Rio Valparaíso - Comunidade Cintra residência da D Maria Nazaré |
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
PORTO WALTER/CRUZEIRO DO SUL
Hiram Reis e
Silva, Cruzeiro do Sul, Acre, 27 de dezembro de 2012.
Desde menino
eu os conhecia com os nomes de mosquito pólvora ou pium, à beira do Rio
Piracicaba... Mandei juntar esterco de gado e atear fogo ao mesmo, a fim de
produzir fumaça abundante para afugentar os quase invisíveis maruins. (IGLESIAS
Francisco)
- Rumo à Comunidade Ruças – Rio Valparaíso
(25.12.2012)
O Angonese resolveu tentar a sorte na pescaria
embarcando na lancha “Mirandinha” e o Marçal assumiu o comando do “indomável”
me acompanhando neste percurso de mais de 55 km até o Rio Valparaíso. Partimos
às 7h15, o nível das águas do Juruá baixara mais de um metro em 24 horas e, em
consequência, a velocidade das águas diminuíra consideravelmente. Como se isso
não bastasse o sol inclemente e a ausência de nuvens minou sensivelmente nossas
energias e chegamos bastante cansados ao Valparaíso onde tivemos ainda de remar
uns 500 metros Rio acima para alcançar a Comunidade de Ruças.
O Angonese e o Mário já tinham conseguido com o Sr.
Antonio, morador local, autorização para acamparmos na Escolinha Municipal
Alfredo Said. Poderíamos fazer uso das instalações sanitárias e tomar um bom
banho de caneca usando a água da cisterna alimentada por água da chuva. O
excelente carreteiro para nosso almoço foi preparado pelo Marçal na residência
do Sr. Antonio, tudo corria bem, havia apenas um senão, enxames de carapanãs, piuns
e maruins disputavam nosso sangue avidamente. Alguns deles conseguiam passar
pela tela das barracas a situação era drástica. O Mário conseguiu uma chapa
metálica e iniciou um pequeno fogo onde colocou folhas verdes de ingá. O
Angonese escudado pelo Mário foi pescar e eu e o Marçal ficamos sofrendo com o
ataque dos pequenos insetos que não se sentiram intimidados com a fumaça até
que resolvemos fazer uso de uma antiga e infalível receita. Recolhemos esterco
seco de gado e alimentamos o pequeno fogo, o efeito logo se fez sentir – os
famigerados seres alados sumiram e nos deixaram em paz.
Quando criança acompanhava meu pai nas caçadas e
pescarias e este remédio contra os insetos sempre se mostrou eficiente.
Diferente das noites anteriores em que os maruins conseguiam passar pelas telas
das barracas e os carapanãs ficavam zumbindo do lado de fora tivemos uma noite
agradável e reparadora.
- Rumo à Comunidade Nova Cintra (26.12.2012)
Partimos eu e o Angonese logo depois das sete
horas. Diferente do dia anterior a manhã já se iniciou bastante nublada e uma
garoa fina me acompanhou até a Comunidade Nova Cintra aonde cheguei por volta
das 12h10, plenamente em forma, depois de percorrer 65 km. Estranhei a demora
de minha equipe e resolvi adiantar os contatos. Puxei o caiaque barranco acima
e procurei a moradora cuja casa ficava mais próxima. A simpática Dona Maria de
Nazaré de Souza Correia muito prestativa informou-me onde ficava a residência
da Sra. Nonata encarregada da modelar Escola Estadual José de Souza Martins.
Depois de recorrer a diversos moradores cheguei,
finalmente, à residência da Dona Nonata, uma simpática idosa, que informou que
não tinha autoridade para liberar as instalações para montarmos nosso
acantonamento, mas que podíamos utilizar a varanda e a grande cozinha de sua
casa para nos instalarmos. Frustrado nas minhas pretensões de acampar na
escolinha resolvi deixar o material que carregava na casa de minha nova
anfitriã e voltei para a margem para aguardar minha equipe.
Estava observando o Rio quando se aproximou Dona
Maria de Nazaré e perguntei se poderíamos usar a igreja em construção para
acampar e ela informou que sim. A igreja ficava bem mais perto da margem do que
a residência de Dona Nonata. Poderíamos fazer a comida na cozinha de Dona Maria
e tomar banho na cacimba logo abaixo. Ficamos conversando durante uma hora até
que avistamos o Coronel Angonese. Chamei o amigo e ajudei-o a puxar o caiaque
pelo escorregadio barranco. Aguardamos uns dez minutos até que o Mário e o
Marçal apareceram subindo o Rio. Os marinheiros não haviam notado o meu caiaque
na barranca e passaram ao largo, o curioso é que eles tinham fotografado a
Comunidade Nova Cintra e meu caiaque “Cabo Horn” aparecia nitidamente
nas fotos.
Falei, brincando, que como castigo o Mário teria de
ir até a casa de dona Nonata buscar minhas coisas e trazê-las para a igreja
onde iríamos acampar. Descarregamos o material da lancha e eu estava fazendo
uma faxina na igreja em construção quando o Mário disse que estávamos
autorizados a acampar na escolinha. Quando lá cheguei estava Dona Nonata
gerenciando a limpeza do local para nosso acampamento, ela liberou, também,
através da servente da escola, a cozinha e as instalações sanitárias. Realmente
eu soube escolher devidamente o Mário para contatar os ribeirinhos e conseguir
deles o maior apoio possível. Tomamos um bom banho com água de poço artesiano e
fomos almoçar, o saboroso carreteiro preparado pelo Marçal, na residência da
querida senhora Maria de Nazaré. Enquanto almoçávamos Dona Maria de Nazaré
relatou a passagem do místico Irmão Francisco José da Cruz pela Comunidade nos
idos de 1968, quando ela tinha apenas 5 anos, e o Cruzeiro que o mesmo fez
erigir na elevação mais alta defronte ao Rio Juruá. A Cruz foi atacada pelos
cupins, mas os fiéis erigiram uma nova cruz no mesmo local e a ela amarraram a
antiga cruz venerada pelos seus seguidores. Redigiremos, mais tarde, um
capítulo à parte sobre este estranho pregador que plantou inúmeras cruzes ao
longo da Bacia do Amazonas.
Acordamos ao clarear o dia e depois de fazer uma
faxina completa nas instalações da escolinha e nos despedir de Dona Maria de
Nazaré iniciamos nossa jornada.
- Rumo a Cruzeiro do Sul (27.12.2012)
O ritmo das remadas foi bem mais lento que o dos
dias anteriores. Apenas 38 km nos separavam de Cruzeiro do Sul onde tínhamos
marcado, com o repórter Leandro Altheman, jornalista da TV Aldeia, grupo SBT,
em Cruzeiro do Sul, que passaríamos pela Ponte da União exatamente às 13 horas.
Um profissional honesto e competente: http://www.youtube.com/watch?v=U_KL4hwykRE
O jornalista Leandro Altheman, repórter da TV Aldeia do Acre em Cruzeiro do Sul, fala ao projeto "Narrativas da Floresta" sobre a cobertura da imprensa para a questão socioambiental na Amazônia.
A “Mirandinha” teve de abastecer 20 litros
em Rodrigues Alves, a 30 km de nosso destino, nossa lancha, na descida mantera
uma média preocupante de apenas 2 km/l. Aproveitamos para curtir a natureza,
observar as frágeis embarcações ribeirinhas que passavam carregadas de gêneros
e pessoas, em algumas cinco a seis cães acompanhavam seus donos sem esboçar
qualquer movimento o que, certamente, poderia comprometer o equilíbrio das
instáveis voadeiras, botes, montarias e canoas.
Aportamos às onze horas em uma praia 500 metros à
montante da Foz do Moa e fizemos contato com o Leandro, através de minha
querida parceira Rosângela, para tentar antecipar em uma hora a reportagem. O
Leandro acionou imediatamente sua equipe e agendamos então para o meio dia a
passagem pela Ponte. O dia claro e com poucas nuvens prometia facilitar as
tomadas da equipe de televisão. Às 11h30, iniciamos lentamente nossa
aproximação, o tempo começou a mudar, nuvens pesadas surgiram pela proa
trazendo logo em seguida chuva, ventos fortes encapelando as águas. Era cedo
ainda, eu e o Angonese nos agarramos a alguns arbustos nas margens, aguardando
a hora marcada. Às 11h40, mandei a equipe de apoio realizar um reconhecimento
para verificar se os repórteres estavam a postos e, como a resposta foi
negativa, ficamos realizando pequenas remadas rio acima, para aquecer,
aguardando a hora exata da transposição.
A chuva e o vento castigavam nossos corpos e ao
meio-dia, em ponto, resolvi abordar a Ponte. Não notamos nenhum movimento da
reportagem e resolvi rumar diretamente para o Porto do 61º BIS. A meio caminho
a Rosângela me informou que a repórter Glória Maria estava na Ponte nos
aguardando. Determinei à equipe de apoio que buscasse a equipe de reportagem e
que eles fizessem as tomadas a partir da lancha “Mirandinha” do 8º BEC.
Depois de feitas as tomadas do deslocamento abordamos a lancha e a simpática e
inteligente repórter nos entrevistou enquanto as embarcações desciam de bubuia.
Depois da entrevista fomos para o Porto do 61º BIS
onde uma viatura nos aguardava e nos deslocou até o Hotel de Trânsito. Tivemos,
finalmente, a oportunidade de conhecer o Tenente-Coronel Alexandre Guerra,
Comandante do 61º BIS, que hipotecou total apoio à Expedição.
- Localização de Comunidades e Acidentes
Naturais
- Foz do Igarapé Juruá Mirim, margem Esquerda do Rio Juruá:
(08º07’36,5”S/72º48’29,5”O)
- Comunidade Simpatia, margem Direita do Rio Juruá:
(08º05’12,7”S/72º46’39”O)
- Foz do Igarapé Valparaíso, margem Direita do Rio
Juruá:
(08º01’09,5”S/72º44’43,1”O)
- Foz do Paraná do Moura, margem Esquerda do Rio
Juruá:
(07º52’45,3”S/72º45’58,6”O)
- Comunidade Nova Cintra, margem Esquerda do Rio
Juruá:
(07º49’28,1”S/72º39’31,1”O)
Fonte: IGLESIAS Francisco. Caatingas e chapadões:
(notas, impressões e reminiscências do meio-norte brasileiro, 1912-1919) -
Companhia Editora Nacional, 1958.
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS –
PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para
visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS); Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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