terça-feira, 18 de dezembro de 2012
ANDOU PELO PAÍS, GUARDOU RECORDAÇÕES, DESCANSOU FELIZ
“O diferente é ser indiferente, como dar
parecer sem aparecer ”-Gudé.
Por José Eugênio Maciel
“Quando olhei a terra ardendo/Qual fogueira de São
João/Eu perguntei a Deus do céu,/
Por que tamanha judiação/Que braseiro que fornalha/Nem
um pé de plantação/
Por falta d'água perdi meu gado/Morreu de sede meu
alazão/
[…]
Asa branca – Luiz
Gonzaga – Humberto Teixeira
Apenas afirmar que Luiz Gonzaga
é um dos maiores nomes da música brasileira de todos os tempos é pouco. Na
verdade ele é uma das bases mais bem elaboradas e sólidas em termos de cultura,
grande compositor e intérprete genial.
Tocando com mestria singular a sanfona,
zabumba e o triângulo, o centenário de nascimento do Gonzagão, nascido na
pernambucana Exu em 13 de dezembro de 1912, tendo falecido na capital daquele
Estado, Recife, em dois de agosto de 1989, a contribuição inestimável que
proporcionou como compositor, cantor e instrumentista está caracterizado no
forró pé-de-serra e nas festas juninas. Sem deixar de ser o cultor da música do
Nordeste, se tornou referência na cultura brasileira.
“Fui eu quem lançou o chapéu de couro
no Rio de Janeiro. Naquela época, quando aparecia um filme de cangaceiro, muita
gente via a minha cara no filme”, afirmou em entrevista ao Jornal Pasquim, 1971.
Mais do que conhecer Gonzaga, o Brasil inteiramente se reconheceu nele através
das muitas canções que o povo canta junto sabendo de cor e salteado, dançando
no embalo melodioso e ritmado sempre com efervescência.
Sociologicamente as letras dizem sobre
o árido nordeste, onde sobreviver é predominante ante ao viver, a alegria está
condicionada a fé e a utopia, quando o amanhã sintetiza a esperança da chuva
que refresque e dê para plantar. Além do trecho transcrito abaixo do título de
hoje, outra música sempre muito gravada é Xote das meninas, feita por
ele e Zé Dantas. Começa descrevendo o cenário nordestino e fala da menina que
vira moça deixando a boneca de lado para desejar e sentir amores: Mandacaru/Quando
fulora na seca/É o sinal que a chuva chega/No sertão/Toda menina que enjoa/Da
boneca/É sinal que o amor/Já chegou no coração... (…). E conclui com belo
estribilho: Ela só quer/Só pensa em namorar/Ela só quer/Só pensa em
namorar.../De manhã cedo já tá pintada/Só vive suspirando/Sonhando acordada. E
aí se chega a conclusão: Que o mal é da idade/E que pra tal menina/Não tem
um só remédio/Em toda medicina..../
Obrigado a depender da misericórdia e vítima do
abandono governamental, em Vozes da seca, a canção é atual em todos os
sentidos: Seu doutô, os nordestino tem muita gratidão/Pelo auxílio dos sulista
nessa seca do sertão/Mas doutô, uma esmola a um homem qui é são/Ou lhe mata de
vergonha ou vicia o cidadão/ e noutro ponto da canção exclama com notável
sabedoria: Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage/Lhe pagamo
inté os juru sem gastar nossa corage/Se o doutô fizer assim salva o povo do
sertão/Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação/(...).
Outra canção interpretada em coro pelas multidões
e que já fez parte de um comercial de uma marca de veículos, a letra não está
apenas bem acomodada no coração do povo, é sempre cantada com muita emoção, eis
um trecho da A vida do viajante (dele com Hervé Cordovil): Minha vida
é andar por este país/Pra ver se um dia descanso feliz/Guardando as
recordações/Das terras onde passei/Andando pelos sertões/E dos amigos que lá
deixei/ […].
A agrura nordestina vivida por ele, de
retirante ou de quem resiste à seca, somando-se a cultura rica, diversificada,
nítida daquela região, Gonzaga universalizou brasileiramente o cantar crítico e
alegre com a nitidez sentimental legítima, una com a voz grave que lhe
notabilizava singularmente, tudo um grande legado que não se tornou passado e
prossegue vivo e vibrante.
Autobiográfico,
Gonzaga compôs em parceria com Humberto Teixeira Respeita Januário, é
uma bem humorada e verdadeira passagem da vida dele, e Januário é o pai e
naturalmente avô do Gonzaguinha. Interessante é o Gonzagão retratar o retorno dele ao sertão, já como
artista famoso e bem de vida, embora Januário seja o maior tocador de sanfona,
insuperável, admite orgulhoso o Gonzagão: Quando eu voltei lá no sertão/Eu
quis mangar de Januário/Com meu fole prateado/ .../E foi aí que me falou meio
zangado o véi Jacó/'Luiz, respeita Januário/Luiz, tu pode ser famoso/Mas teu
pai é mais tinhoso/E com ele ninguém vai, Luiz, Luiz/Respeita os oito baixos do
teu pai/'...Tudo mundo foi ver o diabo do nego/Eu também fui, mas não gostei/O
nego tá muito modificado/.../Qual o quê, o nego agora tá gordo que parece um majó/É
uma casimira lascada, um dinheiro danado/Enricou, tá rico!/Pelos cálculos que
eu fiz deve possuir mais de dez contos de reis e vinte baixo/É muito baixo/...
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