sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
MARECHAL THAUMATURGO/PORTO WALTER
Hiram Reis e
Silva, Porto Walter, Acre, 24 de dezembro de 2012.
Garça
feliz
(Quintino
Cunha)
Um Lago, a cuja flor, nas canaranas,
Impossível, traiçoeiro, repelente,
Um jacaré assustadoramente
Estruge e tange as gárrulas ciganas.
(...)
Rumo à Comunidade do Lago Tuaré (22.12.2012)
A estada, de dois dias, no
Destacamento foi bastante proveitosa e permitiu que nos refizéssemos plenamente
do esforço inicial dos dois dias de deslocamento da Foz do Breu até Marechal
Thaumaturgo, um percurso de aproximadamente 135 km de águas muito
rápidas, mas com uma enorme quantidade de troncos e outros detritos vegetais que,
volta e meia, bloqueavam parcialmente o Rio Juruá. Em uma Expedição longa
como a nossa deve-se ir aumentando gradativamente as distâncias para evitar
desgastes físicos desnecessários e contraturas que podem prejudicar o bom êxito
da missão. O ideal era que se chegasse fisicamente preparado para o início das
travessias, mas, no meu caso, isso jamais foi possível.
Em nenhuma de minhas jornadas
amazônicas consegui dar início aos deslocamentos dentro de minha melhor forma
física. Os preparativos para a viagem, as inúmeras providências administrativas
que precisam ser tomadas acabam interrompendo os treinamentos e, sistematicamente,
tenho iniciado minhas descidas sem treinar durante um mês inteiro. Desta feita
participei, na última semana de novembro, de um Seminário em Manaus quando
aproveitei para tentar obter apoio institucional e particular ao Projeto, todos
os elementos consultados mostrara-se extremamente simpáticos à Expedição
Coronel Belarmino Mendonça, mas por demais reticentes em apoiá-la efetivamente.
Partimos às sete horas da
manhã, o Juruá tinha baixado quase dois metros em apenas quarenta e oito horas,
tive de arrastar o caiaque por cima das canaranas que antes estavam totalmente submersas.
A alternância de chuva nas cabeceiras do Alto-Juruá determina esta drástica
variação. Os ribeirinhos acompanham atentamente o ciclo das águas para evitar
que suas embarcações fiquem temporariamente encalhadas nas praias.
Comunidade
do Lago Tuaré
Uma jornada perfeita. Por volta
das doze horas pedi que a equipe de apoio passasse à frente e buscasse um local
apropriado para nosso acantonamento. Aportei às 13 horas na Comunidade do Lago
Tuaré. O Mário e o Marçal já tinham montado nossas barracas em uma das salas de
aula da Comunidade e como a escolinha não tinha fogão solicitaram à matriarca
Sra. Maria Francisca Queirós Correa que preparasse nosso almoço.
Ultimamos a montagem do
acantonamento enquanto aguardávamos o almoço ficar pronto e o Coronel Angonese
chegar. Dona Maria gentilmente preparou o almoço que mais tarde foi degustado
pelo quarteto na cozinha da residência da querida senhora.
Lago
maldito
(Jonas
Fontenelle da Silva)
Se hoje, em surdina, o teu pesar
disfarças,
Ouvindo o canto das jaçanãs morenas,
Sentes, minh’alma, as aflições e as
penas
De um Lago azul sem jaçanãs nem
garças. (...)
Fomos tomar um banho no Lago
Tuaré, onde as jaçanãs agitadas, incomodadas com a nossa presença, gargalhavam.
Tomamos banho dentro das canoas, tendo em vista que o leito do Lago é lodo puro.
Depois do banho ficamos conversando com o líder da Comunidade Sr. Evilácio
Rodrigues Correa esposo da Dona Maria. Filho de português com uma acreana o
mestre Evilácio foi outrora um mecânico, torneador, fundidor de peças e um marceneiro
de mão cheia que hoje se esforça para repassar o conhecimento aos filhos.
Enquanto conversávamos seus filhos construíam uma passarela de madeira ligando
as residências e a escolinha para facilitar a movimentação dos moradores na
época das cheias.
À noite fomos, novamente,
convidados para fazer a refeição na casa do mestre Evilácio. A Comunidade incrustada
no Parque Nacional da Serra do Divisor é formada por descendentes de Evilácio e
Maria onde reina um clima de total harmonia. Foi muito bom desfrutar do
convívio, ainda que brevemente, destes novos amigos ribeirinhos que nos
receberam com tanto carinho e amizade no seio de sua família. Sem qualquer
consulta aos moradores os técnicos “ecochatos”
do Meio Ambiente denominaram a Comunidade como Porungaba e os mapas do DNIT a
localizam na margem direita quando na verdade está localizada na margem
esquerda do Juruá (8º40’33,7”S/72º49’06,3”O). O Igarapé Porungaba, que passou a
denominar a pequena Comunidade, situado à margem direita do Juruá, é um pequeno
filete d’água sem a menor expressão física enquanto o belo Lago Tuaré de águas
pretas, que fica nos fundos da Comunidade e foi, sem sombra de dúvidas, um dia,
o leito do tumultuário Juruá é um acidente natural muito mais importante.
Rumo à Comunidade Novo Horizonte (23.12.2012)
Despedimo-nos de nossos novos e
queridos amigos e partimos depois das sete da manhã. As águas do Juruá tinham baixado
mais ainda. O rendimento das remadas seria menor que o dia anterior (10 km/h) e muito menor que
no trecho Foz do Breu-Thaumaturgo onde conseguimos imprimir, em alguns trechos,
15 km/h.
A viagem transcorreu sem
grandes alterações, marquei alguns pontos notáveis do terreno para corrigir os
mapas e chegamos por volta das treze horas. Nosso Destacamento Precursor, em Novo Horizonte, já
conseguira autorização para montar nossas barracas no estreito corredor da
escolinha.
Novamente contamos com a
gentileza de Cristovão, filho da matriarca Sra. Maria de Fátima, e sua esposa Rosa
que permitiram que o Marçal usa-se sua cozinha para preparar um saboroso
carreteiro. À noite nos deleitamos com alguns barbados fritos pescados pelo
Angonese. Desde que saímos de Thaumaturgo que os temíveis piuns, maruins e uma
mutuca, do tamanho de uma mosca, não nos deixam em paz. Nenhum repelente
afasta os terríveis insetos, nem mesmo a nossa fantástica andiroba surtiu
efeito desta feita. Conseguimos água da chuva para tomar banho. O acesso à
margem do Juruá era lodo puro e não compensaria o sacrifício.
Rumo a Porto Walter (24.12.2012)
Despedimo-nos dos amigos e
partimos às 07h15. As chuvas intensas que caíram à tarde aceleraram, um pouco
as águas do Juruá permitindo que atingíssemos 10km/h. O Angonese ficou para
trás para tirar mais algumas fotos da Comunidade. O despertar do dia foi
tremendamente festivo, era véspera de Natal e poucos ribeirinhos cruzavam por
nós com suas ruidosas rabetas que afastavam os botos e calavam os pássaros
temporariamente.
Como na maioria dos rios de
águas brancas a profusão de cantos, ao amanhecer, das mais diversas espécies é
uma verdadeira ode ao astro rei. Senti falta apenas, desde a Foz do Breu, do
som gutural dos guaribas. Volta e meia passava por um monumento arbóreo, estes
imensos gigantes da floresta carregados de bromélias, pequenas orquídeas e uma
infinidade de parasitas, verdadeiros viveiros naturais abrigando nas suas
frondes todo o tipo de insetos, aves e pequenos mamíferos.
Eu observava encantado, nas
margens externas das curvas, os enormes paredões sendo moldados continuamente
pela força das águas. Volta e meia grandes blocos arenosos despencavam
ruidosamente, por vezes blocos maiores carregavam consigo a vegetação marginal
abatendo cruelmente em poucos segundos árvores centenárias. O Rio Juruá traz no
seu DNA a inconstância tumultuário do Amazonas. O Rio-mar teve um avô
formidável que corria para Noroeste e desaguava no Pacífico nas priscas eras da
“Pangea”, teve como pai o “Lago Pebas”, quando os continentes se
separaram e suas águas foram barradas pela Cordilheira dos Andes que se formou.
Pangea ou
Pangeia - nome dado ao
continente que, segundo a teoria da deriva continental, existiu até 200 milhões
de anos, durante a era Mesozoica e que, nessa altura, começou a se fragmentar. (Nota do Autor)
Lago Pebas
- há aproximadamente 11 milhões de anos, a bacia amazônica estava submersa num
grande Lago (Pebas) que tinha saída para o Oceano Pacífico. Com a deriva dos
continentes e a consequente elevação da Cordilheira dos Andes, as águas ficaram
temporariamente represadas até que passaram a correr para Leste, formando a
bacia amazônica e o Rio Amazonas desaguando no Oceano Atlântico. A drenagem
possibilitou que algumas das terras submersas aflorassem. (Nota do Autor)
Talvez o Juruá como fiel
tributário do Amazonas e que traz nos seus genes a herança ancestral deste
extraordinário colosso, queira mostrar que também é um adolescente intempestivo
e rebelde afrontando tudo à sua volta, provocando alterações profundas na
natureza e na vida dos ribeirinhos.
Cheguei,
por volta das doze horas, no Posto de combustível Flor D’água, em Porto Walter. O
Coronel Angonese já estava em
Porto Walter, como bom infante resolvera fazer uma incursão
terrestre atalhando uma grande alça do mais sinuoso dos Rios do planeta. Novamente
pedi apoio aos nossos amigos da Polícia Militar que prontamente nos
transportaram e nos abrigaram em seu aquartelamento. Iríamos passar o Natal em Porto Walter, AC, e
partiríamos de manhã para mais uma etapa de três dias até Cruzeiro do Sul, AC.
Fomos conhecer o centro da pequena cidade e na volta participamos da ceia
natalina preparada pelos nossos amigos policiais militares.
Localização
de Comunidades e Acidentes Naturais
§
Comunidade
do Lago Tuaré (Porungaba), margem Esquerda do Juruá:
(08º40’33,7”S/72º49’06,3”O)
§ Foz do Igarapé São Luís, margem
Esquerda do Juruá:
(08º47’17,4S/72º49’23,5”O)
§
Comunidade
Triunfo, margem Direita do Juruá:
(08º47’17,7”S/72º49’46,6”O)
§
Foz
do Igarapé São Luís, margem Esquerda do Juruá:
(08º47’17,4”S/72º49’23,5”O)
§
Foz
do Igarapé Paratari, margem Esquerda do Juruá:
(08º43’27,3”S/72º48’43,5”O)
§
Comunidade
Santa Fé, margem Esquerda do Juruá:
(08º36’39,4”S/72º51’02,6”O)
§
Foz
do Igarapé Grajaú, margem Direita do Juruá:
(08º34’07,8”S/72º47’57,7”O)
§
Foz
do Riozinho das Minas, margem Esquerda do Juruá:
(08º30’56,8”S/72º50’31,2”O)
§
Comunidade
Novo Horizonte, margem Direita do Juruá:
(08º26’51,6”S/72º49’11,4”O)
§
Comunidade
Vitória, margem Direita e Esquerda do Juruá:
(08º21’47,7”S/72º46’11,6”O)
§
Foz
do Igarapé Ouro Preto, margem Esquerda do Juruá:
(08º23’30,8”S/72º49’41,0”O)
§
Porto
Walter, margem Esquerda do Juruá:
(08º16’02,3”S/72º44’36,2”O)
§
Foz
do Igarapé Riozinho, margem Direita do Juruá:
(08°15'54,7”S/72°44'18,6”O)
Livro do Autor
O
livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na
Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br).
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false
Coronel de
Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da
Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar Terrestre
do Brasil – RS (AHIMTB – RS); Membro do Instituto de História e Tradições do
Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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