cama seca e quente para dormir justificava essa afirmativa. Mais uma vez a hospitalidade gaúcha se fazia presente e em nós crescia a esperança e a fé na humanidade de nossa gente.

- Partida para Rio Grande (18 de Abril)

O Gilmar preparou um café antes de sairmos e juntamente com o Neneco foi assistir a nossa partida. Às cinco horas da manhã, deixamos para trás os queridos e hospitaleiros amigos que esperamos, se o Patrão Velho do Universo permitir, reencontrar futuramente. A calmaria das margens foi substituída por ondas de proa de quarenta centímetros quando nos afastamos da costa. Insisti, por diversas vezes, com o Romeu que aproasse com a lua, mas o companheiro socialista parece ter uma tendência direitista arraigada no cerne de sua alma que o levava a se afastar rumo a ondas maiores de boreste. Fizemos uma parada antes das sete da manhã e prosseguimos navegando um tanto afastados da costa em virtude da pouca profundidade ao longo de toda a Ponta Rasa. Fizemos mais uma parada antes de contornar a Ponta e avistar Rio Grande. Paramos numa pequena ilha situada na extremidade NO da Ponta Rasa (31°50’24,3”S/ 52°5’55,2”O) e decidi atravessar direto para a outra margem (Ilha da Torotama) levando em conta a leve brisa e os calões, ao longe, que acusavam a pouca profundidade do local. Apontei para uma caixa d’água que se avistava ao longe e informei o Romeu da rota (SO) a ser seguida. Meu companheiro, mais uma vez se afastava do alvo adotando uma rota para NO. No meio do canal gritei para ele alertando que se continuasse assim ele acabaria aportando em Pelotas e ele corrigiu, finalmente, a rota. Aportamos nas praias de um casario mais ao Sul da Ilha da Torotama, e, logicamente, mais próximo da Ilha dos Marinheiros por volta das 12h30.

- Foco na Missão

Pela segunda vez, em todo o trajeto, minha sofrível operadora de celular (CLARO) deu sinal de vida, eram os bombeiros, acionados pelo Cel Pastl, avisando que estavam em condições de nos acompanhar. Avisei que às quinze horas estaríamos aportando na Marina do Rio Grande Yacht Club. Tomei um pouco de água, a última cápsula de guaraná e me preparei para partir. Chamei o Romeu que insistia em fazer uma refeição e descansar um pouco. Disse que precisávamos partir já que os bombeiros nos aguardavam. Engoli um sanduíche que ele havia feito e segui meu destino. Não havia perigo no deslocamento já que todo o percurso era extremamente raso.

- Chegada em Rio Grande

Imprimi um ritmo forte (7,5 km/h) e a meio caminho entre a Ilha da Torotama e a Ilha dos Marinheiros avistei os amigos bombeiros que manobravam para escapar dos baixios ao Norte da Ilha dos Marinheiros. Informei que meu companheiro viria mais tarde e segui para a Marina do Rio Grande Yacht Club. Quando me aproximava de meu alvo avistei minha amiga e colaboradora Rosângela Schardosim me aguardando no cais. Aportei, descarreguei o caiaque e fui tomar um banho antes de partir para Bagé, onde um churrasco de cordeiro me aguardava na casa de sua mãe. Aguardei o Romeu chegar e parti para a bela cidade de Bagé, no trajeto os belos campos cobertos de mata nativa e magníficas rochas me reportavam os tempos de infância quando visitava com meus pais as fazendas de amigos. Em Bagé as antigas construções emprestam à cidade uma beleza ímpar que, infelizmente, as autoridades e alguns proprietários ignorantes teimam em destruir. Como seria bom que o poder público incentivasse os proprietários dessas relíquias arquitetônicas com isenções nos seus IPTU desde que as mantivessem intactas e bem conservadas.

- Conjunto Canoísta/Caiaque

Quero deixar registrado meu profundo agradecimento aos amigos pescadores que tão gentilmente nos acolheram nessa difícil jornada. Como ensinamento afirmo, mais uma vez, que o conjunto canoísta/caiaque é por demais importante. Um caiaque inadequado pode vir a comprometer a missão e os prazos planejados como foi o caso do caiaque do Professor Romeu. Mais uma vez tenho de louvar a performance do Caiaque Oceânico Individual Cabo Horn da Opium FiberGlass. O amigo Fábio Paiva está de parabéns, sob as mais adversas condições seu caiaque deu demonstração de ser único no gênero. Tenho constantemente colocado em cheque sua estabilidade, conforto e capacidade de carga e, em nenhuma delas, ele me desapontou.

- Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) - Casarão da Várzea

Canção do CMPA

(Barbosa e Souza/Arão Lobo)

Somos espadas de um povo altaneiro,

Somos escudos de grande nação,

Em nossos passos marcham guerreiros

Avança a glória num pendão.

Na nossa escola forja-se a grandeza,

Temos no peito amor juvenil,

Em nossas cores, toda a natureza,

Nós somos filhos do Brasil. (...)

Ano que vem faremos a travessia de Pelotas a Porto Alegre pela margem Ocidental da Laguna dos Patos, um tributo ao Centenário do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA). Uma homenagem ao meu pai Cassiano Reis e Silva, meus dois irmãos Luiz Carlos e Carlos Henrique e meus três filhos Vanessa, Danielle e João Paulo que tiveram a grata satisfação de transitar, como alunos, as centenárias e tradicionais arcadas do Velho Casarão da Várzea, modelar estabelecimento de ensino do nosso querido Brasil.

“Pelas centenárias arcadas do Velho Casarão da Várzea transitaram, como alunos, oficiais ou praças, sete Presidentes da República (Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Humberto de Alencar Castelo Branco, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo), o que o fez ser alcunhado como ‘Colégio dos Presidentes’, além de um Primeiro-ministro (Francisco de Paula Brochado da Rocha), um Vice-presidente (Adalberto Pereira dos Santos), vários heróis militares brasileiros (Marechal Câmara, General Setembrino de Carvalho, Brigadeiro Nero Moura, Marechal José Pessoa, Marechal Bittencourt, Cel. José Plácido de Castro, Marechal Mascarenhas de Morais, General Góis Monteiro, Marechal João N. M. Mallet, General Paula Cidade, Brigadeiro Gomes Jardim, Marechal Valentim Benício, Marechal Mário Travassos e outros), vários Ministros, Governadores e ocupantes de outros altos cargos políticos, um elevado número de Oficiais-generais e outros militares de destaque, eminências da vida civil em todos os campos do conhecimento, como o Poeta Mário Quintana, o Artista Plástico Vasco Prado, o Escritor e Advogado Darcy Pereira de Azambuja, o Reitor da UFRGS José Carlos Ferraz Hennemann e o Presidente da Intel Brasil Oscar Vaz Clarke, entre outros destacadas personalidades”. (Fonte: Coronel Inf Leonardo Roberto Carvalho de Araújo)

– Blog e Livro

Os artigos relativos à “3ª Fase do Projeto–Aventura Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Amazonas I” e da “Travessia da Laguna dos Patos I” estão reproduzidos, na íntegra, ricamente ilustrados, no Blog http://desafiandooriomar.blogspot.com desenvolvido, recentemente, pela minha querida amiga e parceira de Projeto Rosângela Schardosim. O Blog contempla também as duas fases anteriores de minhas descidas pelo Rio Solimões e Rio Negro de caiaque.

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br), Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre ou ainda através do e–mail: hiramrsilva@gmail.com.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar (IDMM); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br-Blog: http://desafiandooriomar.blogspot.com

E–mail: hiramrs@terra.com.br

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