quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

VERA CRUZ, A HOLLYWOOD TROPICAL

Por Luiz Antonio Domingues – in Orra Meu!

Imediatamente no período do pós-guerra, e efervescência cultural na cidade de São Paulo foi muito grande.
Grupos teatrais, cineclubes e museus abriam e agitavam a pauliceia, numa profusão muito acentuada onde muitas dessas ações tinham a generosa participação financeira e do empenho de trabalho de pessoas como Francisco Matarazzo Filho (o popular "Ciccilo" Matarazzo); o empresário das comunicações , Assis Chateaubriand e Franco Zampari.
Ciccilo estava empenhado na criação de museus, principalmente, dando maior ênfase às artes plásticas, sua paixão maior. Mas era um entusiasta de outros ramos artísticos também.
Tanto foi assim, que auxiliou o seu amigo de infância, Franco Zampari a fundar o TBC , Teatro Brasileiro de Comédia, onde um polo de dramaturgia se criou na cidade de São Paulo.
Com a proximidade do advento da televisão no Brasil, graças aos esforços de Assis Chateaubriand e com apoio de Ciccilo, Franco Zampari percebeu que era o momento ideal para a realização de um outro sonho seu.
Franco Zampari sonhava com a criação de uma companhia cinematográfica super estruturada, nos moldes dos grandes estúdios norte-americanos e europeus e sentindo esse momento borbulhante na cidade, com tantos indícios bons na área da cultura e comunicações, lançou a Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
A base artística para a Vera Cruz, Zampari já tinha, com o excepcional elenco de atores e diretores do TBC. 
Com o apoio de Ciccilo, um importante passo foi dado na questão logística, com a cessão de um enorme terreno que pertencia à família Matarazzo, na cidade de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. 
Ali funcionava uma granja que foi desativada e onde se construiu então as instalações da Vera Cruz, com os galpões de set de filmagem, salas de edição, oficinas de cenotécnica etc. etc.
Em novembro de 1949, estava sacramentada a ata inaugural da Cia. Cinematográfica Vera Cruz e já em 1950, suas primeiras produções estavam prontas : "Painel" e "Santuário", dois documentários dirigidos por Lima Barreto.
E no mesmo ano, foi lançado o primeiro longa-metragem, "Caiçara", dirigido pelo ator/diretor italiano, Adolfo Celi, que também dirigia peças teatrais no TBC.
Zampari contratou técnicos franceses, italianos e ingleses. Nos primeiros tempos, teve apoio decisivo de Alberto Cavalcanti, diretor de documentários com carreira construída na Inglaterra, onde era muito respeitado.
E todo o equipamento importado, era o que havia de melhor tecnologicamente naquela época.
Logo em "Caiçara", a Vera Cruz mostrou o que seria a sua marca registrada, com filmes tecnicamente sofisticados, buscando superar o padrão de estúdios mais antigos como a Cinédia e Atlântida, onde o rigor técnico não era tão valorizado.
Não economizando na ânsia de ter qualidade no padrão de 1° mundo, Zampari passou a pagar salário fixo e altíssimo ao elenco de atores, seguindo a tendência de estúdios norte-americanos e providenciando também uma estrutura extra-set de filmagens, garantindo o glamour dos artistas no imaginário do público, certamente seguindo o padrão yankee.
Outros êxitos de público e crítica sucederam-se : "Angela", "Terra é Sempre Terra", "Apassionata", "Veneno" ...
E eis que surge "Tico-Tico no Fubá", cinebiografia do compositor Zequinha de Abreu, compositor da famosa música que dá título ao filme. Seguindo a cartilha do cinema norte-americano, o filme é cheio de recursos estilísticos típicos das cinebiografias de artistas da música, como os americanos costumavam realizar.
Um grande sucesso, sem dúvida, com Anselmo Duarte e Tônia Carrero como protagonistas.
A seguir, a Vera Cruz lança duas comédias incríveis, revelando o talento de Amácio Mazzaropi, com "Sai da Frente" e "Nadando em Dinheiro".
Outro grande sucesso, ambientado no Brasil colonial, "Sinhá Moça", é lançado em 1953.
Numa produção frenética, em ritmo de produção industrial (e era isso mesmo), lança no mesmo ano, "A Família Lero-Lero", outra comédia.
"O Cangaceiro", de Lima Barreto, ganha prêmios, prestígio entre os críticos e encanta o público.
"Uma Pulga na Balança" e "Esquina da Ilusão", são mais duas comédias lançadas.
"Luz Apagada" é outro drama e uma curiosa comédia dirigida por Ugo Lombardi (pai da atriz Bruna Lombardi), chamada "É Proibido Beijar", causa um certo alvoroço pelo tema, ainda que fosse uma comédia romântica.
"Na Senda do Crime", um filme policial veio a seguir.
Então, mais uma comédia sensacional de Mazzaropi, chamada "Candinho" (particularmente, a minha predileta dessa fase dele na Vera Cruz).
"Floradas na Serra" foi o único filme da carreira de Cacilda Becker. Inacreditável que uma atriz daquele quilate não tenha sido melhor aproveitada pelo cinema. Um grande filme, ambientado em Campos do Jordão, com a estória girando em torno de pessoas internadas numa clínica de recuperação para tuberculosos.
"São Paulo em Festa", foi o último documentário, dirigido por Lima Barreto.
E os últimos longas, "Ravina", um thriller psicológico e "Macumba na Alta", uma comédia.
Entrando num processo de profunda crise, a Vera Cruz encerrou atividades em 1958.
Qual a razão de um estúdio desse porte, que produzia um material de qualidade artística indiscutível e sucesso de público e crítica, ter terminado dessa forma?
Segundo pessoas ligadas à Vera Cruz, o que a prejudicou tremendamente foi o caótico acordo de distribuição, onde era refém desse elo da corrente que não tinha autonomia, ganhava apenas 40% da renda das bilheterias.
Zampari havia pensado em todos os detalhes, menos nesse que era crucial para a continuidade financeira do estúdio, infelizmente.
Outro fator muito duro para a Vera Cruz, eram as regras comerciais da época, pois o governo brasileiro pagava a diferença cambial da defasagem entre o dólar oficial e o paralelo, para os estúdios internacionais, fazendo com que os distribuidores/exibidores se desonerassem desse resíduo, portanto preferindo sempre exibir filmes estrangeiros, americanos sobretudo, em detrimento da produção nacional.
Sendo assim, não houve meio de continuar, lamentavelmente para o cinema brasileiro.
Ficou o legado de grandes obras, com a parte técnica de muita qualidade, grandes atores, técnicos, diretores e boas estórias.
* Luiz Antonio Domingues (músico das bandas PEDRA,Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, Kim Kelh e os Kurandeiros).

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