Este ano a Páscoa é num domingo! A afirmação afigura-se como uma piada, uma vez que a Páscoa é sempre num domingo. No entanto, nem sempre foi assim. Na verdade, durante os quase 300 primeiros anos do Cristianismo, Pedro, Paulo, Tiago, João e os outros apóstolos, todos os pais da Igreja e os primeiros crentes em Jesus celebraram sempre a Ressurreição do Senhor de acordo com um calendário que a fixava no terceiro dia contado a partir do 14 de Abibe, o primeiro mês do calendário judaico. Este dia, 14 de Abibe ou Nisan (nome de herança babilônica), era, por sua vez, o enquadramento histórico da libertação de Israel do Egito. Na verdade, a ressurreição de Jesus – a redenção –, libertação espiritual de todo o homem, é o cumprimento perfeito, espiritual e profético em Jesus daquela libertação há cerca de 3.500 anos atrás. A Ressurreição é o evento que lança luz sobre aquele outro, que foi, no fim de contas, uma sombra das coisas que haviam de vir.
No entanto, no ano 325 a.D., o Imperador Constantino escreveu uma carta ao clero presente no I Concílio de Nicéia, no sentido de a Igreja (já então a emergente como a Igreja Católica Romana que hoje conhecemos) se demarcar da Páscoa no tempo apontado por Deus. É no reflexo dessa carta que a igreja ainda vive hoje. Mesmo a igreja evangélica. Sem qualquer intenção de rebater os (pobres e infelizes) argumentos expostos por Constantino, não deixarei, contudo, de chamar a atenção para alguns detalhes que a conspurcam.
Os argumentos que evocava, são argumentos que ainda hoje surgem na difamação de tudo o que é judaico: Anti-semitismo, e distorção do contexto das escrituras que são citadas, ou a ignorância acerca das mesmas.
Vejamos acerca do anti-semitismo: ontem como hoje, ele estava implantado no mais íntimo de uma igreja que foi chamada a amar e a pregar o evangelho a todas as nações (Marcos 13:10). Mas a Igreja tem-se sentido no direito de escolher as nações a quem prega. Ontem como hoje, essa "igreja espiritual" ama os amigos, mas odeia os inimigos (históricos), caindo na atitude hipócrita que Jesus denunciou em Mateus 5:46-47. Em parte alguma desta carta se vê o interesse do Imperador em dar a conhecer o Messias aos judeus. Pelo contrário, a carta destila ódio e desprezo contra eles, encimados pelo argumento do "assassínio de Jesus-Deus": o deicídio! Isso, como se a morte do Messias tivesse sido uma conspiração humana bem sucedida, para a qual o próprio Deus não teve capacidade de se opor. Como se Jesus tivesse exagerado ou mentido quando afirmou: “... dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para dá-la e poder para tornar a tomá-la..." João 10:17-18.
Sintomático também é o fato de, numa carta em que os judeus são tão enxovalhados, em lugar algum ser mencionado que o próprio Jesus, Ele mesmo, é um Judeu, como se isso fosse fruto de uma coincidência da terra, de que o Céu estivesse refém.
No que diz respeito às escrituras citadas, note-se a ignorância em relação às mesmas, ignorância que se traduz no argumento lançado sobre os judeus de que eles celebravam duas Páscoas. Realmente, a haver um visado, nunca poderiam ser eles, mas sim o próprio Deus. Isso porque, a segunda Páscoa, era nem mais nem menos a segunda oportunidade que Deus criou para os judeus que não tinham podido assistir no mês de Abibe à (única) Páscoa, pudessem trazer a Jerusalém as suas ofertas e, como membros do corpo de Israel, reforçassem os laços espirituais com o seu Deus. É óbvio, no entanto, que o sacrifício de Jesus foi perfeito e suficiente. Aqueles, pois, que crêem no Seu nome, não tem necessidade de acrescentar mais nada a este sacrifício. Deste modo, a segunda Páscoa esgota-se no Israel bíblico. Não se pense, porém, que a ignorância em relação às coisas de Israel e da Bíblia morreu com Constantino. É comum ouvirmos ainda hoje nos nossos púlpitos falar da Páscoa, Pentecostes ou Tabernáculos como as "festas dos judeus". As mesmas de que Deus falou como sendo Suas: chamou-lhes "as solenidades do Senhor" (Levítico 23:4) e de festas celebradas para Ele (Levítico 23:14).
Apesar de separadas por cerca de 1500 anos, a Páscoa de Jesus e a Páscoa no Egito, – a imagem perfeita e a sua sombra – foram sempre cumpridas na mesma data do calendário. Depois, por cerca de três séculos, os apóstolos, os pais da Igreja, assim como muitos milhões de crentes seguiram esse princípio, aliás, expresso na advertência divina: "A Festa dos Pães Asmos guardarás; sete dias comerás pães asmos, como te tenho ordenado, ao tempo apontado no mês de abibe" (Êxodo 23:15). Na Igreja do século XXI, tudo mudou. Será, então, a nossa Páscoa-móvel fruto de uma correção, ou de um desvio? Porque se é uma correção temos de agradecer a Constantino pela clarividência e revelação bíblicas, a ponto de, ele, um político, ter guiado e "incentivado" os teólogos do Concílio de Nicéia a agir. Mas,... e se for um desvio?...
Eduardo Fidalgo - em Beit Israel
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