terça-feira, 11 de dezembro de 2012
RIO BRANCO, ACRE - PARTE II
Hiram Reis e Silva, Rio Branco, Acre, 07 de
dezembro de 2012.
É um dever
sacrossanto manter vivas no pensamento figuras do porte de Francisco Mangabeira
que, pelo seu talento, sua bravura, seus relevantes serviços prestados ao
Brasil, deixou de se pertencer para pertencer ao mundo! (KALUME)
Hino do Acre
Letra do Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira e música de Mozart
Donizeti.
Veja vídeo abaixo ou acesse-o aqui>http://www.youtube.com/watch?v=5y1gLPvcj30
I
Que este sol
a brilhar soberano
Sobre as
matas que o veem com amor
Encha o
peito de cada acreano
De nobreza,
constância e valor...
Invencíveis
e grandes na guerra,
Imitemos o
exemplo sem par
Do amplo Rio
que briga com a terra,
Vence-a e
entra brigando com o mar.
Estribilho
Fulge um
astro na nossa bandeira,
Que foi
tinto com sangue de heróis
Adoremos na
estrela altaneira
O mais belo
e o melhor dos faróis
II
Triunfantes
da luta voltando,
Temos n'alma
os encantos do céu
E na fronte
serena e radiante
O imortal e
sagrado troféu,
O Brasil a
exultar acompanha
Nossos
passos, portanto é subir,
Que da
glória a divina montanha
Tem no cimo
o arrebol do porvir.
III
Possuímos um
bem conquistado
Nobremente
com armas na mão
Se o
afrontarem, de cada soldado
Surgirá de
repente um leão.
Liberdade é
o querido tesouro
Que depois
do lutar nos seduz
Talo o Rio
que rola, o sol de ouro
Lança um
manto sublime de luz.
IV
Vamos ter
como prêmio da guerra
Um consolo
que as penas desfaz,
Vendo as
flores do amor sobre a terra
E no céu o
arco-íris da paz.
As esposas e
mães carinhosas
A
esperar-nos nos lares fiéis
Atapetam a
porta de rosas
E, cantando,
entretecem lauréis.
V
Mas se audaz
estrangeiro algum dia
Nossos brios
de novo ofender,
Lutaremos
com a mesma energia
Sem recuar,
sem cair, sem temer
E ergueremos
então destas zonas
Um tal canto
vibrante e viril
Que será
como a voz do Amazonas
Ecoando por
todo o Brasil.
- Um
Hino de Bravos
Que o bairrismo extremamente acirrado de meus
conterrâneos gaúchos me perdoe, mas o mais belo Hino dos estados brasileiros é
sem dúvida o Hino do Acre um canto de titãs, um hino vibrante e viril
regido pela honra e pela glória e salpicado por notas de coragem e desassombro.
Quem, como eu, já teve a oportunidade de ouvi-lo e senti-lo há de concordar
plenamente como que digo.
O Hino foi composto, no dia 5 de outubro de 1903,
no Seringal Capatará, situado acima do Igarapé Distração, na cidade de Rio
Branco, em um acampamento onde Plácido de Castro estabelecera o Quartel-General
do seu exército, pelo médico e poeta baiano Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira
que prestava atendimento à tropa. A música, por sua vez, foi criada pelo
maestro amazonense Mozart Donizeti que conhecia perfeitamente a realidade e
historicidade da região, pois residira nas cidades de Tarauacá e Cruzeiro do
Sul.
- Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira
Fonte: Isaac Melo - Francisco Mangabeira: Um Poeta Baiano
Na Revolução Acreana
O paquete São Salvador havia deixado o porto de Manaus na manhã de 22 de
janeiro de 1904. Em um de seus camarotes, o de número 40, estava instalado um
jovem médico de apenas vinte e cinco anos. No corpo agonizava as dores do
impaludismo e no peito, a saudade de sua terra e de sua gente. (...)
Chegara o
dia 27
(...) O sol dos trópicos a tudo abraçava, abrasava e acariciava com suas
mãos fulgurantes. Porém, no camarote 40, ainda havia noite e havia frio. (...)
Às duas horas da tarde desfalecia um dos mais festejados poetas, à época, e um
dos grandes nomes da poesia do final do século XIX, cuja vida foi marcada pelo
sonho e pela ousadia, pelo amor e pela aventura, sendo sua obra exaltada e
comparada à de Castro Alves.
A Vida
Francisco Cavalcante Mangabeira era o sétimo filho
do casal Francisco Cavalcante Mangabeira, um farmacêutico alagoano, e Augusta
Mangabeira. (...) Não havia completado ainda dez anos quando perdeu a mãe. Isso
o marcou profundamente. Desde então ficara sob os cuidados permanentes de uma
senhora, Sinhá Joaquina, ou Quinquinha como ele a chamava, contratada pelo pai,
a quem o menino muito se afeiçoou e que exerceria grande importância em sua
vida.
A Escola
Foi no Colégio Marquês de Santa Cruz, aos seis anos
de idade, a primeira vez que o menino fora a escola. (...) A escola, depois da
morte do administrador, um velho padre, fechara as portas. Fora então
matriculado, juntamente com seus irmãos, no Colégio Malhado. O menino não
gostara daí, um ambiente perturbador e bagunçado para uma alma quieta e
solitária. O pai então os matricula no Colégio Pedro II, onde ele alcança
grandes progressos, porém, pouco depois tem que deixá-lo devido o agravamento
da doença de sua mãe, que morreria pouco tempo depois. Ao retornar, conclui, no
mesmo colégio, os três preparatórios principais. No ano seguinte, 1889,
ingressa no Liceu Provincial, para finalmente concluir as matérias fundamentais
no Instituto Oficial de Ensino Secundário. É quando integra o Grêmio Evolução,
sendo um dos mais jovens integrantes do grupo. Aí começa o pendor do jovem para
poesia. Está com catorze anos.
A Medicina,
1894
Aos quinze anos Francisco matricula-se, por livre
vontade, na tradicional Escola de Medicina da Bahia, fato que causou surpresa,
sobretudo, a seus familiares. O primeiro ano fora entediante e difícil para
alguém que estava destinado a cuidar dos males da alma, não do corpo.
Dedicara-se apaixonadamente à literatura, enquanto nem sequer pegara em um
livro específico de seu curso. (...) Quer desistir. Então, o velho Mangabeira
obriga-o a fazer os exames finais. É aprovado. No ano seguinte, no entanto, é
reprovado. Todavia, é o ano em que começa a projetar-se e a ganhar fama de
poeta, depois que o crítico e escritor rio-grandense, Múcio Teixeira, publica
alguns entusiásticos artigos, na Bahia e no Rio de Janeiro, apresentando-o aos
leitores como “um novo poeta baiano”. Das angústias desse ano surgirá a
obra-prima do poeta.
Canudos
(...) Fora outra surpresa para a família Mangabeira
quando receberam a notícia de que o jovem poeta, juntamente com seu irmão,
estava pronto para partir com destino a Canudos, o que, de fato, ocorrera no
dia 27 de julho de 1897. Cursava, então, o terceiro ano de medicina, e partira
com um grupo formado por 24 estudantes, a integrar a famosa Brigada Girard,
comandada pelo General Artur Oscar, para servir nos hospitais de sangue. (...)
Dessa experiência surgirá um dos mais belos textos
em versos, senão o mais, acerca de Canudos, o equivalente ao que foi o de
Euclides para a prosa. (...) Canudos fizera o poeta rever seu compromisso com
os estudos. Tornara-se dedicado e, assim, em 18 de dezembro de 1900, defendendo
a tese “Impedimentos de casamento relativos ao parentesco” fora aprovado
e diplomado em medicina.
A Profissão
(...) Dirigiu-se então para o Maranhão, no dia 16
de março de 1901, onde fora contratado para trabalhar como médico da Companhia
Maranhense de Navegação, que realizava o trajeto entre Bahia e São Luis. Mas aí
permanecera pouco tempo. (...) O Amazonas, a pátria das águas, o seduzira como
se tivesse ouvido o canto irresistível das iaras. E para o Amazonas partira. Aí
é contratado pelo governo amazonense para servir em comissões de saúde pelo
interior, a percorrer “todo aquele mundo de rios, de florestas sem fim,
exercendo a sua profissão em comissões pelos rios Negro, Juruá, Javari,
Madeira, Purus...”. Porém, apegado que era ao pai, aos irmãos e irmãs, a
saudade novamente viera abrigar-se em seu peito. Não resistiu aos apelos. E
assim retornara à Bahia, ao aconchego dos seus, ao findar de dezembro de 1902.
O Acre e a
Revolução
Algo inquietava o poeta, mesmo estando em meio ao
aconchego de seus familiares e de sua terra. Quando estivera em Manaus ouvira
falar muitas vezes dos acreanos e sua revolução. (...) Comentara o poeta, em
carta, assim a um amigo:
“Nada posso afirmar de novo
sobre o Acre, enquanto para lá não partir! O que ainda não fiz por falta de
vapores”.
(...) O
sobrinho biógrafo, Paulo Mangabeira-Albernaz, diz acerca do sonho de seu tio:
“Nada o conseguira prender: nem a
saudade inexprimível, nem o amor imensurável à terra do berço, nem a própria
felicidade! O apelo do Acre vencera tudo!”
E assim parte o poeta para Manaus, em abril de
1903, com destino ao Acre.
Em Manaus, onde já era muito estimado, o poeta
partilhara com seus amigos o sonho que acalentava de ir para o Acre. (...)
Imperava a máxima de que poucos sobreviviam ou retornavam do Acre: local de
difícil acesso, isolado e empestado de doenças tropicais e, agora, em guerra.
(...) Porém, nada dissuadia o poeta de seu firme propósito. De modo que, no dia
28 de maio de 1903, no navio Amazonense, como médico do 40º Batalhão de
Infantaria, comandado pelo Coronel Valadares, partia ao encontro de seu bem
amado, o Acre. (...) em 02 de junho, encontrara pela primeira vez o chefe da
Revolução, Plácido de Castro, que descia a Manaus depois que o General Olímpio
da Silveira havia destituído o exército acreano. Ficara impressionado com o
caudilho:
“E então, pareceu-me que, ao
brilho de energia extraordinária e impressionadora de seu semblante, ele
crescia, e seu capacete se tornava de bronze e seu peito se recobria de aço”.
As águas baixaram drasticamente e, à boca do
Pauini, o Amazonense não pode seguir adiante. O poeta prosseguiu, então, em
pequenas lanchas, em canoa a varejão e, por fim, a pé, em varadouros por entre
a mata:
“A viagem a pé, quando havia um
guia, era suportável, mas às vezes, era feita sem um mateiro, e imaginem 40
homens no mato, seguindo um trilho que de repente se bifurca, e mais adiante
dava numa estrada de seringueiro de onde partiam três ou quatro caminhos! Uma
vez andamos oito horas perdidos no mato e, para aumentar a aflição, uma chuva
torrencial desabou sobre nossas cabeças”.
A viagem fora uma epopeia. Mas, finalmente, chegara
ao seringal Empresa, onde estava acampado o 27º Batalhão de Infantaria. Era
agosto de 1903.
Hino acreano
Em 21 de março de 1903, o governo brasileiro, por
meio do grande diplomata Barão do Rio Branco, juntamente com o governo
boliviano assinaram um acordo de “modus vivendi”. Os bolivianos já
haviam se rendido ao exército de Plácido. Cessara a luta no fronte, a batalha
agora era no campo da diplomacia. O Acre encontrava-se politicamente dividido
em duas administrações: Meridional, sob o comando de Plácido de Castro, e
Setentrional pelo Governo militar de Cunha Matos. Por duas vezes, como assevera
o historiador Leandro Tocantins, o Barão do Rio Branco sugeriu ao Governo de La
Paz, e este concordou, a extensão do prazo do “modus vivendi”, de 21 de
julho até 21 de outubro. A ansiedade tomava conta de todos. Qual seria afinal o
resultado dessas discussões diplomáticas? Que acordo seria firmado?
Enquanto isso, Plácido de Castro organizava seu
exército em pontos estratégicos do Acre Meridional, pronto para nova luta
conforme o resultado das confabulações diplomáticas entre os dois países. No
seringal Capatará estava assentado o Quartel-General de Plácido. Ao fundo do
barracão erguiam-se as barracas de lona, a alojar os soldados. Numa delas está
Francisco Mangabeira. Desde que cessara os combates aí passara a atender os
feridos da guerra e à população ribeirinha que o procurava. É nesse ambiente,
impressionado pela natureza, pelo ideal de liberdade, pelos combates e pelo
sentimento da terra que o jovem poeta comporá, em 05 de outubro de 1903, o
magnífico poema que se tornará o Hino Acreano.
Aproximava-se o término do “modus vivendi”.
O poeta encontrava-se, com a tropa, acampado em Boa Fé. Estavam irrequietos e
decididos: ou o Acre seria do Brasil, ou recomeçaria a luta. A tropa, a 21 de
outubro, fora reunida diante do mastro do qual pendia a bandeira acreana.
Conta, em carta, Francisco Mangabeira:
“A meio dia, pouco mais ou menos,
reunida a oficialidade, resolve-se mandar imediatamente cem homens para o
Gavião. Antes disso, porém, com uma cerimônia tocante, foi lido o Hino do
Acre”.
Pela voz do próprio poeta pela primeira vez o Hino
Acreano percorria as matas e o coração daqueles caboclos titânicos, num misto
de alegria e esperança. O resultado das confabulações diplomáticas e,
consequentemente, a incorporação do Acre ao Brasil só veio um mês depois, a 17
de novembro, quando em Petrópolis, com a genialidade diplomática do Barão do
Rio Branco, fora assinado o Tratado de Petrópolis. Mangabeira tentara o máximo
permanecer em solo acreano depois do término da Revolução. Porém, caíra
gravemente enfermo, e fora levado nos braços, no último dia de dezembro de
1903, até a embarcação que o conduziria a Manaus, aí chegando dia 10 de janeiro
de 1904. Findava o sonho acreano do poeta da mesma forma que se aproximava o
seu fim.
Fontes:
- ALBERNAZ, Paulo Mangabeira.
Francisco Mangabeira: sonho e aventura. Campinas: Livraria M. Teixeira, s/d.
- KALUME, Jorge. Francisco
Mangabeira: médico, poeta e herói. Brasília: Gráfica do Senado, 1981.
-
Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS –
PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para
visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de
Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS); Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
HINO DO
ACRE - COM IMAGENS
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