terça-feira, 18 de dezembro de 2012
WESTWORLD, ONDE NINGUÉM TEM ALMA
Michael Crichton foi um artista multifacetado e de
certa forma subestimado, infelizmente.
Convenhamos, não é muito comum um diretor de cinema
que também é escritor de ficção científica, com muitos livros publicados e
formado em medicina...
Como escritor, Crichton escreveu muitos livros que
fizeram sucesso no campo da literatura Sci-Fi.
Entre os quais : O Enigma de Andrômeda (que foi
adaptado ao cinema, sob direção de Robert Wise);
Devoradores de Mortos, Jurassic Park (também virou
filme, nas mãos de Steven Spielberg); Esfera, Congo, Revelação e Twister
(também tornou-se filme), e tem outros.
E o fato de ser médico, o ajudava na elaboração de
certos conceitos técnicos, que gostava de usar como elementos em sua literatura
Sci-Fi.
Mas ele gostava também de dirigir e tornou-se de
fato um bom diretor, com carreira não muito longa, mas significativa.
Em 1973, Crichton lançou um emblemático filme
chamado "Westworld" (no Brasil, recebeu o nome de "Westworld -
Onde Ninguém Tem Alma").
Baseado no livro de mesmo título, escrito pelo
próprio Michael Crichton, "Westworld" fantasiava o
"futuro", onde existiria uma Disneylândia para adultos, chamada
"Delos".
Logo nos créditos iniciais, vemos cenas de pessoas
embarcando para essa gigantesca estrutura turística e sendo monitorados por
funcionários, simulando a organização desses parques temáticos norte-americanos.
Mas tratava-se de um hipotético futuro onde a
tecnologia sofisticara-se ao ponto das atrações prometidas, observarem o
realismo extremo.
Sendo assim, os turistas iriam interagir com robôs
de aparência humana perfeita, com sensações e a possibilidade de todo o tipo de
envolvimento.
Havia três opções temáticas a serem escolhidas : o
velho oeste; a Europa medieval e a Roma da antiguidade.
O foco dramatúrgico segue através de dois
personagens que escolheram passar alguns dias no velho oeste. Mas ao longo do
filme, surgem cenas simultâneas de outros personagens curtindo os outros
parques temáticos e chega num ponto onde eles se fundem.
Peter Martin (interpretado por Richard Benjamim) e
John Blane (James Brolin), são amigos e decidem curtir férias juntos no velho
oeste de Delos.
A curtição é chegar numa típica cidade daquele
período e passar por todas as situações típicas daquela época e devidamente
expostas pelos filmes de western, décadas a fio.
Ou seja, eles pretendem beber; dormir com as garotas
do saloon, envolver-se em brigas por motivos fúteis e claro, matar pessoas nessas
brigas, sem o menor pudor...
A garantia do pacote turístico é total : os robôs
brigam de verdade, mas sempre o humano turista vai ganhar, e jamais poderão
ferir gravemente e muito menos matar o turista.
Um rígido monitoramento é feito on line e técnicos
trabalham 24 h por dia, controlando essas ações.
Peter e John sabem disso e vão arrumando confusões
como verdadeiros forasteiros petulantes, divertindo-se muito.
Até que surge na cidade um bandoleiro muito temido.
Seguindo o roteiro de um filme de western, ambos apreciam a situação, sabedores
que mesmo que o robô represente um bandido perigoso e exímio atirador, no final
da estória, eles o executarão e fim de papo.
E o robô é programado para ser arrogante, frio e
obstinado. Interpretado pelo ator Yul Brynner, no filme ele é denominado :
"Gunslinger"
Cabe observar que o robô é baseado num personagem
que próprio Yul Brynner interpretou brilhantemente no cinema, desta feita um
pistoleiro de carne e osso, no filme "The Magnificent Seven"
("Sete Homens e um Destino"), um western clássico, lançado em 1960 e
baseado no filme japonês, "Os Sete Samurais", de Akira Kurosawa.
De fato, o figurino do androide Gunslinger é
idêntico ao usado pelo personagem de "The Magnificent Seven".
Durante a madrugada, técnicos do parque removem
robôs mortos e são mostradas cenas da oficina trabalhando a todo vapor, com os
cientistas de plantão emitindo diversos pareceres técnicos. Aí entrou o lado
médico de Crichton que sempre gostou de inserir em seus filmes e livros, tais
inserções teóricas, querendo dar embasamento real à sua obra.
No caso de Westworld, são curiosos esses diálogos, geralmente
conduzidos pelo diretor do parque, interpretado pelo ator, Allan Oppenheimer.
E como os robôs "morrem" para divertir os
turistas, eles voltam à cena quando os turistas despertam para curtir um novo
dia e assim, podem morrer novamente...
Martin e Blane abusam da brincadeira, arrumando
brigas no saloon onde até Martin vai preso, para momentos depois Blane ter o
prazer de dinamitar o cárcere da delegacia e matar o delegado, sem piedade...
E numa dessas brigas, matam Gunslinger, mas claro,
após reparos, o robô voltou no dia seguinte.
Contudo, algo começa a falhar na estrutura do
parque temático. Pequenos sinais vão pipocando, sem que os turistas percebam a
fonte, que na verdade era um vírus eletrônico que epidemicamente foi
contaminando todos os robôs.
Por exemplo, John Blane (Richard Brolin), é picado
de verdade por uma cobra androide; moças androides programadas para cederem aos
desejos sexuais dos turistas, recusam-se a colaborar nesse sentido etc.
Nesse momento, interagem as cenas dos outros
parques temáticos, mostrando que a epidemia também os contaminou.
No mundo medieval, um cavaleiro arruma briga com um
turista e propondo um duelo de espadas, o mata.
Na "Roma antiga", tudo sai do controle e
o que era para ser um final de semana de orgias, vira uma matança com requintes
de crueldade.
Ainda não percebendo o perigo em que se meteram, os
amigos Martin e Blane são desafiados a duelar, pelo pistoleiro Gunslinger.
Desdenhando da situação, por estarem seguros de que
o matarão sem problemas, não se abalam com as bravatas do pistoleiro e
portam-se displicentemente diante do perigo.
Mas Gunslinger está obcecado por matá-los e
portando uma pistola real, atira e mata Blane.
Só aí Peter Martin percebe que acabou a brincadeira
e foge desesperadamente.
Gunslinger o persegue de forma implacável e essa
parte final do filme é muito angustiante, pois sabemos que o robô só vai parar
quando for destruído, mas a questão é : como destruí-lo ?
Nesse interim, os técnicos estão fazendo todo o
esforço para desligar os robôs e a duras penas vão conseguindo, mas Gunslinger
continua perseguindo Peter Martin, determinado a matá-lo.
Martin alcança o deserto que cerca a cidade do
velho oeste e as cenas seguem os clichês dos filmes de western com a
perseguição em ambiente árido e inóspito.
Encontra com um técnico do parque que mais
assustado ainda, está fugindo da matança desenfreada. É curiosa essa pequena
ponta feita pelo ator Steven Franken, que mais baseou sua carreira nas
comédias, onde cito o genial garçom bêbado que rouba a cena em "The
Party", uma das melhores comédias de Peter Sellers. E claro, Gunslinger
mete-lhe bala, apavorando ainda mais o personagem Peter Martin.
Então, munido de algumas cápsulas de ácido (que
achou no laboratório do parque, durante a sua fuga), espera uma oportunidade e
joga o líquido no rosto de Gunslinger.
Essa cena, mostrando o rosto do robô derretendo,
foi uma das primeiras, senão a primeira na história do cinema, onde usou-se a
computação gráfica, que logicamente em 1973, ainda engatinhava e não era nada
parecida com a que conhecemos hoje em dia.
Mas, considerando-se a época e os recursos
disponíveis, é espetacular.
Martin chega aos limites do mundo medieval, onde os
robôs estão desativados, mas também se veem corpos de turistas mortos.
Mesmo sem rosto e com apenas componentes
eletrônicos expostos na cavidade facial, Gunslinger continua sua caçada
frenética.
Gunslinger chega e Martin corre para a masmorra do
castelo e vê uma mulher acorrentada, mas percebe que é uma robô, quando oferece
água e lhe causa um curto circuito.
A última tentativa é incinerar o robô e parece que
Martin salvou sua vida. Mesmo carbonizado ele ainda se aproxima, mas explode a
seguir, literalmente.
Então, finalmente Martin, atônito com toda a agonia
que passou, senta-se numa escadaria da masmorra, onde pensa na ironia do slogan
do parque : "Já temos um período de férias para você"...
É óbvio que o filme versa sobre o vazio do homem
massacrado pela sociedade capitalista. A ideia de um parque temático nos moldes
dos parques Disney, mas com teor adulto e evocando grandes sets de filmagem de
cinema, demonstra claramente que a vida frenética das pessoas, carece de
válvulas de escape.
Brincar de estar num mundo diferente e poder
extravasar o hedonismo e não só isso, mas também o poder da vida e da morte,
sem questionamentos éticos, morais e obediência às leis, pode fascinar.
Outra observação pertinente, se dá na comparação
que muitos críticos fazem entre Westworld e Terminator, realizado onze anos
depois.
Parece claro que o androide assassino e obstinado
vivido por Arnold Schwarzenegger, é muito parecido com o robô Gunslinger, de
Yul Brynner.
Implacável, persegue sua meta até o fim, sem
esmorecer.
E certamente algumas ideias também influenciaram
"Predator", outro filme de Schwarzenegger do final dos anos oitenta.
O alienígena usa muita tecnologia para empreender sua caça aos humanos, usando
recursos vistos em "Westworld", com o robô Gunslinger.
"Westworld" teve uma sequência em 1976,
com Peter Fonda como protagonista. Nessa sequência, chamada
"Futureworld", teve a participação novamente de Yul Brynner fazendo o
robô
Gunslinger, mas essa produção ficou aquém.
Pior ainda foi uma tentativa de adaptar a estória
para o universo das séries de TV, retumbando num fracasso e logo cancelado pela
Rede CBS, no início dos anos oitenta.
Há planos para um remake, há anos e o próprio
Schwarzenegger era cotado para ser o "novo" Gunslinger, mas até
agora, não houve concretização dessa produção. Como cinéfilo, torço para que
não haja e nos poupem de mais um remake cheio de tecnologia e pouquíssimo
conteúdo.
Destaca-se, claro a interpretação de Yul Brynner,
que tornou o robô Gunslinger, assustador.
"Westworld" é mais um desses filmes da
safra Sci-Fi setentista, que ganhou fôlego extra após o sucesso mastodôntico de
2001 - Uma Odisseia no Espaço, em 1968.
Era exibido com frequência na grade das TV's
brasileiras, geralmente na faixa da madrugada, mas com a mudança de mentalidade
dos programadores de hoje em dia, que só privilegiam filmes produzidos até 15
antes, a cota de filmes vintage fica mesmo restrita a canais de TV a cabo
especialistas e para garimpeiros de locadoras "descoladas" e de
internet.
Eu o recomendo, evidentemente. Considero-o um
grande filme Sci-Fi.
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